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Aramis

A ilha de Hemingway

QUANDO a viúva Mary Hemingway autorizou a edição de "Islands in the Stream", em 1970, transformando, assim, o manuscrito que o velho Ernest havia deixado no fundo de uma de suas gavetas, num novo best-seller (publicado no Brasil em 1971, Editora Nova Fronteira, 386 páginas, capa de Bea Feitler, tradução de Milton Persson, vendido a Cr$ 22.00 na época), não foram poucos os críticos que lamentaram o aparecimento desta obra póstuma do grande romancista americano. Na opinião de respeitáveis estudiosos (e admiradores) de Ernest (Miller) Hemingway (Oak Park, Illinois, 1898 - Sun Valley, Idaho, 1961), faltava a "Ilhas da Corrente" o toque de genialidade, que faz de cada romance de Hemingway uma obra maior. Houve, mesmo, quem afirmasse que certamente foi por autocrítica que Ernest não quis lançar em vida este livro, deixando-o inédito. Mas houve também os que souberam defendê-lo, com palavras de entusiasmo e admiração e, verdade é, todos que se interessam pela literatura americana e, especialmente, pela obra do autor de "Por quem os Sinos Dobram?", não deixaram de adquiri-lo e tomar sua posição. Cinco anos após a edição de "Islands In The Stream", o cineasta Franklin F. Schaffner, 53 anos, 15 de cinema, adquiriu os direitos e o levou ao cinema, num filme que igualmente também teve uma repercussão fria - embora não possa se negar a seriedade e competência com que a adaptação foi feita. O roteirista tomou várias liberdades em relação ao texto original, modificando inclusive parte da ação, no segundo capítulo ("Cuba") e propondo pequenos títulos, como se para dividir em capítulos, a ação: "A Ilha", "Os rapazes", "A Mulher", "A Viagem". O melhor que há em "Islands in the Stream", no livro, foi em nossa opinião mantido: a perfeita colocação do personagem. Thomas Hudson, um artista recluso na ilha do Golfo do México, Bimini, no início dos anos 40, afastado dos 3 filhos e das 2 mulheres, com suas recordações da juventude em Paris, vivendo solitariamente, em companhia de alguns poucos amigos - o negro Joseph e o alcoólatra entre muito consumo alcoólico. A chegada de seus três filhos, possibilita uma das mais belas descrições - a intensa narrativa de uma pescaria em alto mar, que chega a lembrar algumas das melhores passagens da obra-prima de Hemingway, "O Velho e o Mar" (1954). Nestas 50 páginas iniciais de "Islands in the Stream", o romancista mostra toda sua força, colocando, em fortes pinceladas, a solidão do personagem, a distância dos filhos - com os quais, afinal se reencontra. E estas imagens são conservadas, com imensa emoção, por Schaffner na primeira parte de "A Ilha da Solidão" (cine Condor, até sexta-feira, 5 sessões diárias). Os diálogos perfeitos, a ação ajustada e as belas frases principalmente das seqüências narradas pelo envio das cartas, e depois o reencontro com a primeira mulher, constituem momentos belíssimos. O filme, como o livro, pode decair a partir da parte em que a ação substitui a reflexão, a bordo do barco de pesca de Hudson, improvisado em salva-vidas de sobreviventes de um navio que transportava refugiados judeus para Cuba, até o sangrento final. Praticamente foi eliminada no roteiro cinematográfico toda a ação desenrolada em Cuba, onde Hudson se dedica a atividades secretas anti-submarinas durante a II Guerra Mundial, com muitas cenas ambientadas num bar de Havana, desfilando uma galeria de personagens, cada qual mais pitoresco, em dialogo de mestre, com destaque especial para Honest Lil, uma prostituta decadente que é difícil esquecer, e uma atriz de cinema em que Hemingway, com rápidas e certeiras pinceladas, recria a figura de Marlene Dietrich. Hemingway sempre colocou muito de si em cada um de seus romances e por isso adquirem cada vez uma importância maior dentro da literatura americana e, passados 17 anos de sua morte, continuam a aparecer biografias e ensaios críticos tentando melhor situar sua obra. Thomas Hudson - uma criação antológica de George C. Scott - tem muito do