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A infância humilhada no texto de Bernanos

Mesmo sem os recursos que fazem o Goethe Institute ter a maior presença na difusão cultural européia no Brasil (e também em dezenas de outro países), mas longe do acomodamento que marca outras instituições culturais, a Aliança Francesa vem realizando boas promoções. Monsieur Raymond Ravel, um professor de sólida cultura e grande experiência, tem procurado trazer bons filmes, estimular realizações locais e, agora, com a proximidade do 200º aniversário da Revolução Francesa, ampliar o leque de eventos. Nesta segunda-feira, 5 de junho (Auditório da Reitoria, 21 horas, ingressos a NCz$ 5,00) promove uma única apresentação da peça "Um Menino Humilhado", de Ricardo Montserrat, definido como uma dramatização do exílio de Georges Bernanos no Brasil, entre 1939/1945, a partir de seu livro "As Crianças Humilhadas" (Gallimard, 1949). Montserrat, diretor cultural da Aliança Francesa em Belo Horizonte, explica que a peça trata da solidão de Bernanos, "como um diário íntimo de sua época no Brasil". - "No ano em que comemoramos os 200 anos da Revolução Francesa e da Inconfidência Mineira, Bernanos é uma figura de ligação com o meio intelectual e jornalístico dos dois países. Ele é um personagem franco-mineiro que aproxima ainda mais a celebração dos dois eventos". xxx Georges Bernanos (1888-1948) viveu por seis anos no Brasil, fugindo do nazismo na Europa. Viveu em várias cidades (Rio de Janeiro, Juiz de Fora, Vassouras, Pirapora e Belo Horizonte), escreveu para jornais brasileiros, mas daqui enviando colaborações para publicações da França Livre e da Inglaterra - e diversos de seus textos foram divulgados clandestinamente na Europa Ocupada. Dois de seus filhos entraram para as forças da França Livre. Na Primeira Guerra, Bernanos participou no front, recebendo citações e medalhas. Em 1926, publicou seu primeiro romance, "Sob o Sol de Satã" - que há cinco anos foi filmado por Maurice Pilat e mereceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza (recentemente exibido no Cine Bristol; existe cópia em vídeo). Por três vezes recusou a Legião de Honra, a mais importante condecoração francesa (1927, 1938 e 1946). Ficou inválido em 1933, em conseqüência de um acidente automobilístico e a partir do início da guerra civil espanhola, abandonou a ficção para escrever ensaios e artigos contra o nazismo. Sentindo a ameaça alemã, veio para o Brasil em 1938. xxx "Um Menino Humilhado" nasceu das colagens de Ricardo Montserrat - seu autor e diretor - sobre a obra de Bernanos. - "É uma obra mais cinematográfica do que teatral. Não é um diálogo. As cenas acontecem no sentido das imagens". Além de Pilat, outro cineasta francês - Robert Bresson, 82 anos, realizou duas de suas obras inspirado em textos de Bernanos: "Le Journal d'um Curé de Campagne" (1950) e "Mouchette, a Virgem Possuída" (1967). Assim, Montserrat também viu o lado visual de sua obra - até hoje pouco conhecida no Brasil. Montserrat ressalta que Bernanos soube ver no Brasil as qualidades dentro dos aspectos negativos e chamou a atenção para o hábito da esperança, "o que cabe muito bem hoje, tanto quanto na época em que aqui viveu". xxx Fruto de uma longa pesquisa na qual Montserrat visitou os lugares onde viveu Bernanos, buscando documentos e depoimentos, o trabalho fluiu muito pela semelhança entre o Brasil dos anos 40 e o de hoje. O elenco é formado por Jod Boy (como Bernanos), Neusa Rocha, Reinaldo Menezes, José Luís Nunes e mais, em curtas participações, Jean Gardet, Helvécio Ferreira e Margarida Suárez. Cenografia de Paulo Sheid, figurinos de Carlos Schumacher e música de Fréderic Pagés. LEGENDA FOTO - Elenco de "Um Menino Humilhado", peça que o mineiro Ricardo Montserrat criou a partir da obra de Bernanos: segunda-feira, 5, única apresentação no Auditório da Reitoria. (Foto Fernando Rabelo).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
03/06/1989

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