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Gay, vida, morte, amor. Vale tudo na temática dos filmes do FestRio

Rio de Janeiro O amor, a vida e a morte. Parece até título para um melodrama - mas que, após os quatro primeiros dias deste III Festival Internacional de Cinema, Vídeo e Televisão marca o clima dos filmes em competição, já vistos - ou , mesmo, muitos dos que estão sendo apresentados nas inúmeras mostras paralelas. Um Festival de Cinema - ainda mais sendo internacional - tem que ser, logicamente o mais diversificado possível. Afinal, são produções vindas das mais diferentes partes do mundo, entre filmes recentes ou, em caso de mostras paralelas especiais, momentos de um cinema que poucas (raríssimas vezes em alguns casos, nunca), foi antes visto por milhares de espectadores. Assim, nada mais natural do que a característica de colcha-de-retalhos temática caracterize o grande painel com mais de 200 títulos, que desde a última quinta-feira, espalham-se pelas salas de projeção do Rio de Janeiro. No Hotel Nacional, em São Conrado, mais de mil pessoas ligadas ao cinema em seus diferentes segmentos - criação, produção, distribuição e mesmo exibição - circulam, dos rostos anônimos (muitas vezes porém importantes em suas áreas) a alguns mais famosos (como atores, atrizes e cineastas), há um burburinho humano. Jornalistas distribuem-se entre as entrevistas coletivas, sessões dos seminários que tiveram início na sexta-feira (o primeiro foi "Olhar Feminino o Outro Lado da História"), entrevistas exclusivas, fofocas nos bastidores, especulações e, naturalmente, a visão dos filmes. De certa forma, quanto mais a pessoa se integra ao FestRio - e isto já aconteceu em suas primeiras edições - mais difícil se torna acompanhar, cinematograficamente, os programas. "Assistir apenas o que não terá lançamento comercial: deixar o resto para depois". Eis uma regra básica, obedecida desde experts como o jornalista Sérgio Augusto, da "Folha de São Paulo" e o "O Estado de São Paulo", até os jovens que, chegando às 8 horas da manhã, para as sessões de imprensa - a chamada "geração breakfast" como chamou o bem-humorado Wilson Cunha, do "Jornal do Brasil" - procuram conhecer um pouco do banquete para os olhos oferecidos nesta promoção que, pela terceira vez, faz o Rio de Janeiro transformar-se na sede de um grande evento cultural. O amor e a vida - Na área dos longa-metragens mostrados na sala oficial - que recebe o nome de Glauber Rocha, durante os 10 dias do festival - o filme, hors-concours, na abertura, não poderia ser mais requintado: "Uma Janela para o Amor" (A Room With a View), realização de James Ivory, já com lançamento acertado pela Alvorada (ex-Gaumont), possivelmente entre dezembro e março de 1987 (no Rio e São Paulo; em Curitiba, dependerá da disponibilidade dos cines Astor ou do Bristol, em fase de reformas) e daqueles colírios visuais. Cineasta que fez carreira na Índia, Ivory tem mostrado um extraordinário requinte nas imagens de seus filmes: "Luxúria" (Quartet), que passou despercebido, no Cine Itália, há dois anos, impressionava pela beleza das imagens e profundidade do tema. Este ano, em Curitiba, por 5 semanas, um bom público pode conhecer outro de seus filmes - "Os Bostonianos" (The Bostonians, 1983), realizado a partir de uma das novelas do inglês Henry James. Agora, de um romance do inglês E. M. Forster - o mesmo autor de "Passagem para a Índia" (filmado por David Lean há 3 anos, e o grande premiado na festa do Oscar-85), Ivory dá mais uma mostra de refinamento, bom gosto e preciosismo visual. Com um elenco de excelentes intérpretes - mas apenas um nome famoso (e inglesa Glenda Jackson, já premiada com o Oscar há alguns anos), "A Room With a View" é um filme belíssimo, ambientado na época da rainha Vitória. A primeira parte totalmente rodada em Florença, captura com imensa