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Aramis

Fundação tem receita para queimar os melhores filmes

Entre os dias 26 de novembro a 2 de dezembro de 1987, apenas 1.469 espectadores foram ao Cine Bristol assistir "Ao redor da meia-noite" (Round about midnight), de Bertrand Tarvenier - que, um mês depois seria incluído entre os 10 melhores filmes do ano no referendum que O Estado do Paraná publica desde 1965. Obra-prima em termos de transposição à tela do universo do jazz, este filme que ganhou aplausos internacionais, mereceu o Oscar de melhor trilha sonora (de Henrbie Hancock) e valeu ao saxofonista Dexter Gordon a indicação ao Oscar de melhor ator, não poderia ser tão abruptamente retirado de cartaz. Mas foi. A direção da Warner Bros, consultada pelo simpático Lourival, gerente regional, concordou que o filme poderia passar para outra sala. Foi então oferecida a Fundação Cultural de Curitiba - que administra quatro salas comerciais e mais a Cinemateca - e a resposta foi revoltante, transmitida por um "assessor". - Não nos interessa porque não é filme inédito! Tamanha burrice e estupidez que surpreendeu os executivos da Warner. Como é que um filme consagrado internacionalmente era desprezado por uma instituição de fins culturais e que poderia mantê-lo em cartaz - fazendo, naturalmente, o público aumentar? Entretanto, a Fucucu, através do autoritário "assessor" (?) foi inflexível. Este ano, entre os dias 23 e 29 de junho, no mesmo Cine Bristol "Nunca te vi... Sempre te amei", o lírico e terno filme baseado no romance "84 Charing Cross Road" de Helene Hanff (edição no Brasil da Casa Maria Editorial, 249 páginas) também não alcançou a média de público exigida pelo Cine Bristol para o filme se manter em cartaz. Afinal, sendo um cinema comercial, a empresa exibidora tem suas obrigações econômicas. A Colúmbia propôs que o filme poderia passar para uma sala da Fundação Cultural, que sendo mantida pelo dinheiro do povo (é bom lembrar que em 1989, seu custo/dia será ao redor de Cz$ 5 milhões) tem por obrigação prestigiar os filmes culturalmente significativos. Novamente o mesmo "assessor" (sic) recusou o filme, com a mesma ridícula alegação: a Fundação exige filmes inéditos para suas salas e não aceita(va) dar seqüência a lançamentos de outros circuitos. Uma atitude irracional e que priva a cidade de que bons filmes prossigam em cartaz. Como na época, nem o prefeito (Roberto Requião) nem a diretoria da Fundação tinham o mínimo interesse por cinema, a opinião dos programadores da Fucucu prevaleceu. E a Colúmbia, naturalmente, deixou de manter o filme em exibição. Agora, há menos de um mês, com a abertura do distante Cine Guarani, com o rabo entre as pernas, o mesmo "assessor" que há seis meses havia se recusado a programar a continuidade de "Nunca te vi... Sempre te amei" em alguma das salas da Fundação, foi marcá-la para ser mostrada naquela sala de bairro - onde manteve-se duas semanas em cartaz. Quem não viu o filme no Bristol, em junho, e não se dispôs ir até o Portão, continua sem conhecer esta obra maravilhosa que, com toda certeza estará entre os 10 melhores lançamentos do ano em Curitiba. xxx Agora, nesta última semana, época de muitas festas, a Fundação relançou "Ao redor da meia-noite" no Cine Luz - cortando a carreira de outro filme magnífico (também, candidato a figurar entre os 10 melhores do ano), a produção holandesa "O Ataque" (Oscar - melhor filme estrangeiro-87), que poderia permanecer mais uma semana em exibição. Mas qual o que! Dentro do espírito autoritário que caracteriza a programação das salas oficiais, foi decidido que "Round about midnight" seria reprisado agora. Resultado: mais uma vez o público será prejudicado e um filme que poderia ter toda uma motivação - inclusive com promoção conjunta ao Blue Note Jazz Clube (mas que neste período está em férias) é desperdiçado. Com isto, a renda será pequena e não será de estranhar se já na próxima quarta-feira, dia 3, o filme for retirado de cartaz. Uma das desculpas alegadas é de a Warner não dispõe de muitas cópias e era questão de "aproveitar" a que estava livre. Muito bem! Se não há cópias sobrando, também nada justifica que um filme desta importância seja mais uma vez sacrificado. Fany Lerner, primeira-dama do município (e a partir de segunda-feira ocupando a Secretaria da Criança), sempre lamentou que nas férias a programação dos cinemas não ofereça maiores opções para os adultos - já que a maioria das salas fica bloqueada com os filmes dos Trapalhões, Xuxa e outras produções que, em absoluto atraem quem exige um pouco mais do cinema. Jaime Lerner, que foi sempre um cinéfilo (e por vários anos, nesta condição, participou do ranking que indica os melhores filmes do ano) também é da mesma opinião. Portanto, é justo que a Fundação se