Login do usuário

Aramis

Key e a cultura popular (III)

As pichações dos muros da cidade, os gibis artesanais feitos por adolescentes e as chamadas "correntes da sorte" constituem temas de três dos "Cinco Estudos de Cultura Popular", que Key Imaguire Júnior publicou no final de dezembro. A análise das volantes de sortistas e das frases escritas em cédulas (literatura monetária), comentadas em nossas colunas de quinta e sexta-feira, completam este original trabalho de Key, arquiteto, professor e estudioso das manifestações populares. Em "Puxe Pixe Pôxa...", Key procurou identificar manifestações folclóricas urbanas, que acontecem nas grandes cidades brasileiras. O tema é amplo e cresce nos últimos anos, com a chamada "arte do grafite" - expressão de origem americana (e que inspirou inclusive, em 1977, ao hoje consagrado George "Guerra nas Estrelas" Lucas, no título de seu primeiro filme: "American Graffite"). Paulo Leminski, próspero publicitário e hoje badalado letrista e compositor com músicas gravadas por superstars baianos (Moraes Moreira, Caetano Velloso, etc.), pioneiro da poesia concreta entre nós, foi um dos primeiros curitibanos a valorizar o trabalho dos poetas que, talvez por falta de maior espaço para colocarem seu lirismo (afinal, acabaram-se os suplementos e páginas literárias), passaram a pixar os muros da cidade - fenômeno sociologico que chegou a Curitiba com atraso de alguns anos - mas que produzem bons resultados. Key Imaguire Jr., não se deteve apenas no grafismo poético - assunto, em si, que justifica estudos de maior profundidade, mas fez um ensaio de 19 páginas sobre amostragem coletada em Curitiba, num período de aproximadamente três anos - fins de 1979 até as eleições de novembro de 1982, "quando o emporcalhamento dos muros de nossas cidades por parte dos políticos inviabilizou essas manifestações". Key detalha a forma com que as pixações são feitas - normalmente em spray - e levantando cerca de 500 frases, organizou dez gupos temáticos: antiurbanas e ecológicas (percentagem mínima de protestos contra a destruição da natureza), avisos, músicas (a maioria ligada a morte de John Lennon e aos Beatles), demarcatórias, enigmáticas (34 mensagens pessoais, "uma vez que exigem a posse da chave de um código para seu entendimento"), mensagens pessoais (algumas contendo o nome do destinatário e as piração (50 mensagens), relacionadas ao uso de drogas, 111 das pixações analisadas pelo arquiteto foram classificadas como manifestações poéticas, num sentido amplo - mas sem entrar na referência do graffiti. A parte mais interessante é a que se refere ao "amor e tesão", com 156 inscrições: a problemática erótico-sentimental domina largamento as preocupações dos pichadores. O amor homossexual representa 10% deste grupo, mas o caso mais curioso - e que ainda pode ser observado em muros da cidade - é o que tem a "polaca" (ou "Polaka" com "k") como temática central. Como diz Key, pela clareza de seu desenvolvimento e o interesse das pichações, lembra o famoso caso do arquiteto que espalhou out-doors pela cidade, pedindo a volta de seu amor, a Sarinha, numa estória que acabou sem "happy end". No caso da Polaka, a primeira fase começou no alto da Rua XV, Marechal Deodoro e adjacências com uma série de inscrições bastantes comuns, a partir de outubro de 1980: "Polaka, eu te adoro/Eu te amo Polallaka/Eu te amo Polalka". A segunda fase foi nas Merces, "uma série com raiva, mas sem muita imaginação: evidentemente a Polaka deu um cano e mudou de casa" observou Key, transcrevendo duas frases: "Polaka você é uma hipócrita" (três vezes) e "Uma hipócrita Você, Polaka, sua P...". A terceira fase, de maior interesse, centrada numa esquina da Rua 13 de Maio, mas com ocorrências espalhadas por outros pontos da cidade. Raciocina Imaguire : "Aparentemente, a Polaka mudou novamente de casa, mas deu uma colher de chá suficientemente generosa para estimular o pichador à melhor seqüência de suas inscrições". Entre estas frases, uma fazendo referência a milionária campanha dos out-doors ("Polaka você não é a Sarinha mas pode me sarar") e aos slogans criados na campanha para o governo do Estado: "Polaca ou eu ou um salto no escuro/ou eu ou fica como está". Key, no encerramento de seu ensaio, lembra que embora algumas pichações, tenham caráter predatório - inscrições no Teatro Guaíra ou nas colunas da Universidade são vandalismo puro e simples - é evidente que temos em mão uma forma de expressão artisticamente válida (...) Entendemos a pichação, antes de mais nada, como um ato de exibicionismo, no que este possa ter de positivo, saúdavel e necessário à composição de uma personalidade normal. Não é desprezível o componente aventuroso, a emoção do gesto proibido nas madrugadas desertas, com risco calculado de flagrante e punição. E por fim a necessidade de expressão tradicional, deflagradora do processo criativo em qualquer ser humano". xxx Maior experto em quadrinhos no Paraná, dono de uma das melhores bibliotecas especializadas do País e que generosamente colaborou na implantação da Gibiteca, na galeria Schaffer - unidade da Fucucu que desde a injustiça cometida contra Lula Darcaenchy, entrou em processo de decadência (hoje entregue a pessoas totalmente despreparadas na área, num acinte aos que se interessam seriamente pelo estudo dos quadrinhos), Key Imaguire Jr., dedicou o quarto ensaio de seu livro ao estudos dos gibis artesanais adolescentes. A partir de 13 trabalhos de Edson José Cortiano e um Leonidas Boguszewscki Filho, Imaguire faz apenas uma breve apreciação sobre este universo, que deve desenvolver em trabalhos de maior folego. Finalmente, o último ensaio é sobre as "correntes da sorte", que chegam a milhares de pessoas, com promessas maravilhosas a quem lhes de continuidade e ameaças a quem interromper. Key estudou 12 destas correntes, formulando algumas idéias interessantes a respeito de mais esta forma de expressão da cultura popular. xxx Na última página de "Cinco Ensaios da Cultura Popular", o casal Vilma Slomp/Orlando Azevedo, em forma de poema, apresenta este original pesquisador, ator de um dos livros mais interessantes entre todos os editados em 1963 no Paraná. Uma apresentação que merece transcrição: "Quem é o Key?/ Esta é uma orelha quente, figurinha, rara, tá na cara/ olhos noponicos/ sempre em silêncio/ metódico é o próprio biônico/ jeito de bruxo/ não gosta de luxo/ sorriso de dente torto/ adoro conforto/ figura controvertida e pervertida. Voeyer sexual/ uma colegial e sobre por aí/ casado com a santa Marialba/ Logo será pai/ o Key não é múltiplo/ 37 anos/ Peixes/ Arquiteto com mestrado em História do Brasil/ Professor de teoriade arquitetura Brasileira da UFP/ Dono de excelente gibiteca, biblioteca e discoteca/ De quebra faz restauração/ Escultura/ cinema/ fotografia/ desenha/ e, não por acaso, escreve. Repousa em sua cabeça um mandarim/ Um cacto/ Um jasmim/ Franzino/ Teimoso/ Orgulhoso/ Ao inimigo é o fel/ Meigo/ Delicado/ Gentil Nosso amigo fiel".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
07/01/1984

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br