felicidade e beleza arquitetônica e artística da cidade dos Borgias. Palácios, museus, obras de arte, a paisagem tranqüila do Rio Arno - compõem a "figuração" na qual se desenvolve uma bem humorada - com toques de um fino cinismo - "Love Story". Há um requinte em cada imagem, cada fotograma parece ter sido demoradamente elaborado por um mestre do renascimento. Enfim um belíssimo filme, que estará, seguramente, entre os mais belos lançamentos para 1987. Este, ao menos, não permanecerá inédito como tantos outros que aqui estão sendo apresentados - os quais, infelizmente, não conseguem importadores interessados (por exemplo, nem mesmo a produção colombiana "Tempo de Morrer", Tucano de Ouro-85, conseguiu distribuição no Brasil). Se "A Room With a View" foi uma visão requintada de uma Inglaterra vitoriana, sofisticada, com personagens idílicas, a Inglaterra, ou mais especificamente, a Londres-86, suja, mergulhada em crises econômicas, com milhões de desempregados entre os súditos da rainha Elisabeth vindo dos países da "Commonwealth" compõe o cenário de "My Beautiful Laundrette", de Stephen Frears, 44 anos, mais de 20 de cinema - que se passa na comunidade paquistanesa que vive em um subúrbio de Londres. Os protagonistas, Omar, filho de um empobrecido escritor paquistanês - intelectual de esquerda antes de sair de seu país - e Johnny, ex-integrante do partido da direita inglês ("National Front") transformam uma velha lavanderia em uma casa moderna - mas tem problemas tanto com os paquistaneses que vivem em Londres como os ingleses. Há uma relação sexual entre Omar e Johnny, tratada com extrema dignidade - sem apelações, apesar de cenas de grande intimidade. Frears, um cineasta até agora totalmente desconhecido no Brasil - e que atualmente se prepara para levar à tela a tragédia da morte do dramaturgo Joe Orton (homossexual, assassinado há 20 anos; deixou comédias como "O que o Mordomo não Viu" - em cartaz em São Paulo e "Olho Azul da Falecida"), tratou com extrema dignidade a relação homossexual. Aliás, filmes que abordam questões "Gay" estão em destaque neste festival: uma das sensações da mostra "Midnight Movies" no Bruni-Ipanema (desde segunda-feira, as sessões mais lotadas) e "Caravaggio", do inglês Derek Jarman, que mostra o lado homossexual do famoso pintor italiano. Outro filme da mesma linha é "Otra história de Amor", de Américo Ortiz Zaratec, apelidado pelo repórter Maurício Stycer, do "caderno 2º d'O Estado de São Paulo como "Brega'Gay Argentino". Outro filme com temática Gay é "Noir et Blanc", de Claire Devers (que ganhou o prêmio Câmera de Ouro em Cannes), sobre a história de um guarda-livro de um centro esportivo que se envolve com um massagista negro numa relação sado-masoquista - filme programado para um mostra paralela. "O cinema falado", o polêmico filme de Caetano Veloso - apresentado no sábado, a uma hora da manhã - não deixa também de discutir a questão homossexual, com longos monólogos supostamente filosófico-reflexivos e algumas cenas, plasticamente belas, de corpos nus de um negro e um branco. Há também, em três momentos, um pênis sendo demoradamente focalizado pela câmera. A questão gay em termos de depoimento humano, também - gay constitui um dos aspectos mais bonitos, profundos e interessantes de "Le Declin de L'Empire Americain", do canadense Denis Arcand - exibido no domingo e, até o momento, o filme mais importante deste festival. Uma análise em profundidade das relações sexuais de um grupo de casais da classe média superior canadense, intelectuais e liberados em seus relacionamentos sexuais. Com honestidade, sinceridade, ternura e emoção, Arcand fez um filme notável, "up to date" em termos antropológico-psicológico sexo-informativos. Irônico a partir do título "O Declínio do Império Americano" - que a primeira vista poderia parecer uma superprodução de toques históricos, é