preocupe em oferecer filmes alternativos - mas só que para isto tem que haver critérios. Marcar aleatoriamente produções difíceis como "Um Filme 100% Brazileiro", de José Sette no Cine Ritz (conforme registramos ontem em nossa página "Tablóide") ou justamente relançar nesta véspera de Ano Novo uma obra da dimensão de "Ao redor da meia-noite" é, no mínimo, falta de sensibilidade e de visão comercial. Não custaria nada deixar "O ataque" mais uma semana e preparar melhor o retorno de "Round about midnight" dentro de uma ou duas semanas - ou, preferencialmente, mais adiante, com um ciclo de outros filmes ligados ao jazz. Afinal, em breve a Warner vai lançar o excelente "Bird", de Clint Eastwood, a maravilhosa cinebiografia de Charlie Parker (1920-1955), que esteve nos festivais de Cannes e FestRio. Por que não aproveitar para fazer um trabalho mais amplo? xxx A situação é esta. Mesmo possuindo um circuito que, teoricamente, deveria se voltar a uma programação cultural bem planejada, os cinemas da FCC cometem erros crassos - que podem (e devem) ser corrigidos. Para isto basta haver competência, boa vontade e a mínima dose de humildade - eliminando-se a prepotência que marca muitas vezes a forma com que as fitas são marcadas. Já bastam os circuitos comerciais serem obrigados, para sobreviver, terem que apelar cada vez mais para os filmes de violência, sexo, do lixo internacional. Agora, com a posse de um prefeito que sempre soube encontrar tempo para assistir aos bons filmes, vamos ver se há uma necessária reestruturação para que Curitiba, possuindo o maior circuito oficial de cinemas, saiba tirar melhor proveito - e com isto haja benefício a todos. Opções - Naturalmente que a reprise de "Ao redor da meia-noite" é um dos melhores programas desta última semana do ano. Quem ainda não viu - e foram poucos os que o assistiram - têm oportunidade de conhecer agora esta obra emocionante, que traduziu com a maior emoção o clima de Paris dos anos 50, quando tantos jazzistas americanos ali se auto-exilaram, a belísima trilha sonora de "Round About Midnight" saiu em dois elepês lançados no Brasil pela CBS e EMI/Odeon (a propósito, acaba de sair a trilha de "Bird",cujo lançamento acontecerá em breve no Rio e São Paulo). O outro grande relançamento é "Setembro" (September), o penúltimo filme de Woody Allen (Cine Groff, 5 sessões). Também em relação a esta reprise cabe a mesma crítica anterior: embora tenha ficado três semanas no Cine Luz, em seu lançamento este profundo (e bergmaniano) filme de Woody Allen poderia ser reservado para o próximo mês de janeiro, quando após a publicação da listagem dos 10 melhores filmes do ano, caberia à FCC fazer uma semana com os filmes (possíveis de serem conseguidos) entre os citados nas listas. Por certo, "September" estará entre os 10 melhores - pois nos últimos três anos, Allen capitaneou as listagens com "A rosa púrpura do Cairo" (1986), "Hannah e suas irmãs" (1987) e "A era do rádio" (1987)). Por que então, também queimar a reprise de "Setembro" neste finalzinho de ano? Não é má vontade, mas que irrita tanta falta de visão e marketing cultural, não há dúvida! "Um filme 100% Brazileiro", de José Sette, apesar de ter levado menos de 150 pessoas na primeira semana, foi mantido em cartaz no Cine Ritz. A respeito deste desperdício já falamos em nossa coluna de ontem. Trata-se de uma obra difícil, hermética, embora muito bem realizada, que mereceria um tratamento especial para ser lançado. No Guarani continua "Besame Mucho", de Francisco Ramalho Jr. No caso, está certo! O sucesso de "Vale Tudo", ajuda a promovê-lo, já que Antônio Fagundes e Glória Pires estão no elenco. Um ótimo filme, que merece ser visto. No Cinema I, nas sessões noturnas, o excelente "Tocaia" (Stakeout), de John Badham, com Richard Dreyfuss, Emílio Estevez e Madeleine Stowe e Aidan Quinn. Um thriller inteligente, no melhor estilo de Hitchcock, que merece ser revisto. Nas sessões da tarde, um dos clássicos desenhos de Walt Disney: "Pinocchio", produção de 1939 - mas que conserva toda sua magia. No mais a programação continua inalterável: "O casamento dos Trapalhões", de José Alvarenga Jr., nos cines Plaza/São João/ Lido I; o excelente "A última tentação de Cristo", de Martin Scorsese no Lido II; "Willow - A terra da magia", de Ron Howard, no Condor; "Uma cilada para Roger Rabbit", no Bristol/Astor e "Desejo de Matar-4", de J. Lee Thompson, com Charles Bronson, mais uma vez, como vingador solitário, no Cine Itália. Um feliz 1989. E que a programação das salas seja feita com maior critério. É a esperança. LEGENDA FOTO - "O casamento dos Trapalhoões" continua em cartaz em três cinemas: Lido I, São João e Plaza.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
30/12/1988

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