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Aramis

Houve uma vez, 1943...

CAROS espectadores com mais de 35 anos, preparai vossos corações e, se emotivos forem, apanhai absorventes lenços para enxugar lágrimas: ainda hoje, em 4 sessões, podereis ver um filme como se fazia antigamente. Com amor, emoção, bons sentimentos, gente limpa e bem trajada, capaz de nobres gestos. Enfim, um filme como se fazia antigamente. Na época em que havia no máximo duas sessões e as melhores famílias da Curitiba de menos de 100 mil habitantes (agora já passamos do primeiro milhão) faziam filas defronte os reluzentes, limpos e acolhedores cines Avenida. Ópera, Palácio, Broadway, América e tantos outros. Estamos nos referindo a "Os Yanks" chegaram (cine Astor, hoje último dia em exibição), um filme típico de como se fazia cinema no passado. Um filme assumido em sua época, em suas verdades, em sua temática. Quando John Schlesinger esteve em Curitiba, há 17 anos passados, nem mesmo os mais bem informados cinemaníacos da época tinham ouvido falar a seu respeito. Apesar de já ter aparecido em alguns filmes como ator, inclusive em "A Batalha do Rio da Prata" (de Powell/Pressburger, exibido em 1958 no Cine Avenida), era então um entre tantos ingleses tentando dirigir filmes. Já um pouco calvo, discreto em suas opiniões, falou a apenas três jornalistas no Hotel Iguaçu, onde estava hospedado: Osvaldo Macedo, então repórter de O ESTADO (hoje é deputado federal e possível candidato a prefeito de Londrina), Ronald Magalhães (hoje próspero empresário) e este colunista, ambos então na "Ultima Hora". Francisco Bettega Neto (hoje na assessoria da Copel), Critico da UH, também participou da entrevista e se mostrou um tanto decepcionado pela superficialidade de certas afirmações do cineasta inglês, que não se mostrava, então, entusiasmado, com Bergman, Antonioni Fellini e outros ídolos já naquela época. A noite, quando falou para um reduzido público na antiga sede da Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa, próximo ao Passeio Público, Schlessinger exibiu alguns trechos de "A Kind of Loving" (Ainda Resta Uma Esperança), com Alan Bates (então ainda desconhecido ) e Thora Hird, que havia recém-concluido em Londres. Mostrou também trechos de seus três curtas-metragens, "The Starfisch" (1950), "The Innocent Eye"(1958) e "Terminus" (1960). Em 1964, quando "Ainda Resta Uma Esperança" foi exibido no cine Glória, então um cinema lançador de obras de categoria, já se começou a prestar atenção em Schllesinger: contando a história do casamento sem amor de um operário sem perspectivas, revelava a mesma força que marcaria os jovens da chamada "angy young men" (hoje nem mais jovens, nem raivosos e, de certa forma, nem mais homens): Karel Reiz, Tony Richardson, Lindsay Anderson e outros (sem falar no líder do grupo, o dramaturgo-roteirista Harold Pinter). "O Mundo Fabuloso de Billy Liar"(Billy Liar, 63), revelando às platéias brasileiras a bela Julie Christie e Tom Courtenay, só chegou a Curitiba porque José Augusto Iwersen, procurava fazer do Ribalta, no auditório do Colégio Santa Maria, um legitimo cinema de arte. Depois viria "Darling, a que Amou Demais" (65) e "Longe Deste Insensato Mundo"(67, do romance de Thomas Hardy), ambos de carreiras discretas. Mas com a ida de Schlesinger para o cinema americano e os Oscar que "Midnight Cowboy" (Perdidos na Noite, 69) conseguiu, o tornaram uma estrela mundial. E nos últimos 10 anos, todos os seus filmes tiveram grande repercussão: o corajoso libelo em torno do homossexualismo em "Domingo Maldito"(Sunday Bloody Sunday, 72), a revisão crítica de Hollywood com a filmagem da novela de Nathanielo West em "O Dia do Gafanhoto" (75) e o político "Maratona da Morte"(The Marathon Man, 76). Em 76, ainda, começou a filmar "Coming Home", mas desentendimentos com a atriz-produtora Jane Fonda o levaram a ser substituído por Hal Hashby, que afinal viu seu "Amargo Regresso" vencer alguns Oscar em 77. O episódio de Schelesinger em "Vision of Eight" (74), sobre a guerra do Vietnã, é o único de suas obras, após 62, desconhecida no Brasil. Só mesmo um inglês, com 54 anos e que, quando da II Guerra Mundial (1939-1945) tinha 13 anos, poderia realizar um filme com cores tão honestas como Schlesinger. Da primeira à última seqüência, "Yanks" tem aquela característica do "war's film", gênero que já motivou uma razoável bibliografia nos EUA e Europa, por parte de arqueologistas-pesquisadores de cinema, mas que, obviamente, no Brasil, é cultuado por uma minoria. Os filmes de guerra, em especial que centraram sua ótica sobre o segundo conflito mundial, tem uma gama de enfoques, já que há tanto as obras realizadas durante o período em que os fatos ocorriam, no caso especialmente produções norte-americanas, como os que foram realizados posteriormente e que continuam, mesmo que sem a intensidade dos anos 50/60, a aparecer nos cinemas. Mas um entre tantos aspectos que faz com que "Os 'Yanks', chegaram" um filme especial é que Schlesinger não realizou "mais" um filme de guerra. Como um pintor que trabalha sobre uma paisagem, mas dando a sua interpretação, Schlesinger preferiu colocar a ação de alguns poucos personagens numa pequena comunidade inglesa, ao Norte de Stalybridge, onde tres mulheres Helen (Vanessa Redgrave), Jean (Lisa Heichhorn) e Mollie (Wendy Morgan) tem envolvimentos com militares americanos: o