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Aramis

Lembranças do sambista

Terça-feira, 2 de maio, Ataulfo Alves (de Souza) completaria 80 anos. Morreu há 20 - exatamente no dia 20 de abril de 1969. Como a produtora Aretuza Garibaldi, da Sigla/Som Livre, conseguiu aprontar a tempo o álbum "Leve meu sonho...", no qual diferentes intérpretes gravaram as músicas mais conhecidas do compositor mineiro (de Miraí, na zona da Mata), a efeméride está sendo devidamente registrada. Na semana passada, por motivo dos 20 anos de sua morte, já escrevemos a respeito - e hoje completamos a homenagem. Afinal, uma efeméride de um compositor da dimensão do autor de "Amélia", não pode ficar sem um registro maior. A última vez que Ataulfo Alves esteve em Curitiba foi no verão de 1964. Na época Paulo Wendt (1915-1966) era o rei da noite - como escrevia o cronista Mauro (Enock de Lima Pereira) na coluna "A Grande Noite" da Tribuna do Paraná - substituto de Reinaldo Egas (Renato Muniz Ribas), criador de "Ecos da Noite" - e na boite Marrocos aconteciam grandes shows. Para uma temporada especial, Wendt contratou Ataulfo Alves e suas pastoras. Alegre, simpaticíssimo, Ataulfo Alves enturmou-se com os boêmios curitibanos e após os shows na Marrocos - um reduto de belíssimas mulheres (que o astuto Wendt sabia buscar até no Exterior) e freqüentado por muitos nomes colunáveis - as esticadas eram intensas. Lembro-me que eu e o inesquecível Mauri Furtado (1939-1964), repórteres da Última Hora (cuja sucursal curitibana seria fechada três meses depois com o golpe de 1º de abril), fomos procurar Ataulfo Alves para uma entrevista. Ele estava hospedado no Hotel Plaza, na Avenida Luiz Xavier e nos recebeu cordialmente. Era meio dia e só fez uma imposição: - Eu não sei falar dentro de um hotel. Vamos procurar algum bar! Há poucos passos, na primeira quadra da Ébano Pereira, havia o Bar Jockey e ali, sentados numa mesa e ao longo de muitas caipirinhas, o papo fluiu tranqüilo como um riacho - com Mauri, que era um profundo conhecedor de música brasileira (lamentavelmente, viria a morrer afogado, em 8 de dezembro daquele mesmo fatídico ano), fazendo perguntas que estimulavam a Ataulfo contar deliciosas estórias. Mauri escreveu uma belíssima reportagem para a Última Hora, e eu fiz um texto para a revista Panorama, que tinha o Samuel Guimarães da Costa como editor. 13 anos depois, visitando uma biblioteca de assuntos latino-americanos que existe ao lado do muro de Berlim, tive uma das maiores alegrias profissionais: aquela modesta reportagem ("Ataulfo sem pastoras"), estava devidamente classificada numa pasta na seção de "cultura brasileira". A alegria maior foi a informação que a bibliotecária deu: a mesma já havia sido consultada pelo menos uma dezena de vezes por alemães interessados em conhecer a nossa MPB. xxx Naquela temporada, numa noite na Marrocos, uma roda de admiradores de Ataulfo, ouvia suas histórias de samba e sambistas. Quando um dos mais jovens ameaçou retirar-se, Ataulfo perguntou: - Mas v. já vai? É cedo ainda! - São 4 horas e eu tenho que trabalhar cedo. A boemia me faz optar entre a madrugada e a perda do emprego - respondeu. Ataulfo silenciou: - Meu filho, não tenha dúvidas. Entre a boemia e o trabalho, sacrifique o trabalho... xxx Ainda na mesma temporada de Ataulfo: um deputado estadual fez um jantar em homenagem ao sambista e suas pastoras. O advogado Osíres de Brito, assessor parlamentar, encontrou seu amigo Nireu Teixeira - na época um feliz e boêmio jornalista, hoje o atribulado secretário do prefeito Jaime Lerner (que assessora pela terceira vez), e praticamente o intimidou a ir no jantar. Nireu tentou desculpar-se: - Mas eu não fui convidado... - ao que Osíres argumentou. - Para conhecer Ataulfo não precisa convite. Além do mais, na hora em que o pessoal começar a cantar, só você é quem sabe as segundas partes dos sambas. Realmente, com sua afinada voz (ao menos na época), Nireu era não só um excelente executante de caixinha de fósforos, como sabia as letras completas das músicas dos grandes do samba. Osíres comentava: - Primeira parte e refrão todos conhecem. Mas a segunda, é só você.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
29/04/1989

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