um filme para análises mais demoradas - e que, nas edições da imprensa nacional que cobre o FestRio, na segunda e terça-feira, foram apressadas, naturalmente pela rapidez com que o material tem que ser produzido, em seguida às sessões - e antecedendo uma agenda de inúmeros outros compromissos que fazem com que os jornalistas corram de um lado para outro. A vida e a morte O tema da morte pode ser tratado com falta de imaginação tão grande que cai até no ridículo - como aconteceu no primeiro filme em competição, "O Matador", de Pedro Almovadar - mas também pode resultar numa obra up: Positiva, como "Assim é a Vida", de Black Edwards. Ou ter uma visão teatral - mas bela - como "Meloo", de Alain Resnais. Com algumas pitadas de homossexualismo - "O Matador" é um dramalhão ridículo, em torno de quatro mortes violentas no qual um jovem inseguro, Angel, aprendiz de toureiro, tímido e com problemas de afirmação, assume como seus. Sua advogada, Maria, envolve-se com o toureiro, seu mestre - e o final é ridículo, chegando até a misturar premonição, eclipse e uma morte a dois, ao estilo de um filme de segunda categoria. Em "That's Life", a última comédia de Black Edwards (que a Columbia Pictures lançará em breve no Brasil) também trata da morte. Ou melhor: da ameaça da morte, quando a cantora Gillian Fairchild (Julie Andrews) começa submetendo-se a uma biópsia para verificar se está com câncer. Cantora famosa, mãe de 3 filhos, casada com um próspero arquiteto - Harvey (Jack Lemmon), Gillian passa 72 horas de angústia, aguardando o resultado do exame. Só que este desespero é aumentado porque, seu marido Harvey, às vésperas da festa de seus 60 anos, desconhecendo o seu problema a atormenta em sua crise. Hipocondria, a crise dos 60, idade completada há pouco tempo por Edwards como Jack Lemmon - é tratada de uma forma bem humorada (mas com profundidade), neste filme adorável, que nos devolve o Black Edwards de seus melhores momentos - especialmente "S.O.B.". - Como este, também rodada em Los Angeles. Rodado na própria mansão de Black Edwards - enorme, provando que em 30 anos de carreira, deu para se tornar milionário - com um elenco familiar - Jennifer Edwards, filha de Black; sua esposa Julie Andrews (madura, segura, longe da "Noviça Rebelde" ou "Mary Popins". Chris Lemmon, filha de Jack e Felícia Farr - sua esposa, atriz que há anos abandonou as telas (a última vez que foi vista na tela aconteceu em "Kotch ainda há cinzas sobre as chamas", único filme dirigido por Lemmon), que, como a cigana "Madame Carrie", está incrível. Outros bons intérpretes - Sally Kellerman (numa loira erótica, lembrando a enfermeira "Língua Ardente" de "Mash", onde começou a se destacar e Robert Loggia (como o pastor Baragone, um ótimo personagem). O filme é sofisticado, com a fotografia de Anthony Richmond aproveitando o luxo e beleza das zonas mais ricas de Los Angeles e a trilha sonora, de Henry Mancini, é marcante. Só que Julie Andrews não canta. Ao final, na festa de aniversário dos 60 anos de seu marido, apanha o microfone e antes de iniciar a canção chega o médico com o resultado da biópsia. Bem, o resto fica para depois, já que o filme entrará em breve nas telas. Se Jack Lemmon é em "That's Life" um bem sucedido arquiteto na sociedade capitalista americana - embora angustiado pela crise dos 60 anos e pela concessão que é obrigado a fazer em favor dos clientes, o personagem de "A Boa Luz" (Dobre Snetlo). Questionado em seu bem pago trabalho de arquiteto oficial ao reencontrar um velho amigo, pintor, o personagem entra em crise: abandona a casa e volta-se à sua paixão da juventude - a fotografia. Após muitas dificuldades consegue uma modelo - uma sensual ninfeta cigana - e tem problemas familiares, no emprego e com a sociedade. Mostrando uma praga progressista, consumista, com personagens de alto padrão de vida - em