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Aramis

John & Elisabeth (na grande cidade)

Para o grande público que há 3 semanas lota as sessões do Astor, o filme oferece cenas de um erotismo quase explícito - uma das razões de seu êxito comercial. Para alguns críticos radicais o filme tem o pecado de ser "bonito demais", dentro daquela estética da fome com que se condena os trabalhos bem acabados, com fotografia esmerada - e que ainda agora, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, prejudicou o belíssimo "Vera", de Sérgio Toledo - com fotografia (maravilhosa) de Rodolfo Sanchez. Mas para quem sabe ver sem preconceitos, "Nove Semanas e meia de Amor" é muito mais do que longo vídeo clip erótico e com imagens bonitas. Um filme admirável sobre a solidão humana, mergulho na sensualidade dos personagens, um olhar profundo nos sentimentos de solitários na multidão. John (Mickey Rourke) e Elisabeth (Kin Bassinger) são, de certa forma, os mesmos John (Dustin Hoffman) & Mary (Mia Farrow) que há 17 anos se encontravam num swingle bar novaiorquino e se envolviam numa paixão avassaladora (remember "John & Mary", 1969, de Peter Yates). Só que se naquele filme havia a abertura para um reencontro, um final feliz, desta vez a separação do casal, no final, parece ser definitiva. John é um yuppie - misterioso executivo de Wall Street, bem sucedido financeiramente, com condições de poder oferecer a suas amantes cachecóis de US$ 300 dólares, correntes de ouro e modelos de Givenchy - em troca da satisfação de fantasias sexuais que sem chegar à loucura de "Império dos Sentidos" também fogem da normalidade tradicional. Elisabeth é funcionária de uma galeria de arte, divorciada, insegura emocionalmente e incapaz de reagir a uma paixão ao primeiro olhar. A tela incendeia-se, naturalmente, do encontro dos dois amantes e numa Nova Iorque admiravelmente fotografada em cores blues (como Sanchez conseguiu em "Vera"), na qual até as vielas mais imundas podem adquirir um clima mágico afrodisíaco e desenrola-se um misto de love story e conto de terror erótico. Um filme-designer, com a contraposição de espaços tradicionais e ambientes mecanicamente claustrofobíacos - como o apartamento de John, com sua frieza informática refletida em vários vídeos, lembrando o ambiente huis clos que Arnaldo Jabor aproveitou, há alguns anos, para um filme com uma temática semelhante - "Eu Te Amo", na qual um dilacerante encontro de amor entre os personagens interpretados por Sônia Braga e Paulo César Pereio também era levado ao clímax do prazer & dor de uma relação nunca completada. Vindo por certo de um aprendizado no cinema publicitário e da linguagem jovem que fez de seu longa de estréia, "Flashdance", um dos grandes sucessos de bilheteria nesta década, Adryan Lyne cria em "9 1/2 Weeks" um filme extremamente denso, belo e ao mesmo tempo jovem. Se há o clima opressivo dos apartamentos de John & Elisabeth - a fotografia também adquire um momento de plasticidade impressionista na curta (mas marcante) sequência em que Elisabeth, a serviço de sua galeria, busca o solitário pintor que irá expor na galeria. Num ponto qualquer da periferia de Nova Iorque, entre gatos & peixes (aliás, presenças simbólicas fortes em outros momentos da narrativa), a figura marcante deste pintor chega ao espectador com uma grande força de emoção - e que se refletirá também ao final. Nada é gratuito apesar de uma visão por vezes onírica e supra-real das imagens. Por exemplo, a escolha do decadente Hotel Chelsea, para a mais cruel das fantasias sexuais de John com Elisabeth, desenvolve-se no mesmo mitológico espaço no qual, há 8 anos, o cantor Sid Vicious, do grupo punk inglês Sex Pistols, assassinou a facadas a sua amante Nancy Spungen, após um longo mergulho no inferno das drogas - episódio que agora retorna no filme "Sid & Nancy - O Amor Mata", segundo longa-metragem de Alex Cox, o maior sucesso de público na recente 10ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e que, dentro de duas semanas, terá exibição na "Midnight Movies", do Bruni Ipanema, numa das mostras paralelas ao III Festival Internacional de Cinema, Televisão e Vídeo do Rio de Janeiro. "Nove Semanas e Meia de Amor" é daqueles filmes-surpresas, como um puzzle a ser montado ao gosto do consumidor/espectador. Assim, pode ter uma leitura em sua extrema sensualidade, dentro de uma visão moderna, liberta e sem preconceitos, como pode ser classificado, de um ponto de vista moralista e hipócrita, como "um lacerante mergulho de almas penadas pelo sexo numa linguagem novelística". É entretanto - em nosso entender - um belo e sensível retrato de seres humanos perdidos na solidão da grande cidade. Nova Iorque, com suas ruas sujas, rostos anônimos, seus guetos, suas luzes de neon, poucas vezes foi tão bem fotografada. um filme-círculo embalado por uma magnífica trilha sonora (à disposição no Brasil, edição EMI-Odeon), que desde um tema lírico central, com toques a la Michel Legrand (será plágio? A conferir, pelos especialistas como o pesquisador Alceu Schwaab) e hits pop, conduz a várias reflexões.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
12/11/1986

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