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Aramis

Imagens de stars, livros de arte e amigo de Lee, Waldir faz a América

A exemplo de outro "Bicho do Paraná", o músico Airto Guimorvan Moreira, 52 anos, hoje um dos percussionistas mais respeitados do mundo, Waldir Cruz, também viajou para Nova York, há muitos anos, com apenas US$ 100 emprestados e uma passagem aérea adquirida com as maiores dificuldades. Se Airto nasceu em Itaiópolis, SC, mas viveu alguns anos em Guarapuava (antes de Ponta Grossa e Curitiba, daqui seguindo para São Paulo), Waldir é guarapuavano do dia 10 de outubro de 1954. Tanto Airto como Waldir são de famílias humildes: o músico, filho do "seo" José Moreira, barbeiro e dona Zelinda; Waldir, do lavrador Waldomiro e de dona Avanir. Com seus dois irmãos criou-se no interior, trabalhando na lavoura e suas perspectivas eram de ali continuar se, desde a infância, "não sentisse a vontade de fazer algo mais importante". Casado já aos 17 anos, infeliz e angustiado, teve a felicidade de fazer amizade com outro guarapuavano, Luizinho Meister, guitarrista que em 1965 havia acorajado-se a ir morar nos Estados Unidos, também sem maiores recursos. Endividado, com conflitos conjugais - "felizmente ainda não haviam chegado os filhos", teve uma conversa franca com o pai Valdomiro, "que apesar de analfabeto, era um homem inteligente". "Se V. quer viajar, tentar uma nova vida, vá. Só que V. sabe que nada podemos fazer para ajudá-lo". Conseguiu US$ 100 e crédito para uma passagem, e no dia 9 de março de 1978 embarcava para Nova York. Como milhares de outros brasileiros (e estrangeiros de todo o mundo) que buscam o american dream, Waldir Cruz chegou com visto de turista, sem falar uma palavra em inglês e reduzidas qualificações profissionais. Mas tinha aquilo que era importante: garra e disposição de vencer, junto com o dom mais precioso da vida - saúde e juventude. Passou imensas dificuldades e, finalmente, conseguiu um emprego dos mais humildes na Continental Eletric, em New Jersey, onde ficaria 4 anos e se tornaria torneiro mecânico. Ao mesmo tempo que aprendia o mínimo de inglês, sua capacidade de adaptação e simpatia lhe abria novos amigos. Assim conheceu Jeremy Stone, nascido em New Orleans e que, com dificuldade havia se tornado fotógrafo. Waldir interessou-se pelas imagens e num domingo, ele e Jeremy passaram todo o dia no cemitério de Nework, com uma Nikkon FT3, fazendo fotos. Quando o material foi revelado, Jeremy, sentenciou: "Você tem o que é mais importante para um fotógrafo: sensibilidade no olhar". Apenas sensibilidade não adiantava e assim Waldir freqüentou por oito meses o Center For The Media Art, num curso noturno de fotografia. Aprendeu o mínimo para revelar as fotos num laboratório improvisado no sótão de um restaurante chinês, o "Aukai", na Broadway esquina com 57 Street, e no qual os fregueses eram fotografados durante o jantar. Nas saída, recebiam as fotos - copiadas a toque-de-caixa por Waldir, "que ficava num quarto escuro, quase sem respirar, mas ali começando a realizar um sonho". Quando reuniu alguns dólares para voltar ao Brasil, Jeremy lhe deu uma câmara Nikkon, com a qual fez dezenas de fotos em Guarapuava - não só dos familiares, mas da cidade. - Desde então, em todas as vezes que venho, tenho fotografado minha cidade e já disponho hoje de um importante acervo. Numa segunda viagem, já com um pouco mais de dólares, viajou pelo interior de Mato Grosso e fez também boas fotos. Poderia até pensar em tentar a profissionalização no Brasil, mas achava que precisava aprimorar-se mais. xxx De retorno a Nova York, já com maior experiência nas imagens - e especialmente revelação - instalou um mini estúdio na 242 West 14 ST, que mantém até hoje. A oportunidade de passar a fotografar personalidades artísticas - uma de suas paixões - surgiu quando um amigo lhe sugeriu que fosse na estréia da cantora Tina Turner, no Teatro Ritz. Infringindo normas, levou o equipamento, foi agredido por seguranças mas conseguiu fazer três filmes. Depois do show, seu amigo - que conhecia um assistente