bonitas casas, clubes, belos cenários - o filme checo não chega a ser nada de sensacional mas é digno e bem realizado, mostrando que a angústia profissional, a crise de consciência pode atingir tanto no capitalismo como no socialismo. That's Dead That's Dead - se "That's Life" é um comédia up, positiva, que tratando da ameaça do câncer e da crise dos 60 anos, consegue ter um clima altamente positivo - no mesmo sábado em que o filme de Black Edwards foi apresentado, exibiu-se "Meloo", o último de Alain Resnais ("Hiroshima, Meu Amor", só para lembrar sua obra mais famosa). De uma conhecida peça de Henry Bernstein, com apenas quatro personagens, um filme construído no estilo mais conservador possível: a tragédia de Romaine (Sabine Azelma, atriz francesa, que está no Rio desde sábado), esposa do violinista Pierre (Pierre Ardidid), se apaixona pelo melhor amigo de seu marido, o virtuoso Marcel (Andre Dussolier), também no Rio. Uma paixão dramática, plena de sofrimentos e que, naturalmente, termina em tragédia - com o suicídio de Romaine - infiel, coquete e insegura. Fanny Ardand - viúva de Truffaut - é Christiane, a dedicada prima e apaixonada de Pierre, num papel menor. O filme é belíssimo em termos visuais, com uma fotografia esmerada de Jacques Saulnier e uma trilha formada por sonatas de Brahns e Bach. O clima teatral é tão assumido que as seqüências são separadas por abrir e fechar de cortinas vermelhas - como se o espectador estivesse num teatro. A lentidão, o ritmo de "Comedie Française" na interpretação - (a história se passa em 1928), o próprio academicismo, desagradou a crítica mais rigorosa. Entretanto há aspectos belos de Charlie Van Damme e um show de interpretações. Andra Dussolier, num longo monólogo em que descreve uma frustração amorosa, transmite uma emoção notável. Suficiente, em nosso entender, para ter seu nome no festival. Difícil que "Meloo", mesmo lançado no Brasil, faça sucesso. Afinal, Resnais é um cineasta maldito. Seu "Muriel", de 1963, só é visto em sessões de cineclubistas, como aconteceu no sábado, na Estação Botafogo. Programação "A Fonte da Saudade", de Marco Alberg - com Lucélia Santos em tríplice interpretação, concorrente do Brasil, foi exibida no domingo. Como Lucélia também está no elenco de "Baixo Gávea", de Haroldo Marinho Barbosa - o outro representante do Brasil (já levado ao Festival de Brasília, onde recebeu os prêmios de melhor ator coadjuvante - Chico Diaz e melhor atriz coadjuvante - Louise Cardoso), exibido na segunda-feira, 24, fala-se muito no nome de Lucélia como melhor atriz do festival. Desde a produção do Terceiro Mundo - como o filme colombiano "La Mansion de Araucaima" de Carlos Mayolo (com o gaúcho José Lewgoy no elenco também exibido na segunda-feira pela manhã - "A Ópera do Malandro", de Ruy Guerra (que esteve em Cannes, na quinzena dos realizadores), passando por filmes da Argentina ("Geronima", de Raul Tosso, terça-feira); Portugal ("De uma Vez por Todas", de Joaquim Leitão), Cuba ("Placido", de Sergio Giral); Dinamarca ("Manden i Mannen", de Erik Clausen); Itália ("Il Camorrista", de Giusepp Tornatore) e, um dos mais aguardados, nos Estados Unidos - "The Big Easty", de Jim McBride - o mesmo diretor da refilmagem de "Acossado" (A Bout de Souffle, 60, de Godard) que, há dois anos, ficou apenas na mostra paralela do I FestRio. Agora, McBride é, ao lado de Davyd Tynam - diretor que encerrará o festival, no sábado - uma das presenças do jovem cinema americano mais curtido neste FestRio - de tantos programas interessantes. LEGENDA FOTO 1 - Em "That's Life", Julie Andrews não canta. LEGENDA FOTO 2 - Glenda Jackson LEGENDA FOTO 3 - Jack Lemmon também está em "That's Life".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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26/11/1986

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