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Aramis

Jorge e Cordel, o Nordeste vigoroso

Ah! Esses nordestinos são fogo em termos de presença musical. A cada mês tem que se abrir os ouvidos, atentamente, para novos discos de compositores, intérpretes e instrumentistas - conhecidos ou inéditos - que sempre trazem bons momentos sonoros. Dois exemplos são Jorge Mello e Nando Cordel. Jorge Mello está na estrada há muitos anos e até hoje não teve o espaço merecido. Em 1976, na pequena (e hoje extinta) Crazy aparecia com o interessante "Besta Fera", no qual já mostrava idéias curiosas, como o aproveitamento de um poema de Hermes Fontes ("Constelações") e uma inovação de unir xotes com blues em "São Paulo Zero Grau" ou fazer uma marcha-baião ("Conselho De Amigo"). O disco passou despercebido mas, no ano seguinte, Jorge fazia um disco pela WEA ("Cantando"), com novas propostas interessantes, composições próprias com longuíssimas letras. A WEA, entretanto, não estava interessada neste tipo de trabalho e mais uma vez Jorge dançou. Poucos se lembram daquele disco em que estava uma "Embolada" bem-humorada, a longuíssima "Eu Falei Pra Você" ou o maracatu-samba "Canto Bonito". Em 1979, Jorge Mello chegava à Continental, onde em "Coração Rochedo" era dedicado "àqueles que conquistaram a liberdade e principalmente aqueles que continuam buscando por ela". Eram bonitas músicas, participações especiais como da cantora Marlui Miranda e canções para se ouvir atenciosamente - como o "Sentidos" ou "Claridade", esta em parceria com o piauiense Clodo. Passaram-se mais dois anos para que Jorge Mello voltasse a fazer um novo álbum ("Dengo Dengue", Continental, 1981), no qual acrescentava as suas próprias composições, também o "Sia Mariquinha" (Luiz Assunção/Evenor Pontes Medeiros), musicava um poema de Mário de Andrade ("Garoa Do Meu São Paulo") e, coisa rara, mostrava um trabalho em parceria - no caso com outro nordestino criativo, Vicente Barreto ("Morena Manhosa"). Nos últimos anos, Jorge Mello não teve chances de fazer novas gravações, em compensação, integrou-se ao grupo do cearense Belchior, que, como ele, sempre buscou uma linguagem de características muito próprias. Só que Belchior abriu um espaço nacional enquanto Jorge Mello é ainda restrito a quem se interessa mais pela MPB que não aconteceu em termos de sucesso. A amizade e naturais influências de Belchior se faz presente em "Um Trovador Eletrônico", produção independente da Paraíso Discos - etiqueta de Belchior - mas com distribuição da Continental. Por exemplo, as duas parcerias de Belchior-Mello abrem os dois lados do disco: "Canção De Gesta De Um Trovador Eletrônico" (já gravado há 3 anos por Belchior) e "Ploft", nesta com a participação especial do amigo cearense. Letras complexas, difíceis, chegando em "Ploft" há quase um texto enigmático, com frases em espanhol. Todas as canções são puxadas a um cerebralismo nas letras, mesmo quando há uma tentativa de buscar a ironia e o humor - como na parceria com Carlos Pita ("Paraíba, Mas Que Nada"). Jorge Mello exige audição atenta: não é simples ou digestivo à primeira escutada, mas revela uma força e vigor na criação de suas letras. Musicalmente, os arranjos foram distribuídos entre os próprios músicos que o acompanham, mas, em seu caso, a palavra procura ter uma sobrepujança sobre a harmonia. Já Nando Cordel, ao contrário de Jorge Mello, em seu quarto lp ("Folia Brasileira", RCA) é bem mais soft em termos de comunicação: lambada, fricote, o som do trio elétrico, músicas sertanejas e deboche - ritmos diversos dos quatro cantos do Brasil. Não falta folia carnavalesca nem mistura de ritmos como um forrogode: mistura de forró e pagode mostrado na faixa "Se Esta Nega Fosse Minha", com a participação especial de Martinho da Vila. Há também uma guaraniada: "Mel e Aveloz", mistura de toada e guarânia. Pernambucano, autor de sucessos como "Isso Tá Bom Demais" e "De Volta Para O Aconchego" (gravado por Elba Ramalho) que lhe renderam dois discos de ouro, Nando tem uma carreira curiosa: foi descoberto primeiro por um alemão que, em 1976 o levou à Europa com um contrato de um mês que acabou se esticando para oito. Nando se apresentou em vários países e ao voltar decidiu começar por São Paulo. Em 1982 fez seu primeiro lp ("Folha, Rama, Cheiro e Flores", Polygram), ao qual se seguiria "Estrela Aflita" (Ariola, 1983) e, em 1986, "É De Dar Água Na Boca". Agora, com "Folia Brasileira", Nando traz músicas novas, incluindo parcerias com Niccas Drumont ("Se Esta Nega Fosse Minha"), Accyoli Neto ("Chorrô", "Mel e Aveloz") e o acordeonista Dominguinhos ("Experimente Do Meu Beijo"), amigo a quem, em 1985, dedicou "De Volta Para O Aconchego", no qual contava a dor de cotovelo do acordeonista, que se encontrava há 20 dias fora de casa e saudoso da mulher - a bela e sensual cantora Guadalupe. Produção esmerada de Michael Sullivan, com arranjos e regências de Chiquinho do Acordeon (também presente em todas as faixas), "Folia Brasileira" é um disco alegre e comunicativo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
22/03/1987

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