Hemingway, inclusive em sua descrição física: barbas brancas, apreciador de boas bebidas, amando o mar e num exílio voluntário, após seus dourados anos Paris da lost generation, conforme a definição da poeta Gertrud Stein (1874-1946). Pela própria força dos personagens e das grandes estórias de Hemingway, raras vezes elas conseguiram chegar com a mesma força no cinema: "Adeus as Armas" ( A Farewell to Arms, 1929), teve duas versões; em 1932, dirigida por Frank Borzage (1893-1961); e 1957, com direção de Charles Vidor, na primeira com Gary Cooper no papel de Frederic Henry, entregue depois a interpretação de Rock Hudson, numa de suas melhores (mas desperdiçadas) chances no cinema. "O Sol Também se Levanta" (the Sun Also Rises, 1926), filmado em 1957, por Henry King, apesar de grandiloqüência teve bons momentos, mas a melhor adaptação foi de "Por quem os Sinos Dobram?", (Whom Who The Bells Tolls, 1940), que o sensível Sam Wood (1883-1949) filmou em 1942, com inesquecíveis atuação de Gary Cooper, Ingrid Bergman e a grega Katina Paxinou. Outra das suas versões cinematográficas da obra de Hemingway, seria aquela de Henry King, em 1952, do conto "As Neves do Lilimanjaro" (The Snows of Kilimanjaro", 1951). "O Velho e o Mar", que lhe valeu o Prêmio Nobel da Literatura, em 1954, teve uma acidentada produção cinematográfica, em 1958, com John Sturges substituindo a Fred Zinneman, que se afastou do filme após ter brigado, a tapa, com o produtor Leland Hayward, da Warner. Outros contos - como "To Have and Have Not" (Ter e não ter ", 1937) e "Os Assassinos" (The Killers", 1943), tiveram várias versões, pois os textos de Hemingway sempre conseguiram fundir a reflexão dos personagens, grande compreensão humana, também as bem urdidas e estruturadas ações - com grandes campos de aventuras, muitos dos quais o próprio Hemingway conheceu e viveu: a Guerra Civil Espanhola, as verdes colinas da África, Paris que era uma festa, a I e II Guerra Mundial. Todo um ensaio poderia ser dedicado as relações Hemingway x Cinema, já que seus contos, novelas e romances continuam a ganharem imagens vivas, como a recente filmagem de um de seus melhores (embora mais introspectivos) romances, "Do outro lado do rio entre as árvores" (Across the River and into the trees, 1950). Filmar Hemingway nunca foi fácil. Talvez King Vidor e Sam Wood tenham sido os que conseguiram melhor entender os seus espaços livres, sua visão do mundo e da liberdade, seu gosto pelas boas comidas e bebidas (que como nenhum outro escritor de nosso século, sempre soube descrever em seus livros), sua paixão peças caçadas e pescarias, sua independência política (foi grande amigo de Fidel Castro) e principalmente a certeza de que sempre teve de que a vida deve ser intensamente curtida, pois "hoje é o primeiro dia do resto de sua vida". Assim, quando sentiu a impossibilidade de continuar a ter uma vida intensa, preferiu o suicídio - durante alguns anos negado oficialmente, para outros confundido até com um assassinato (pela própria CIA, devido suas relações com Castro). Conhecendo-se e admirando-se a obra de Hemingway, mais do que um romancista, um dos maiores jornalistas que o mundo já conheceu (recomenda-se a leitura de seus dois volumes de reportagens, "Tempo de Viver", "Tempo de Morrer", Editora Civilização Brasileira, 1967) é mais fácil entender e (mesmo) apreciar o digno esforço que Franklin F. Schaffner fez em "A Ilha da Solidão". Mesmo frustrado em sua extensão, tem alguns momentos especialmente, a seqüência da pescaria em alto mar que, por certo, o "papa" Hemingway aprovaria. A música de Jerry Goldsmith é forte e o elenco não poderia ser melhor: Scott é um perfeito Thomas Hudson, Claire Bloom tem uma rápida (mas marcante) participação e david Hemmings, como o amigo alcoólatra, tem o melhor desempenho de sua carreira desde que explodiu na tela, 12 anos passados, em "Depois Daquele Beijo" (Blow-Up, 1966, de Michelangelo Antonioni).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
4
16/05/1978

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