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Aramis

Lelouch, a ternura que faz o cinema reencontrar as imagens

Claude Lelouch sempre teve os olhos colocados no futuro. Em um de seus mais autobiográficos filmes "Toda uma Vida" (Toute une vie, 1972), uma história que se alongava por várias gerações - como, 10 anos depois, repetiria em "Retratos da Vida" (um dos filmes de maior bilheteria no Brasil nos últimos 5 anos), a história começava no início do século e propunha, ao final, uma continuação até o ano 2.000. Portanto, da útlima coisa que Lelouch iria falar seria sobre a morte do cinema. Ao contrário, para este francês que há 20 anos é um dos golden boys da cinematografia européia, tão intenso em suas realizações como polêmico na recepção junto a crítica, o cinema hoje está mais vivo, dinâmico e criativo do que nunca. - Existe de um lado quem faz o cinema, com criatividade. De outro, um público, uma clientela em potencial. Sempre. A questão está apenas em organizar as coisas, administrar. Falando num francês claro, em cuja tradução até o presidente da Warner Bros, no Brasil, o atenciosíssimo Alberto Salem, ajuda, Claude Lelouch fala entusiasticamente sobre aquilo que faz há 30 anos: cinema. E fala com entusiasmo, amor... - O que vemos é uma mudança no comportamento do público e na própria tecnologia. Ainda recentemente, no Japão, fiquei impressionado com uma tela 40x40 metros, capaz de ter projeções perfeitas para um público de até 100 mil pessoas. E o incrível é que uma pequena câmara, me focalizando, reprojetava imediatamente a minha imagem nesta tela imensa. Lelouch invoca, como se houvesse dúvidas de suas palavras, o testemunho de Arlete Geldon, uma bela francesa, sua assistente há muitos anos - e que, juntamente com a atriz Marie Sophie Pochat, 22 anos, sua atual namorada - atriz lançada em "Ir/Retornar" (em cartaz em São Paulo); o acompanhou, na semana passada, em sua viagem pelo Brasil. O cinema da reconciliação Lelouch chegou ao Rio de Janeiro há uma semana, após ter ido a Buenos Aires para o lançamento de "Um Homem, Uma Mulher: 20 anos depois". Viajou via Foz do Iguaçu, onde chegou dia 13, o seu número de sorte. Tanto é que a sua produtora chama-se "13 Produciones Artistiques" e ao longo de sua vida tem muitas estórias para comprovar que, no seu caso, o 13 é o inverso do que diz a crendice popular. Uma aparência jovial - não lembrando jamais que está aos 49 anos de idade, trajes esportíssimos - jeans, tênis branco, camisa branca, Lelouch parece até um galã de seus filmes. Na suíte do Rio Palace Hotel, dentro de uma maratona de dezenas de entrevistas com jornalistas e críticos da imprensa nacional, em horários previamente marcados pela organizadíssima Elza Veiga, gerente de imprensa da S.D.F. (Warner/Colúmbia no Brasil), Lelouch falou durante três horas sobre "Um homem, uma mulher: 20 anos depois" (lançamento nacional no Brasil em outubro, em data ainda a ser marcada), a respeito de seu cinema - 29 filmes em 30 anos, sua visão do amor, política, dos homens e das mulheres. Ricardo Gomes Leite, 42 anos, cineasta ("Tostão, a Festa do Ouro", 1969 - filme por sinal distribuído na Europa pela empresa de Lelouch), hoje editor de cinema do "Estado de Minas Gerais", em um francês fluente, faz a primeira pergunta a Lelouch: o sentido amplo, panorâmico das histórias que aborda em seus filmes, com múltiplos personagens e sub-histórias que se integram ao longo da projeção. Lelouch responde de uma forma prática: - Eu estou aqui, no Rio de Janeiro, com dez pessoas - diz, apontando aos jornalistas e outras pessoas que se encontram na sala. Se fosse filmar algo sobre Lelouch no Rio, talvez o mais interessante fosse também falar de cada um de vocês, quem são e como aqui chegaram... No exemplo objetivo, Lelouch quer demonstrar a sua visão do roteirista-cineasta-fotógrafo- produtor (funções que acumula em suas realizações) que antes de tudo gosta de contar estórias de pessoas. Estórias que falam de