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Aramis

LARANJA MECÂNICA

UMA questão lógica que aflora frente a próxima estréia nacional (7 de setembro), de "Laranja Mecânica" (em Curitiba, Cine Astor, seis semanas de exibição segundo previsão da Fama Filmes), é esta: até que ponto a violência que o filme de Stanley Kubrick trazia, sete anos passados, pode ser chocante agora ? Afinal, em sete anos a violência em todo o mundo somente cresceu. Não apenas a violência física, mas inclusive a violência psicológica, contra idéias, influindo no comportamento de indivíduos e grupos. A possível alegação que fez com que o filme de Kubrick permanecesse proibido no Brasil desde 1972 - a extrema violência de algumas [seqüências] - hoje já não tem mais sentido. Afinal a violência, na maioria das vezes explorada apenas em seus aspectos destinados a provocar impacto junto ao público, tem sido uma das características do cinema de nossa década. E Kubrick ao levar à tela o romance de Anthony Burges viu a violência de forma crítica, num "approach" inteligente, criativo - que fez o seu filme merecer elogios entusiásticos a partir de sua estréia mundial ocorrida a 20 de dezembro de 1971, em Nova Iorque. Difícil escrever agora, cinco anos após termos assistido uma cópia de "Laranja Mecânica", dublada para o italiano, num cinema romano, ao lado da Fontana De Trive. O impacto das imagens do filme de Kubrick visto naquela ocasião (setembro de 1973) foi muito forte e emocionante, fazendo com que cada [seqüência] permanecesse em nossa retina, como um momento iluminado de uma nova obra deste cineasta nova-iorquino, 50 anos, que começamos a admirar exatamente há 20 anos passados, quando no antigo e saudoso Cine Curitiba - de tantas memórias, ali na Rua Voluntários da Pátria - assistimos [ao] seu segundo longa metragem - e salvo engano, o primeiro a chegar ao Brasil: "A Morte Passou Por Perto" (Killer's Kiss, 1955). Um filme inovador, extremamente criativo, sobre o submundo do boxe, com imagens que já mostravam o realizador vigoroso, que, ao longo de sua obra - reduzida, construída vagarosamente mas com grande coerência - impressionaria cada vez mais, tornando-se, em nosso entender, o mais importante cineasta americano nestes últimos 20 anos. "O Grande Golpe" (The Kiling, 1956), já então com um fator famoso no elenco - Seterling Hayden, chegou ao Brasil em 1959, lançado no Cine Arlequim, numa época em que aquele cinema exibia filmes de qualidade. Quem assistiu a "O Grande Golpe", ao menos na televisão, deve se recordar da trama bem urdida - um ex-presidiário planejado um grande assalto num hipódromo, com [seqüências] de ação e um final irônico, mais ou menos lembrando ao clássico "O Tesouro da Sierra Madre" (1948, de John Houston): o dinheiro espalhando-se ao vento, depois do roubo ter sido bem sucedido. "Glória Feita de Sangue" (Paths of glory, 1958), talvez o mais corajoso filme antimilitarista realizado até hoje, chegou a Curitiba somente em 1960, lançado no Cine Opera - e, no ano passado, finalmente reprisado. "Lolita", 1962, adaptado do best-seller de Vladimir Nabokow, aqui [estreou] em 64, no Cine São João - nunca mais sendo reprisado, o que é lamentável e incompreensível. 1963 foi o ano que Kubrick mostrou ser também um excelente e irônico humorista negro, realizando o antológico "O Dr. Fantástico" - no original com um grande título: "Dr. Strangelove or how I learnead to stop worryng and love the bomb". Do roteiro de Terry Southern, Kubrick construiu uma comédia negra; perfeita em todos [os] aspectos, sobre a loucura e a ameaça de uma guerra nuclear. Esta sátira apocalíptica, estrelada por Peter Sellers em três diferentes personagens, George C. Scott, Sterling hayden, lançada no Cine Lido, também nunca foi reprisada, havendo apenas eventuais apresentações na televisão - mas que não permitem admirar o filme em toda sua grandiosidade. Durante três anos (1965/67), Kubrick trabalhou em seu mais audacioso projeto - 2 "2001', Uma Odisséia no Espaço", em colaboração com Arthur C. Clarck, do que resultou a ficção científica definitiva da história do cinema - só comparável ao recente "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977, Steven Spielberg). A próxima reprise de "2001" (cine Condor, data a ser marcada) permitirá, mais uma vez, apreciar todo o engenho e imaginação de Kubrick. Depois de "2001", Kubrick ganhou do roteirista Terry Southern, o livro "A Ckockwork Orange", do escritor Anthony Uburgess, inglês, hoje radicado em Mônaco. Na época Kubrick pretendia fazer um filme sobre Napoleão Bonaparte mas acabou abandonando o projeto para levar a tela o [estranho] romance de Burguess - um a alegoria sobre a violência numa sociedade em época futura (mas não distante), repleto de símbolos e dados que conferem aos personagens e ambientes da grande atualidade. Em Malcolm McDowell, um jovem ator inglês, Kubrick - na época já radicado na Inglaterra - encontrou o ator ideal e em setembro de 1970 iniciava a rodagem do filme, concluído em março de 1971 - mas que só viria a estrear no final daquele ano. A produção de "Laranja Mecânica", como de "2001" foi cercada de múltiplos lances, que deram o motivo inclusive para um dos mais interessantes capítulos de "The Cinema of Stanley Kubrick", de Norman Kagan (1972), até agora o mais completo estudo sobre a obra de Kulbrick. E os lucros de "Laranja Mecânica", estimularam a Warner Brothers a lhe dar, novamente, amplos recursos e liberdade, para um novo filme, "Barry Lxbon", adaptação da novela de William Makespeace Trackeray - rodado na Irlanda, com extraordinários requintes de produção, uma fotografia magnifica de John Alcott, mas que lançado nos Estados Unidos em 1975, não repetiu o sucesso de "Clockowrk Orange" e ganhou magros Oscars (aliás, Kulbrick, ao lado de Chaplin e Orson Welles, é um dos gênios do cinema que até hoje não receberam o Oscar de melhor diretor). No ano passado, chegou ao Brasil "Barry Lyndon", que mereceu entrar na lista dos melhores lançamentos do ano. Agora, finalmente, "Laranja Mecânica chega para apreciação dos brasileiros. Sete anos depois de sua realização, talvez envelhecido para alguns válido para outros. Mas fundamental que chegue - assim como tantos outros filmes ("Novecento", de Bertolucci; "Ecqus", de Sidney Lumet), que ameaçavam ficar interditados devido ao obscurantismo da Censura - finalmente agora liberados. Fala-se que Pelé, uma espécie de relações-públicas do grupo Warner, foi o responsável pela liberação de "Laranja Mecânica" no Brasil. Se verdade é, com isso o empresário Edson Arantes do Nascimento recupera-se de muitas asneiras que andou recentemente, inclusive a de que o brasileiro não está preparado para votar.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Cinema
5
01/09/1978

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