Irreverência e afinamento nas vozes desta "Garganta"
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de dezembro de 1986
Quando apareceu no MPB Shell 81, com seus integrantes em malhas pretas, dançando e cantando numa performance inusitada (mas renovadora para aquele pálido festival), o coral da Cultura Inglesa era o antípoda da instituição que representava: irreverentes, divertidos e com um humor brasileiríssimo na música que ali defenderam ("Cobras e Lagartos", Nestor de Holanda Cavalcanti/Hamilton Vaz Pereira).
Nestes cinco, anos, o grupo teve inúmeras transformações. Ganharam o prêmio de revelação daquele festival, mudaram o nome para Cobra Coral e chegaram a fazer um disco independente. Em 1983, Marcos Leite - que ao lado do maestro Hollanda dirigia o grupo - decidiu transformar o conjunto numa "orquestra de vozes", iniciando proposta de renovar o "cantar brasileiro", com técnica, esmero, mas bom humor.
Assim nascia o Garganta Profunda, que aberto a um repertório que vai de Charles Chaplin ("Smile") aos Beatles, tem entusiasmado todos que o assistem - como aconteceu recentemente no auditório Salvador de Ferrante, quando ali se apresentaram.
Ouvindo-se o lp independente do grupo (Arco e Flexa Produção Artística, avenida Presidente Vargas, 590, sala 2104 - CEP 20074, Rio de Janeiro), a gente se delicia com a harmonia das vozes masculinas e femininas, tão bem ensaiadas e dirigidas por Nestor de Holanda Cavalcanti.
A exemplo do que fazia o ótimo (e tão prematuramente desaparecido) O Céu da Boca, esta "Orquestra de Vozes Garganta Profunda" usa o humor sem exagero - mostrando, ao contrário, um extremo bom gosto nos arranjos.
Ao vivo, naturalmente, suas performances ganham ainda maior força, mas neste bem produzido disco independente já temos um exemplo da competência do grupo e, especialmente de seu regente - autor aliás de "Natal" e "Um Carneirinho Branco", - e diretor musical, Marcos Leite (autor de "Meu Amor me Abandonou").
Os sopranos, contraltos, barítonos e tenores agrupados no Garganta Profunda - da qual inclusive faz parte uma talentosa curitibana, Jucelle Kassou (pianista, flautista, formada em música e bela voz de soprano), dão uma nova vestimenta a um tema extremamente desgastado como "Smile"(Chaplin), revitalizado, é claro, com a letra de Geraldinho Carneiro; emocionam com "Você vai me Seguir" (Chico/Ruy Guerra) e "Alguém Cantando" (Caetano Velloso), mostram inventividade ao fazerem uma inteligente adaptação de trecho da 7ª Sinfonia de Beethoven que se transforma em "Por que Beethoven não Toma Café"), ou na respeitosa "Irerê" que Marcos Leite adaptou do Martelo das Bachianas Brasileiras nº 5 de Villa-Lobos e Manuel Bandeira.
"Hello Goodbye" (Lennon/McCartney) e "Música Suave"(Roberto-Erasmo Carlos) também ganham nova vida nas vozes dos jovens de A Garganta Profunda. Enfim, uma "Orquestra de vozes" das mais interessantes - que sem desprezar o humor, traz música da melhor qualidade um exemplo que os rapazes do Premeditando o Breque e Língua de Trapo deveriam ouvir com atenção.
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