capitão John (Willian Devance), o sargento Matt (Richard Gere) e o cabo Danny (Chick Vennera). A ação do filme, considerando sua metragem um pouco além do normal, poderia resvalar, facilmente, para a monotonia - ou a repetição, haja visto a esquematização do gênero. Mas o roteiro que Colin Welland e Walter Bernstein desenvolveram sobre uma estória de Collin, foi tão bem estruturada e teve um aproveitamento de Schlessinger que não há um instante mais frágil na narrativa. E o toque de sensibilidade, característico dos melhores filmes dos anos 30/40 ("quando foram feitos todos os filmes que gostaria de rodar", queixava-se, anos atrás, Peter Bogdanovich, diretor de "A Última Sessão de Cinema") esta presente em "Yanks", tanto nos envolvimentos amorosos como na própria vida monótona, tranqüila da população da pequena comunidade inglesa que, de repente, vê chegar milhares de militares americanos, preparando-se para a invasão da Normandia e a libertação da França. Schlesinger não pretendeu, obviamente, a denuncia dos problemas de um quartel em tempo de guerra, como fez, por exemplo, Fred Zinnemann no clássico "A Um Passo da Eternidade" ( A From Here To Eternity, 1953), obra sempre citada quando se fala em filmes de guerra ou sobre a guerra. Nem ficar no romantismo piegas ou no humor momentâneo. Ao contrário, sua posição foi quase de reminiscência, parecendo situar-se até como Geoff (Martin Smith), um dos garotos que, durante a guerra, ganhava trocados comprando batatas fritas para os americanos. Esta visão que se pode até classificar de "contemplativa" é que, justamente, dá a "Yanks" uma grande empatia a quem sabe apreciar um cinema honesto e sem piruetas vanguardistas. Aliás, ao público mais jovem, desacostumado com filmes em que exista personagens normais - o bom mocismo de Matt (Gere, numa atuação superior a "Americano Gigolô"), o pudico comportamento de sua namorada, Jean (Lisa Eichorn), a morte de seu namorado, Kenn (Derek Thompson), a vida familiar do casal Moreton (Rachel Roberts/Tony Melody) - talvez "Yanks" seja um filme quadrado. Mas admirável "quadradismo" que valoriza os sentimentos humanos, enaltece as pessoas e mostra que mesmo no meio de um conflito bélico ainda existe espaço para posições honestas. Ironicamente, certos aspectos paralelos da guerra - as ligações amorosas inesperads, o racionamento de comida, o contrabando, etc. - transporta no tempo, chegam até nós, novamente vivendo dias difíceis e tensos. A ação centrada entre 1942/43 possibilita que Richard Rodney Bennett, um dos compositores-revelações da Inglaterra (remember seu trabalho " Assassinato no Expresso Oriente", 74, de Sidney Lumet), não só tenha criado temas próprios, da maior ternura, como aproveite músicas da época, de swingantes-jazzisticos arranjos para "big bands" (a seqüência do reveillon de 1943 é marcante) a inesquecível "I'llbe seeing you", que na voz de Anne Shelton cobre as imagens derradeiras. A fotografia de Dick Bush aproveitou os cenários pastorais e bucólicos de West Yorkshire e Lacasshire, onde foram feitos os exteriores. Sem cenas de batalha, sem posições maniqueístas, "Yanks" é um filme sobre a guerra como não se fazia há muitos anos. Mas é, antes de tudo, uma obra de sentimentos. No microcosmo dos soldados que passam alguns meses em uma pequena cidade inglesa, reflete-se um panorama dos milhares de americanos que se prepararam para a invasão da França, a 6 de junho de 1944. E da permanência na Inglaterra vieram 70 mil esposas britânicas para os EUA. Já não se fazem mais filmes suaves como antigamente. Mas o quase sexagenário John Schlesinger mostrou que se pode tentar. E até conseguir... A PESAR DO FRIO, o engenheiro- agrônomo José Lutzenberger, hoje o mais badalado ecologista brasileiro, conseguir atrair cerca de 70 espectadores segunda-feira, na "Parceria" no Paiol. Como o cantor Paulo Fortes não permaneceu em Curitiba, foi substituído, na última hora, pelo cartunista mineiro Lor. O ecologista gaúcho repetiu o que vem dizendo há muito: os perigos das devastações, os crimes contra o meio ambiente, os riscos das usinas nucleares etc. Curiosamente, embora o prefeito Jaime Lerner seja um homem promovido nacionalmente como defensor e amigo da ecologia, tema que lhe tem rendendo bons dividendos promocionais, não compareceu à "Parceria". Exausto pelo trabalho na Prefeitura, preferiu assistir a "Os Yanks chegaram", na segunda sessão da noite, no Cine Astor. N EGRINHO DO PASTOREIO, em 3 atos, que o Ballet Morowicz apresentará de hoje a domingo, em sessões às 15h às 18h30min, no grande auditório do Guaíra, representa mais uma contribuição da mais antiga escola de danças o interesse pela arte. Idealizado por Milena Morozowicz, diretora-geral do espetáculo e com coreografias de Agnalda Trinkel Miranda e Maria do Rocio Infante, o espetáculo reúne mais de 180 pessoas entre crianças e adultos. O premiado desenhista Miran criou um filme-de-animação projetado em alguns momentos, o ator Narciso assunção faz a narração e a trilha sonora reúne diferentes temas. A produção - se fosse em termos profissionais/comerciais passaria de Cr$ 1.500.000,00, já que, como sempre, houve preocupação de Milena em obter os melhores resultados artísticos no espetáculo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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08/10/1980

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