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Aramis

Leite quente ao som de canários. Que saudade!

Folhear as páginas do "Dezenove de Dezembro" é uma delícia. Em seus diferentes títulos - "Parte Official", "Publicação Perdida", "Repartição de Polícia", "Annuncios", na informação do "Theatro" (pelo qual se observa a vida artística que já existia há 130 anos em Curitiba) encontram-se textos deliciosos, informações saborosas e curiosas. Debruçando-se sobre este quinto volume da série fac-similada, que a Imprensa Oficial lança, fica-se horas numa volta ao tempo, tal como na máquina mágica imaginada por H. G. Wells retornando-se aquela cidade de pouco mais de 300 casas, com sua placidez e tranquilidade. Paranaense da Lapa, 64 anos, advogado da turma de 1949 da Universidade Federal do Paraná, único do clã Braga/Lacerda a ter aderido, há muitos anos, as hostes peemedebistas (tanto é que foi suplente de Richa ao Senado, em 1968), Francisco Brito de Lacerda não é apenas um advogado bem sucedido. Sempre gostou de escrever e, em crônicas, contos e memórias já tem três livros publicados ("Espada de Mentira", 1980; "Alçapão das Almas" e "O Cerco da Lapa - do começo ao fim", ambos de 1985) e mais dois no prelo ("Anjo Cansado" e "A Grande Farra"). Assim, Chico Lacerda não iria deixar de dar o toque pessoal na introdução do quinto volume de "Dezenove de Dezembro", o que faz com um texto delicioso, que merece transcrição. xxx "Editava-se semanalmente "O Dezenove de Dezembro", no começo aos sábados, depois às quartas, a 160 réis o número avulso. Os anúncios, reservada a primeira página para o editorial e atos oficiais, custavam um tostão por linha. Paga adiantado, a assinatura anual se obtinha por 8 mil-réis, preço módico numa época em que o secretário da província percebia 1 conto e 500 por ano. Tudo o que acontecia no Paraná o jornalzinho registra. Numa época em que a linguagem era rebuscada, principalmente em se tratando de avisos fúnebres, dos quais não escapavam as palavras infausto, doloroso e inesquecível, chama a atenção o anúncio de uma viúva, primor de simplicidade e sabedoria, publicado num dos números do ano III. "Dona Escolástica Angélica Bernardina Franco, tendo de mandar dizer uma missa pela alma de seu finado marido, o ajudante João Gonçalves Franco, no dia 20 do corrente, aniversário de seu falecimento, convida todos os parentes e amigos para assistirem a esse ato, que deve ter lugar na Igreja da Ordem de São Francisco, pelas 11 da manhã do dito dia". Mulher enxuta, pelo jeito não muito saudosa do finado, dona Escolástica ousou até dispensar o lugar comum representado pelas palavras ato de fé cristã. Não se pense que à pequena Curitiba faltasse poesia. Nada disso. As notícias ásperas, que tratam de escravos fugitivos e oferecem negrinhas para vender, constituem casos isolados. O lado bom da vida também aparece no DEZENOVE. Na rua Direita ou rua dos Alemães, pertinho do Teatro de Curitiba, segundo se vê de um anúncio que saiu em 1856, vendia-se leite a 200 réis o quartilho, "podendo as pessoas que o apreciam quente tomá-lo ao pé da vaca, entre 7 e 8 da manhã, encontrando rede para descansar e canários do reino para ouvir cantar". Que beleza de vida! Só ficou faltando limpar, com a manga da camisa, o bigode branco que o leite deixou..."
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
13/03/1987

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