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Gaúchos fazem filmes de valor e levaram prêmios de Brasília

Se compromissos oficiais não tivessem obrigado o escritor e poeta Carlos José Appel a retornar na segunda-feira a Porto Alegre - com escala no Rio de Janeiro, por certo que o Secretário da Cultura do Rio Grande do Sul estaria tão feliz como os cineastas de seu Estado que, no XXIII Festival do Cinema Brasileiro de Brasília, viram reconhecidos seus filmes. Carlos Jorge Appel, 50 anos, respeitado crítico literário, bom poeta e também editor (Movimento, uma das dez atuantes casas publicadoras do Rio Grande do Sul), e sua assessora Maria Luiza Matos, chegou na tarde do dia 10, quarta-feira, e acompanhou o festival em seus primeiros dias. Sua presença não foi apenas afetiva: oficialmente, pode acompanhar a excelente repercussão que os três curtas e um longa realizados com apoio do Instituto Estadual do Cinema (o Rio Grande do Sul é o único estado do Brasil a possuir este organismo) e que tiveram excelente repercussão. Confirmou-se, mais uma vez, que os gaúchos sabem fazer bom cinema e, mesmo com toda a crise, continuam dando exemplo de como o Estado pode estimular novos talentos. Na noite de encerramento, Roberto Henkin, 30 anos, teve a alegria de ver o seu curta "Memória" obter os dois maiores prêmios do Festival: o melhor segundo a crítica e o júri popular, "o qual não esperava fosse reconhecer os valores desta minha proposta". Trabalhando em publicidade, mas já com um premiado curta em 35mm ("Obscenidades", baseado em conto de Ignácio de Loyola, apresentado há três anos no Festival de Gramado), Henkin apresentou um curta tão inteligente e político quanto "Ilha das Flores", o curta que valeu a Jorge Furtado as principais premiações na categoria em 1989 e mais o Urso de Prata, no último Festival de Berlim. Co-roteirista de "Memória", Jorge Furtado é grande amigo de Henkin - que classifica o trabalho como "obra prima", muito superior ao meu" - diz com modéstia. "Memória" é, a exemplo de "Ilha das Flores", um filme-impacto, original e criativo em sua construção e que também tem grande força política. Vindo do cinema em Super 8 ("A Palavra Cão Não Morde", "O Dia em que Urano Entrou em Escorpião"), Henkin mostra uma grande segurança na condução de seu filme, no qual inclui citações do francês Jean Brullers Verscal, da Bíblia, Luiz Buñuel e até uma notícia do "Le Monde", de 30 de dezembro de 1895, sobre a primeira sessão de cinema. A propósito da falta de atenção para com a memória, a fotografia de Christian Lesage, com ótima trilha sonora de Leo Henkin, primo de Roberto, emoldura imagens de filmes com censura vencida sendo incinerados entremeando seqüências de vídeos nos quais Jânio Quadros, em sua campanha à Prefeitura de São Paulo e, no ano passado, Fernando Collor, na batalha pela Presidência, mostram aproximações demagógicas. Para o público, cada vez que Collor aparecia em cena havia vaias estrondosas no cine Brasília - e aplausos ao final, no qual a legenda diz: "45 milhões de brasileiros não votaram em Fernando Collor". Pode-se considerar "Memória", em sua forma, o primeiro filme que se exibe no Brasil como oposição a Collor e seu projeto político. Flávia Selligman, 26 anos, atualmente concluindo sua tese de mestrado na USP sobre "Os verdes anos do cinema gaúcho", e Jaime Lerner, gaúcho de Porto Alegre, 31 anos a serem completados no próximo dia 26, como filhos de judeus realizaram em "Mazel Tov" - que significa, em idish, boa sorte - um lírico filme sobre a colonização judaica no Rio Grande do Sul através de duas histórias, retratando as tradições e os costumes daqueles pioneiros. Belas imagens, um elenco ajustado e a narrativa bem conduzida, nesta cuidada produção de Mônica Schmiedt, valeram um Prêmio Especial do Júri - e como o montador Giba Assis Brasil, um dos mais ativos integrantes do cinema gaúcho, foi responsável pela montagem dos três curtas em 35mm, o júri deu um prêmio especial - recebido com entusiásticos aplausos. Sérgio Silva, 45 anos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dois cursos superiores e estágios na Alemanha, pode ser considerado a mais nova revelação do cinema gaúcho - ao lado de Henkin. Com seus pais - a simpática dona Maria Silva e o militar Longolino - ao embarcar para Porto Alegre, na tarde de quarta-feira, Sérgio carregava três Candangos: melhor direção e mais o de melhor atriz - para Nora Prado, a noiva de "Festa de Casamento". Por seu longa em 16mm, "Nostalgia", ganhou uma menção especial do júri. O cineasta Carlos Reichenbach, membro do júri de 35mm, foi um dos grandes defensores da premiação para "Festa de Casamento", embora houvesse, da parte de todos uma simpatia por este filme ambientado no interior do Rio