de Tina - o levou a um restaurante onde a cantora jantava, quando ela ficou curiosa em conhecer o brasileiro que mostrou tanta audácia para fazer fotos. Seu assessor de imprensa, lhe deu uma chance: "leve amanhã ao hotel as imagens que V. fez para a gente ver". Waldir Passou a noite em seu laboratório, revelou mais de 30 fotos e às 7h da manhã estava no hotel que Tina Turner hospedava-se. Esperou horas, "mas compensou". - Ela examinou o material e acabou escolhendo duas, adquirindo-as. Fez mais: autorizou que eu a fotografasse no espetáculo do Madison Square Garden, dentro de algumas semanas, onde somente outro fotógrafo, o americano Bob Gruen, tinha autorização semelhante. Desta vez, trabalhando com tranqüilidade, fez um material ainda de melhor qualidade que o credenciou para trabalhar em shows de nomes importantes - do guitarrista Santana ao veterano Eddie Fischer. Conheceu gente da área e Erin Digman o convidou para fazer stills (fotos de bastidores) de "Lumoos", um dos primeiros filmes em que atuou o ator Jason Patrick, hoje o feliz namorado da atriz Julia Roberts. xxx As portas começavam a se abrir e nesta faixa já daria para viver bem. Entretanto, Waldir ainda sentia vontade de evoluir. Assim procurou um mestre da foto de arte, George Tice, autor de 12 livros temátivos e se ofereceu como assistente, gratuitamente. Tice examinou seu portfólio e aceitou sua proposta. "Hoje somos grandes amigos e a ele devo muito" diz Waldir. Nos três últimos livros que George Tice produziu, o guarapuavano Waldir foi assistente: um nostálgico percurso pelas localidades em que o ator James Dean (1931-1955) viveu em sua infância, especialmente Vermont; a Illinois da infância do ator - e depois presidente da Republica, Ronald Reagan, 80 anos. O último livro foi sobre o Mississipi da vida e estórias de Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens, 1835-1910). "São exemplos de livros-projetos conceituais, cada um desenvolvido, ao longo de muitos meses, com centenas de imagens, para a escolha das mais significativas publicadas em obras luxuosamente impressas. Nos últimos dois anos, Waldir trabalhou nos arquivos deixados por outro mestre da fotografia, Edward Jean Steichen (1879-1973), cuja biografia merece meia página do "Websters American Biographics" e que foi um dos melhores fotógrafos de mitos como Greta Garbo, Rudolph Valentino, Charles Chaplin e John Barrymore. Autor de dezenas de livros, diretor do Museum of Modern Art de New York City, cujo departamento fotográfico organizou em 1947 e, em 1955, com seu cunhado, Carl Sandburg (1878-1976) idealizou e montou uma histórica mostra ("The Family of Man"). De seu precioso arquivo, até hoje ainda a espera de uma classificação e edição completa, Waldir, autorizado pela viúva Julia, trabalhou sobre 49 negativos, editados em lâminas numa edição limitada a 150 exemplares, com valor altíssimo. Pelo seu trabalho, recebeu 3 exemplares avulsos, "dos quais, em parte, fui obrigado a vender, para cobrir despesas com o caro tratamento médico hospitalar de meu pai". Sentindo-se preparado, Waldir lançou há quatro anos o "Portfólio 1", com 10 fotografias, em edição de apenas 40 exemplares (US$ 1.500 cada) a coleção com imagens feitas em vários Estados americanos, paisagens e, especialmente figuras humanas. Seu projeto, é fazer, este ano, um segundo volume, produção destinada a colecionadores. Hoje com melhor situação nos Estados Unidos, Waldir para ali levou sua irmã, Sílvia, 33 anos, trabalhando como decoradora e o irmão Sidney, 30, pintor, ambos procurando firmarem-se em suas carreiras. Namorado da atriz Raye Dowell, uma bela crioula, atriz, ("Mas vivemos em casas separadas), acabou aproximando-se de vários cineastas, especialmente Spike Lee, já que ela é atriz - tendo atuado em "She's Gotta Have it" (86, inédito no Brasil), "Jungle Fever" ("Febre na Selva"), e, atualmente em "Malcolm X", o novo filme do diretor de "Faça a Coisa Certa", ainda em fase de produção.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/07/1992

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