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Aramis

As lembranças do velho Paquito

Em 19 de maio de 1989, duas pesquisadoras do Museu da Imagem e do Som-Paraná - Ana Cristina Pereira e Cláudia Becker, com assessoria de Zito Cavalcanti, entrevistaram o exibidor Francisco Morilha, para o acervo da instituição. Desta entrevista, alguns trechos mais interessantes, transcritos e adaptados. MIS - Sr. Paquito, onde o sr. Nasceu? Paquito - Eu nasci em Málaga, na Espanha, em dezembro de 1902. Em 1910 minha família - eu e minha irmã Encarnacion e meus pais - viemos para o Brasil. Meus outros irmãos nasceram aqui. MIS - E no cinema, quando começou? Paquito - Foi no Cine Bijou, lá por 1914 ou 15 - não tenho certeza. Depois o cinema mudou de nome: ficou Floriano. Aliás, os cinemas mudavam muito de nome naquela época. Mudava de dono, mudava de nome. Trabalhei com a empresa R. Muzillo - que foi a primeira arrendatária do Cine Theatro Avenida, depois com o Mattos Azeredo e o Mehry. O Mattos Azeredo era muito meu amigo. Mas antes do Avenida, estive nos Cines Central e Floriano. MIS - Como era a cinelândia curitibana daquela época? Paquito - Curitiba era a melhor cidade do mundo. Não existia essa correria de nossos dias. Vinham aquelas carroças de Santa Felicidade, entregando verdura em casa. O peixeirinho trazia os camarões a domicílio. A vida mudou. Mudou para pior. MIS - Lembra-se quando foi ao cinema pela primeira vez? Paquito - Meu pai tinha um negócio vizinho ao Cine Bijou. Ali, de calças curtas, comecei a freqüentar a sala de projeção. Aprendi sozinho a operar a máquina, e o cinema antigo era na munheca. Não tinha esse negócio de mudança automática, como veio depois. Era o tempo do cinema mudo. Filmes em duas bobinas. A gente punha o rolo no projetor e o filme, desenrolado, ia caindo no chão porque não existia enroladeira. Depois é que a gente enrolava. Era um rolo danado... MIS - E os ídolos da tela? Paquito - Ah! Eram tantos. Lembro-me da inesquecível Joan Crawford, da Greta Garbo. Mas havia também Rodolfo Valentino e o Douglas Fairbanks. MIS - E havia muito luxo nos cinemas? Paquito - Não. O primeiro cinema realmente luxuoso foi o Avenida, inaugurado em maio de 1929, no "Palácio" construído pelo Felix Mehry. Até então, os cinemas eram simples, improvisados, com cadeira de polaco. O América, por exemplo, foi durante anos um barracão - que o Groff (João Baptista) transformou de um ring de patinação. Mas ele veio depois do Avenida. Realmente, o Avenida foi o primeiro cinema luxuoso de Curitiba. MIS - Qual foi o primeiro filmes que o sr. Projetou? Paquito - Não lembro. Eram tantos filmes. Antes da projeção para o público, havia a exibição para os músicos que acompanhavam. Era a época do cinema mudo. Não havia só pianistas. Havia também orquestras ou conjuntos - como violino, flauta e piano. MIS - E além do cinema, o que o entusiasmava? Paquito - O futebol. Eu joguei no Britânia por 12 anos. Era um grande time. Foi campeão por 6 anos a fio. No Coritiba eu joguei como amador. MIS - E quais os filmes que mais o marcaram? Paquito - Vários. Mas "E o Vento Levou" especialmente. Em 1940, estava exibindo-o no Avenida, quando houve um acidente: a fita enguiçou e começou a incendiar. Se eu não tivesse pegado com a mão o cinema incendiaria. Veja (mostrando os sinais na mão esquerda) como tenho as marcas: a minha mão ficou aleijada. Tive uma queimadura de terceiro grau. MIS - Ainda bem que o vento não levou sua mão! (Risos). Paquito - Não... mas quase. MIS - E o público se trajava elegantemente nos cinemas? Paquito - Ah! As mulheres usavam chapéus. Eram tão enchapeladas que atrapalhavam a visão dos que sentavam atrás. E usavam perfume francês. Tanto perfume que eu tive a idéia de usar ventiladores para espalhar por todo o cinema os perfumes das elegantes curitibanas que não dispensavam as sessões do Cine Avenida. E na ampla sala de espera era também um desfile de belas mulheres - senhoras, jovens donzelas e circunspectos cavalheiros. Tudo muito respeitoso. MIS - E a censura? Paquito - Na época havia rigor nos filmes proibidos. E como as crianças não podiam entrar à noite eu introduzi, quando gerenciei o Cine Avenida, as matinadas dominicais às 10 horas da manhã. Foi um sucesso: as filas dobravam a esquina. MIS - E o Cine Curitiba? Paquito - O "Curitiba" tem muitas estórias. Antes de ser cinema era um ring de patinação. O Muzillo foi quem o transformou num cinema. Antes da guerra ele só exibia filmes alemães, distribuídos pela UFA. Mas na época o cinema se chamava República. Foi o nome dado pelo Muzillo. Só quando meu irmão, o Antoninho, passou a explorá-lo é que ele ficou com o nome de "Curitiba". MIS - E as promoções do cinema? Paquito - A gente fazia muita coisa. No dia 7 de setembro, por exemplo, a decoração era com bandeira nacional. Depois havia o mercado de gibis, aos sábados e domingos, defronte o cinema. Durante anos eram exibidos de 2 a 3 longa-metragens, 3 traillers, cine-jornais - uma programação que começava às 14 horas e só terminava às 19 horas. E a sessão da noite, muitas vezes, passava da meia noite. MIS - E os espectadores? Havia muita gente conhecida? Paquito - Sim. Muita gente conhecida passou pelo Cine República. Depois, nos últimos anos, a programação ficou mais popular. Bang-bang e filmes de ação. Mas sempre havia espectadores. Entre os freqüentadores do República estavam o Guilherme e o Ney Braga, que são meus amigos até hoje. MIS - E o cinema falado? Paquito - Foi uma briga pela novidade. O Avenida trouxe "A Divina Dama". E o Henrique Oliva só passou depois "O Cantor de Jazz" que, tinha sido o primeiro a ser produzido neste sistema. Chegou atrasado em Curitiba. MIS - E o "Palácio", como era? Paquito - Depois do Mattos Azeredo, quem o explorava era o Henrique Oliva. Mas ainda não era um cinema luxuoso. Luxuoso era o Avenida, que tinha até poltronas de veludo vermelho. MIS - E o vitafone? Paquito - Foi um sistema que antecipou o cinema falado gravado na fita. Eram discos que tinham que ser tocados durante a projeção. Tudo muito complicado. Se cortasse uma seqüência, não dava sincronia. Não poderia dar certo. MIS - E quais as saudades daquele tempo? Paquito - Todas. Era uma outra época. Linda. Tanto é que preferi guardar a recordação e nem mais freqüentar sessões depois que o Cine Curitiba fechou suas portas. LEGENDA FOTO - Paquito Morilha: 75 anos de cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
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11/03/1990

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