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Helena, o filme da Igreja e seu livro

Helena Salém, que estará hoje em Curitiba para fazer um informal palestra sobre Nelson Pereira dos Santos (Cine Groff, 19 horas), antecedendo a projeção de "El Justicero" e "Vidas Secas" (20/2 horas, respectivamente), não é apenas uma jornalista profundamente identificada com o cinema brasileiro a partir dos anos 60. Com sua sensibilidade de repórter corajosa e independente, calejada em coberturas internacionais como a Guerra dos 7 Dias, em Israel, Helena mergulhou no sertão do Araguaia, no Brasil Central há alguns anos, produzindo um dos documentos mais contundentes sobre a violência naquela região: "A Igreja dos Oprimidos". Publicado originalmente pela Brasil Debates - editora que acabaria falindo - o livro-reportagem de Helena teve grande repercussão pela visão nova que trouxe dos antigos conflitos de terra, e especialmente, destacando a real participação da Igreja na região. Uma das leitoras que mais se sensibilizaram foi a Sra. Lucíola Vilela, sogra do produtor Luís Carlos Barreto e que também estava integrada a realização de filmes a partir do financiamento ao longa de estréia de seu neto, Fábio Barreto, o belo "Índia", rodado no Interior de Goiás. Lucíola, uma senhora jovial, organizada e muito bem relacionada - além de rica, naturalmente, montou a produção para que a reportagem de Helena Salém pudesse ser levada as telas, como documentário. Um cineasta identificado aos problemas sociais - especialmente agrários - do Brasil, Jorge Bodanski, vindo de filmes polêmicos como "Iracema" e "Os Muckers" - ambos co-realizados com organizações da República Federal da Alemanha - também se entusiasmou com o projeto. Assim, durante muitas semanas, Helena e Jorge, mais uma pequena equipe, percorreram o Araguaia, levantando dados de uma questão explosiva e perigosa - o grilo de terras, a presença de marginais contratados pelos grandes fazendeiros, as ameaças constantes aos lavradores e, sobretudo, a coragem de alguns religiosos, desde humildes párocos até a figura maior de Dom Pedro Cassaldaglia - há muito um nome respeitado internacionalmente pela sua visão social, e o trabalho que desenvolve há anos numa das mais perigosas áreas, em termos de conflito social, da América do Sul. Embora inédito ainda em Curitiba, "A Igreja dos Oprimidos", longa-metragem, 16mm, de Jorge Bodanski e Helena Salém, vem sendo exibido constantemente, especialmente em sindicatos, associações, diretórios acadêmicos e outros espaços alternativos. As poucas cópias em poder da EMBRAFILME já começam a se deteriorar tal a procura do filme - levado também a várias partes do mundo, em conferências, congressos e reuniões nos quais as questões sociais e a presença da Igreja são focalizadas. Devido a falta de tempo, não será ainda desta vez que "A Igreja dos Oprimidos" poderá ser visto em Curitiba - apesar da presença neste sábado, aqui, de sua realizadora. A idéia, entretanto, é promover, em breve, sua exibição, já que existe um grande interesse de correntes progressistas em conhecerem este documento sério e vigoroso da realidade brasileira - longe das imagens pasteurizadas do jornalismo da televisão, capturando toda a dramaticidade de homens e mulheres que, em regiões distantes, buscam apenas o espaço para sobreviverem - e que tem sido vítimas das maiores violências. xxx Helena Salém falará hoje, ao entardecer, sobre um cineasta que sempre teve a preocupação do social em seus filmes: Nelson Pereira dos Santos. Autora de completa biografia do diretor de "Vidas Secas" - "O Sonho Possível do Cinema Brasileiro" (Editora Nova Fronteira, Cz$ 360,00, 370 páginas) - que estará autografando, amanhã, a partir das 11 horas, na Livraria Dario Vellozo (Fundação Cultural, Praça da Ordem), Helena trabalhou, como boa repórter que é, na colheita de mais de 80 entrevistas de pessoas ligadas a NPS entre maio de 1984 e agosto de 1986. xxx Enquanto os filmes de NPS são reprisados no Groff - hoje, "El Justicero" (16 e 20 horas) e "Vidas Secas" (14 e 22 horas), na Cinemateca está em exibição o documentário que a cineasta Ana Carolina fez há 9 anos sobre o cineasta, com depoimentos de inúmeros cineastas, artistas, críticos, etc. Os filmes de Nelson estão também sendo lançados pela Manchete Vídeo, o que levará a obra de um dos mais importantes realizadores brasileiros a todos que se interessam pelo nosso melhor cinema. Amanhã, domingo, estarão sendo apresentados dois filmes da chamada fase "simbólica" de Nelson (anos 60, auge da repressão), na qual buscava metáforas para sugerir as preocupações políticas: "Fome de Amor", 1967, com Leila Diniz e Irene Stefânia e "Azyllo Muito Louco", 1969, inspirado livremente em Machado de Assis. Na segunda-feira, "Como era Gostoso o meu Francês", 1970 e "Quem é Beta?", 1973 - este um science-fiction, com Regina Rosemburgo (falecida num acidente de aviação há 15 anos), Sylvia Fennec e Frederic de Pasquale. LEGENDA FOTO - "Quem é Beta?", um science-fiction com símbolos políticos, obra das mais desconhecidas na carreira de Nelson Pereira dos Santos, será exibido na segunda-feira, dia 7.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/09/1987

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