encontros e desencontros, ir e vir, passado, presente e futuro. Como em "Toda uma Vida", "Les uns et les autres", "Vive la Vie"(1984) e "Partir, Revenir"(1985), seus penúltimos filmes, só agora lançados no Brasil. "Um homem, uma mulher", seu primeiro e maior êxito - Palma de Ouro em Cannes, Oscar de melhor filme estrangeiro, (num ano em que concorriam também "A Batalha de Argel" e "Amores de uma loira"), Oscar de melhor roteiro e que valeu a Anouk Aimée a indicação ao Oscar de melhor atriz (perdeu para Elisabeth Taylor, por "Quem tem medo de Virgínia Woolf?") é um ponto referencial, indispensável, na entrevista. Afinal, agora ele retomou os dois personagens centrais, 20 anos depois, num filme de emoção intensa - aplaudido no último festival de Cannes, em abril, e que está sendo lançado simultaneamente nos Estados Unidos, Argentina e Brasil. - É um filme muito pessoal, íntimo. Eu senti que precisava voltar a falar daqueles dois personagens que tinham transmitido toda uma imensa carga de emoção em 1966. Nós todos envelhecemos e eles também envelheceram. Como seria o reencontro deles, duas décadas depois? Por isto eu fiz este filme, possivelmente o mais intimista e pessoal de todas minhas obras cinematográficas. As explicações de Lelouch alongam-se em detalhes e interpretações dos personagens, de sua história - que antecipada a visão do filme (que demorará algumas semanas para chegar as nossas telas) perdem um pouco a razão de aqui serem transcritas. Mas, ao longo de sua exposição, sente-se o profundo sentido do romantismo e reconciliação que marca tremendamente sua obras. - É difícil ser romântico nos dias de hoje. O desemprego, o feminismo e a própria violência fazem com que as pessoas esqueçam o romantismo. Mas Lelouch é romântico. A prova está na emoção que marca "Um homem, uma mulher: 20 anos depois", frente ao qual as lágrimas surgem naturalmente. Um filme de encontros e desencontros, caminhos cruzados e com um happy end, naturalmente. Tudo realizado com aquela maestria de mestre das imagens que sempre marcou seus filmes - desde os primeiros curta-metragens, sobre corridas de automóveis (Les Mans, Tour de France), a visão da guerra do Vietnã - no documentário "Loin du Vietnan" (1968) ou na ficção de "Viver por Viver"(1967, com Yves Montand e Annie Girardot), em dramas como "A Vida, o Amor e a Morte"(1969) e , sobretudo em comédias deliciosas como "O Homem que eu Amo", "Um Homem como poucos", "Smic, Smac, Smoc", "A Aventura é uma Aventura." As palavras e as imagens Basicamente visual, preocupado sempre em fazer um filme esteticamente irrepreensível, Lelouch sempre encontrou a má vontade da crítica, que, com poucas exceções, nunca louvou seus filmes. Ele reconhece esta dificuldade de entendimento e, respondendo uma questão de Goida (Iron Goidanisch), - crítico da "Zero Hora", de Porto Alegre, diz que "é necessário quase fazer uma petit histoire du cinema, para entender melhor as dificuldades do cinema nas relações imagens e texto. Começa lembrando que desde sua invenção, em 1895 até 1929 - quando o cinema aprendeu a falar com "O Cantor de Jazz", os intelectuais abominavam o cinema. Mas a partir da palavra, as relações do cinema e literatura - em texto, diálogos - fizeram com que o cinema passasse a interessar os intelectuais e, em conseqüência, a crítica se voltou aos cinemas em que a palavra sobrepunha-se, muitas vezes, ao visual, a imagem. - Se eu tivesse começado a fazer cinema no início do século, possivelmente seria melhor entendido... Brinca, a propósito de sua jamais negada preocupação de valorizar as imagens. Voltado a um cinema extremamente visual, esteticamente belo, Lelouch preocupa-se em reduzir o mínimo possível os discursos do personagem. Lembra que em "Retratos da Vida", com quase 3 horas de projeção, há apenas 30 minutos de diálogos. Sua visão de cinema é, antes de tudo, de um trabalho profundo. Não há milagre que substitua o esforço, o empenho. Considera-se uma pessoa de sorte - mas