Grande do Sul, a reconstituição de uma tragédia ocorrida com sua tia-avó, dona Virgínia Silva: em 1914 (no filme a ação foi transposta para 1930) no dia de seu casamento, a noiva lembra-se ele surge, acompanhada do esposo - grávida (Mirna Spritzer), há olhares de cumplicidade e fogem - perseguidos pelo noivo e seus amigos. Acontece às margens de um lago, o duelo em que os dois morrem. Oito meses depois, a noiva-viúva deu à luz a um mongolóide, atribuído como "castigo divino". Solitária e discriminada, viveu só por mais de 30 anos. Uma tragédia lembrando "Bodas de Sangue" de Gabriel Garcia Lorca, valorizada por notável fotografia de Norberto Lubisco, música de Leo Henkin (guardem este nome) e montagem precisa de Giba Assis Brasil. Admirador de cineastas como o alemão Alexandre Kluge e os franceses Eric Rohmer, Robert Bresson e o americano Robert Rossen, Sérgio mostra em seu filme notável segurança na direção dos intérpretes (o que se deve a sua vivência também em teatro e noção de timing cinematográfico, resultando uma narrativa enxutíssima. É, entretanto, como cenógrafo, nos cuidados de reconstituição de época, que o filme tem ainda maior perfeição - um talento de Silva que, com mais vagar, mostra no longa "Heimeh/Nostalgia", 91 minutos, exibido na competição de 16mm. Co-Dirigido pelo crítico Tulio Becker, do "Correio do Povo" (autor de uma fundamental filmografia do cinema gaúcho), "Nostalgia" reconstitui a vida de Heinrich, que em 1900 deixa a Alemanha para viver no interior do Rio Grande do Sul. Acompanhando a sua vida de sua chegada, sem falar português, indo trabalhar na lavoura, mas depois transformando-se em professor de alemão, seus dois casamentos - Helga Wigel (Ida Celina), que lhe dá dois filhos e morre no terceiro parto, e Anna Gisela (Simone Castiel), "Nostalgia" transmite emoção, suavidade e muito da história do Rio Grande do Sul: as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes alemães, as perseguições sofridas durante a II Guerra Mundial, mas sem nunca afastar-se do lado humano, na expressão sofrida do ator Sérgio Kuplich, 67 anos, que interpreta Henrich já velho - enquanto o jovem Heinrich é vivido por Rômulo Viero, 24 anos. Apesar de ter recebido uma pequena ajuda da extinta Fundação do Cinema Brasileiro, "Nostalgia" foi realizado na base do idealismo: com exceção do eletricista, ninguém da equipe técnica ou do numeroso elenco recebeu qualquer remuneração, todos se integrando neste projeto afetuoso, que mostra que mesmo em bitola 16mm é possível fazer um grande filme (há 4 anos, Tavico realizava em Porto Alegre o político "Adeus, General" 80 minutos, infelizmente nunca visto em Curitiba). A idéia de fazer um filme sobre a vida de um alemão, que vivendo no meio rural, em 1913 já montava uma peça de Schiller ("Kabale und Liebe/Intriga e Amor") e, anos depois, quando tentou encenar "Egomont" de Goethe, em 1942, já sofreu as perseguições do Estado Novo, foi sugerida por Tulio Becker lhe mostrar uma foto da encenação da peça de Schiller. Diz Sérgio Silva: - O que levaria um alemão numa pequena localidade do interior, no inicio do século, a montar uma peça de Schiller? Assim, trabalhando livremente no roteiro, desenvolveu com Becker um belíssimo roteiro, resultando num filme que com excelente fotografia, falado em alemão nas seqüências passadas naquele país - e também quando os personagens são imigrantes - tem tudo para ser mostrado a amplas platéias. Aqui fica a sugestão para o Goethe Institut providenciar a vinda deste filme interessantíssimo, inteligente e que mostrou o vigor do novo cinema gaúcho que acontece graças a política cultural inteligente desenvolvida pelo Instituto Estadual, presidida por Antonio Carlos de Senna. Só no atual governo, o secretário Appel viabilizou 14 filmes curtos - e em 1990 foram aplicados CR$ 20 milhões em equipamentos e ajudas para que os filmes gaúchos façam bonito em festivais nacionais. "Só não deu ainda para viabilizar o longa de Henrique de Freitas Lima, "Lua de Outubro" lamenta o secretário da Cultura Appel, cuja ação também se estendeu no fortalecimento do teatro e na área editorial - com a publicação de mais de 450 mil exemplares de livros ligados a história e cultura do Rio Grande do Sul, espalhados em várias coleções. LEGENDA FOTO 1 - "Festa de Casamento": uma jóia em curta-metragem, deu ao gaúcho Sérgio Silva o Candango de melhor direção e a Nora Prado (a noiva) o prêmio de melhor intérprete. LEGENDA FOTO 2 - Belíssima reconstituição de época, "Nostalgia", em 16mm, é o exemplo de bom cinema que se faz no Rio Grande do Sul. Um elenco de mais de 200 intérpretes numa superprodução baratíssima.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/10/1990

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