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Aramis

Jazz sem concessões (e muita vanguarda)

A Barclay (ex-Ariola) agiu com a maior inteligência em termos de seus lançamentos de jazz no ano passado: ao lado de um pacote com tesouros de etiquetas especializadas como a Riverside, Prestige, Fantasy e Milestone - com preciosidades registradas pelos mais importantes jazzístas especialmente nos anos 50 - também assumiu a ECM, a prestigiosa etiqueta de Manfred Eicher, da Alemanha Ocidental, que se orgulha de ter o menor - mas o mais selecionado - elenco de Gênios da música contemporânea. Os discos da ECM - da qual, os brasileiros Egberto Gismonti e Nana Vasconcelos são contratados há anos - primam pela qualidade e ousadia. Inicialmente, foram editados no Brasil pela WEA, mas com o desinteresse desta multinacional (que, entretanto, continua na área do jazz, tanto das reedições da MCA/Decca, como do contemporâneo, através da Musician), a Barclay assumiu - em boa hora - o espaço. Como resultado, tivemos, ainda no ano passado, dois extraordinários lançamentos: "The Ballad of the Fallen", com Charlie Haden e Carla Bley - a frente de um time de all stars (o álbum que pela sua importância merecerá registro à parte) e este intrigante/fascinante "Oregon", produto de um dos grupos mais avançados entre tantos vanguardistas contratados de Manfred Eicher. Ralph Towner (Chehalis, Washington, 1º de março de 1940), pianista, guitarrista, compositor, filho de uma pianista/organista de igreja e de um pai pistonista, cresceu em ambiente musical. Aos 3 anos e já improvisava ao piano 3 e aos cinco tocava piano. Estudou teoria e composição na Universidade de Oregon (1958/63), especializou-se em guitarra clássica com Karl Scheit na Academia de Viena e nos anos 60 passou por diferentes estágios: tocou guitarra com o Elizabethan Consort e o Eugene Chamber Ensemble, uniu-se a banda de Larry Corryel e Chuck Mahaffay e depois de passar também pela Mahavishunu Orchestra, de John McLaughin chegou até a trabalhar com Airto Moreira e integrar o Tamba Quatro, numa das últimas formações do conjunto fundado por Luisinho Eça. Anote-se, ainda, experiências com o Jimmy Garrison, o flautista Jeremy Steig (músico de muitas ligações com o Brasil, inclusive casado com uma carioca), Weather Report, Gary Burton entre outros. Formaria com Colin Walcott (baixista) e Glen Moore (piano/baixista), mais Paul McCandless (38 anos, clarinete, oboé) um grupo no qual tentaria fundir desde o free jazz até ritmos e improvisações da música indiana passando pelo barroco inglês. A crítica americana saudou seu trabalho com entusiasmo e, em 1974 era um dos vencedores do "Jazz Poll" da revista "Down Beat". Seu trabalho, espalhado em dezenas de elepês - a maioria inédita no Brasil - exige uma atenção/interação muito grande pelas propostas que traz. É cansativa aos ouvidos menos acostumados - mas fascinantemente bela e profunda quando se consegue penetrar em todo o seu universo. Isto faz com que Oregon, gravado em fevereiro de 1983, com a participação de Paul McCandles, Colin Walcott e Glen Moore seja um dos elepês mais fascinantemente desafiadores entre o que de mais moderno foi editado no Brasil nestes últimos anos. Os temas são percorridos em faixas que variam de menos de dois minutos ("Skyline") até 8:25 ("The Rapids"), nos quais a percussão, o baixo e a guitarra se intercalam, ao lirismo do oboé ou ao tom propositalmente oriental. O Oregon é um disco fascinante mas ao mesmo tempo difícil - recomendável sobretudo a quem curte a música contemporânea. Mais do que jazz, uma proposta sonora deste final de século. xxx Para quem antecipa o som limpo de metais, especialmente do pistão, a brava Imagem, de Jonas Silva, colocou nas lojas um dos melhores discos de Freddie Hubbard: "Hot Horn". Frederick Eewayne Hubbard (Indianápolis, Indiana, 7-4-1938) como tantos jazzístas teve seu começo de carreira com o Jazz Messagers ainda no início dos anos 60. Passou, posteriormente, pelos grupos de Quincy Jones e do clássico Friedrich Gulda antes de começar a liderar seus próprios conjuntos a partir de 1966. Sua produção tem sido irregular: entremeando-se a gravações solos e (muitas) participações em discos de outros instrumentistas, Freddie mudou-se em 1972 para a Califórnia. Este "Hot Horn" - é um trabalho desenvolvido com músicos ainda pouco conhecidos no Brasil - mas excelentes: sax-tenor Júnior o pianista Cedar Watton, o baixista Waune Dockery e o baterista Billy Hayes. Numa faixa absolutamente audaciosa- ocupando todo o lado A do disco - "Interpid Fox" é uma verdadeira jamsession de altíssima voltagem. Aquelas ocasiões em que os músicos se esquecem do resto e mergulham em seus instrumentos de uma forma liberta. Normalmente, as gravadoras temem editar discos com trabalhos avançados, pois mesmo sendo o curtidor de jazz um ouvinte aberto, ele ainda espera as criações standards, especialmente de temas conhecidos. No caso deste registro, sem dúvida Jonas Silva foi audacioso em trazer um encontro de Hubbard com outros músicos de uma intensidade tão grande. No lado dois, a dose se repete: "Yesterday" ocupa 9:42" e, encerrando, "Pensativa" fica em 18:30'- ou seja duas jamsessoins espontâneas e explosivas. Importante que discos como "Oregon" e este "Hot Horn" cheguem ao Brasil. Afinal, o jazz é, acima de tudo, renovação.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
23
03/03/1985

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