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Aramis

Guizzo, adeus!

Há 25 anos que ele não mora mais aqui. Mas pela constante vida cultural, incansável batalhador pelas causas da música, cinema e literatura e os contatos que sempre soube manter entre os amigos e colegas que aqui fez entre 1959/64 - quando estudou Direito na Universidade Federal, era sempre uma presença constante: José Octávio Guizzo. Há um mês, a caminho (e de retorno) de Iraí, no Rio Grande do Sul, em cujo seminário sobre MPB realizado paralelamente a mostra Canto das Águas, foi um dos participantes mais ativos - levando como sempre uma pesquisa sobre o regionalismo na música de Mato Grosso do Sul - MT - como era conhecido em seus anos de estudantes, aqui esteve revendo amigos.. entusiasmado com a conclusão de sua apaixonada biografia por Glauce Rocha (Campo Grande, 16/8/1930, São Paulo, 12/10/1971), nos falava de seus projetos - inclusive o de construir uma casa no Litoral catarinense, para ali passar suas férias. Advogado, pesquisador de cinema e música, primeiro presidente da Fundação Cultural de Mato Grosso do Sul (1982/85), no governo Wilson Martins, escreveu livros sobre a música e o cinema de seu Estado, publicou inúmeros artigos em jornais e revistas e ainda em janeiro último, aqui deixava um poético e nostálgico artigo (publicado no ALMANAQUE) em que recordava seus verdes anos da Curitiba do início dos anos 60, quando aqui chegou, cheio de sonhos. Intelectualmente sempre buscando novas informações, apaixonado pela obra de Vinícius de Moraes, produziu um programa - "Jazz & Bossa Nova" na rádio Ouro Verde. Foi um dos primeiros apaixonados por jazz a sentir a dimensão de Raulzinho do trombone, que na época era pouco valorizado em suas atuações no Tropical, boite de Paulo Wendt no Passeio Público - e na qual, impossibilitado de mostrar os melhores improvisos jazzísticos o levava a sair, pelas ruas, a fazer sua música - cercado da admiração de alguns jovens, entre os quais Guizzo. Um retrato de Raulzinho, em palavras perfeitas, para um concurso de reportagens que promovido pelo Departamento de Cultura do Estado, na época dirigido por Ennio Marques Ferreira, valeu o primeiro lugar para Mato Grosso, que em sua generosidade, bebemorou o valor do prêmio em uma roda de chopp na saudosa Guairacá, térreo do palácio Avenida - ponto de encontro da boemia acadêmica dos anos 60 - no qual estavam estudantes que hoje são nomes importantes - Otto Luís Sponhols (desembargador), Antônio Lopes de Noronha (secretário da Segurança), João Batista Pio Vieira (diretor da Editel), Osvaldo Macedo (deputado), alguns dos colegas de curso e que o tinham, como uma espécie de guru intelectual e político. Fervoroso integrante do Partido Acadêmico Renovador na Faculdade de Direito, líder dos grupos progressistas, foi vice de Antônio Noronha no Centro Acadêmico Hugo Simas e só não sofreu conseqüência maiores, após o golpe de 1º de abril, porque formando-se em 1963, quando a longa noite da ditadura chegou, já havia retornado a sua Campo Grande, onde nasceu há 53 anos. Ao contrário de muitos de sua geração que preferiram a carreira e a ambição pelo dinheiro fácil, José Octávio manteve-se fiel aos princípios ideológicos e a preocupação intelectual. Casado com Marta, pai de Danuza, Daniela e João, manteve um equilíbrio entre o necessário para uma vida decente - mas sem sacrificar o lado cultural - que o fez escrever livros, embrenhar-se em pesquisas importantes, participar de todos os encontros da Associação de Pesquisadores da MPB e, em algumas ocasiões, também do conselho de Pesquisadores do cinema Brasileiro. Há duas semanas, nos enviava de Campo Grande a revista "Executivo Plus", número 50, tendo por capa e reportagem principal um belo texto sobre "Glauce Rocha - o resgate de um mito", no qual em seis páginas, falava da mais famosa atriz nascida em Campo Grande, nome marcante do Cinema Novo - e cuja vida resultou num livro por cuja publicação, através da editora Revan, vinha batalhando em busca de patrocínio e, em carta do dia 8 de novembro, nos falava da possibilidade do mesmo ter o apoio da Universidade de Mato Grosso do Sul, com recursos do Bamerindus. Uma daquelas pessoas admiráveis, dos amigos para se ter dentro do coração - como na poesia de Fernando Brandt - José Octávio Guizzo, que sempre esbanjou saúde, nos faz uma tremenda safadeza: segunda-feira, 10, às 16h30, quando dava uma palestra sobre Glauce Rocha, para alunos da Universidade de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, teve um fulminante ataque cardíaco e morreu em poucos minutos. Uma morte estúpida, cruel, que amarga a todos que souberam conhecê-lo e amá-lo - e que nos faz, mesmo a contragosto, quebrar a promessa de que não voltaríamos a fazer obituários de amigos que se vão (e tantos que se foram, especialmente neste trágico 1989: Nara Leão, Francetti Rischbieter, Paulo Leminski, Roberto Vítola Souza...), para repetir aquilo, que na emoção destes momentos, nos ocorre: o mundo fica menor, ainda mais triste, quando a morte, essa visitante indesejável, leva os muito bons os muito ternos - e que talvez por isto mesmo partem tão repentinamente. LEGENDA FOTO - José Octávio Guizzo: a morte inesperada, quando fazia na segunda-feira, 20, uma palestra em Campo Grande sobre a atriz Glauce Rocha - que como ele também morreu vítima de um ataque cardíaco.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/11/1989

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