esta sorte não é gratuita - vem em decorrência de seu trabalho. Por isto, escolheu como epígrafe de "Um homem, uma mulher: 20 anos depois", uma frase de um famoso crítico francês, Pascal Jardim, falecido há 6 anos: - O filme não tem autor. Tem, isto sim, muito trabalho e alguns milagres. Para Lelouch, o melhor filme que já viu foi "Quando Voam as Cegonhas", do russo Mikahil Kalazazov. - Foi a primeira vez que vi o cinema com toda a potencialidade das imagens. No terreno das influências e admirações, lembra, com destaque, um cineasta francês, tão importante quanto desconhecido (no Brasil). Alexandre Astruc, 61 anos, jornalista, crítico, que criou a fórmula câmera-stylo (câmara-caneta), considerada como percursora da Nouvelle Vague. A próposito da Nouvelle Vague - movimento de renovação do cinema, que nunca o absorveu, Lelouch destaca sua importância revolucionária em termos de uma proposta da revolução entre a imagem e literatura. Cita com admiração, François Truffaut, mas lembra que Godard nunca saiu do discursismo, "apesar de ser importante para os cineastas". Mas a maior admiração é por Alain Resnais - "que soube sempre valorizar as imagens, em relação a literatura. " Charles Chaplin e Jacques Tati também merecem longos elogios, "pela força de seus filmes, pela importância que deram ao riso e a lágrima". O cinema é dinâmico para Lelouch. Fala, com entusiasmo, das novas tecnologias, lembra o exemplo das supertelas de tv e cinema que viu no Japão e sobre a simultaneidade que o sistema de transmissão via satélite permite, faz um exercício de futurismo ao admitir que, o caminho para o cinema, será de imensas salas, para grandes eventos - obrigando os exibidores a fundirem-se em grandes espaços. Ou, mais ainda, chegará o dia em que haverá apenas uma cópia possível de ser projetada, via satélite, simultaneamente, para todo o mundo. Lelouch é como seus filmes: brilhante, iluminado, entre o romantismo e a renovação. Não pára de trabalhar - e isto explica uma produção tão imensa, com filmes importantes, muitas superproduções nestes últimos anos. Tem projetos para voltar ao Brasil - país que visita pela terceira vez - para aqui rodar um filme que já havia imaginado há 20 anos passados.. O jornalista Amilton Almeida, - de Vitória, lhe fala a respeito da beleza do Litoral capixaba. Lelouch se entusiama e diz que, em abril de 1987, incluirá uma passagem por aquele Estado - ele que já conhece a região Oeste e, agora, encantou-se com Foz do Iguaçu - ali retomando o projeto de um filme sobre o Brasil (conforme registramos na coluna "Tablóide", de sexta-feira). Antes porém, há um projeto já definido, a ser iniciado em outubro em Paris. Para ele, que antes responde a pergunta de qual o filme favorito entre os que realizou ("aquele que ainda não fiz"), uma nova produção, já com dois artistas escolhidos - o jovem Jan Yanane e a bela Marie Sophie Pochat, a etérea e suave musa que está ao seu lado, o aguarda em Paris. - O filme se chamará "Os Novos Bandidos"... E quem são os novos bandidos, pergunto. - Os drogados, os desempregados, os intelectuais...O resto você verá na tela. LEGENDA FOTO 1 - Trintignant, Anouk Aimée e Claude Lelouch em Deuaville, num intervalo das filmagens de "Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois" LEGENDA FOTO 2 - Imagens do passado e do presente em um filme belíssimo, com estréia prevista para outubro: "Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois". O tempo, os sentimentos e o amor na ótica de Lelouch, um poeta das imagens. LEGENDA FOTO 3 - Anouk Aimée, 52 anos e Jean Louis Trintignant, 56, juntos novamente em "Um homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois". LEGENDA FOTO 4 - Uma nova e bela atriz, atual namorada de Lelouch - Marie Sophie Pochat - em "Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois" - ao lado de Trintignant.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
7
21/09/1986

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