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Aramis

Leminski é Oswald de Andrade no filme inacabado de Anísio

Tomada 1 - Paulo Leminski com uma maleta 007 caminha em direção às ruínas de São Francisco. Uma manhã de sol. Muita luminosidade. Tomada 2 - Um grupo de mendigos cerca o poeta. Que, na verdade, não é Paulo Leminski, mas sim o personagem Oswald de Andrade (que não só declama poemas, como atira-os, escritos, sobre o inusitado público). Corte para um imagem de quadrinhos. Cinema de animação dando forma visual a poemas concretistas de Leminski. xxx Ficção? Documentário? Piração? Não. Este filme pode existir e até inaugurar um novo gênero: o curta kai-kai, como dizia o próprio Leminski. Pouquíssimas pessoas sabiam que em dezembro de 1985, Leminski participou das filmagens que duraram apenas uma manhã no Alto da São Francisco, ao lado das ruínas. Ali, com uma câmera de 35mm, Pedro Anísio - que o admirava e começava a se tornar seu amigo, fez seqüências para um curta que teria o título de "A Destruição dos Brinquedos" e seria uma criação misturando uma homenagem a Oswald de Andrade, poesia concreta e cinema de animação. Felizmente, as seqüências que Paulo deveria aparecer foram filmadas. Mas o filme nunca aconteceu. Algum tempo depois, Pedro Anísio, o realizador, retornaria a Brasília e os negativos estão até hoje depositados em seu arquivo, a espera de condições de serem montados e transformados num curta-metragem experimental - que agora, com a morte de Leminski, adquire sentido histórico. xxx Quem é Pedro Anísio e como aconteceu estas filmagens - até hoje praticamente em segredo e que nem mesmo as ex-esposas do poeta - a Alice Ruiz e a cineasta Berenice Mendes, se referiram quando a professora Cassiana Licia Lacerda Carolo as procurou em busca de todo material possível para a montagem do projeto Perhaps Leminski, que movimentou a cidade em agosto, quando Leminski faria 46 anos. Paraense de Belém, 32 anos, Pedro Anísio foi morar em Brasília em 1972, onde estudou comunicação, mas acabou formando-se em Sociologia. Cinéfilo que decidiu se tornar cineasta, criou uma produtora - a Pedra - em sociedade com Marcelo Coutinho (hoje fotógrafo, tendo feito as imagens de "Romance", de Sérgio Bianchini) e João Facó (filho do escritor e deputado Ruy Facó, autor de "Cangaceiros e Fanáticos"). Através desta produtora, Pedro Anísio rodou em 16mm os curtas "Conversas Paralelas", "Fig, Meu Anjo", "A Visita do Papa", "Soberano Espaço" e "Escrevendo Certo por Linhas Tortas". - "Usávamos uma câmera de 16mm, que pertenceu a Andy Wahol e foi comprada num sebo de aparelhos cinematográficos em Nova York" - explica Pedro. Em 1988, quando o então governador José Richa convidou o Sr. José Brandt Silva, do Banco do Brasil, para presidir o Banestado, Pedro Anísio acabou vindo para Curitiba por uma razão familiar: sua esposa, a bela Denise Brandt, é filha de José Brandt e desejou acompanhar a família ao Sul. Aqui, Pedro Anísio trabalhou na Secretaria da Comunicação Social, na área de cinema, fazendo filmes e vídeos institucionais com a Guaíra, de Júlio Kruguer; Sir Laboratório de Som e Imagem, de Percy Templim e também para Jaime Brustolim - com quem encontrou maior afinidade criativa, especialmente na época em que ele começava a desenvolver projetos de curta-metragem em animação. Conhecendo Paulo Leminski, Pedro Anísio, que sempre foi entusiasmado pela poesia e a linguagem dos quadrinhos, imaginou um curta kai-kai, "A Destruição dos Brinquedos", que poderia ser o início de uma série. - "Paulo topou a idéia e concordou em fazer um personagem que seria Oswald de Andrade. No domingo, pela manhã, em que faríamos as filmagens, ele não aparecia e eu estava com tudo montado. Fui em sua casa, na Cruz do Pilarzinho, o acordei e trouxe para rodar as seqüências. Apesar da ressaca, Paulo acabou tendo um bom desempenho". O filme foi rodado mas, por falta de recursos, o projeto estancou. Algum tempo depois, Pedro Anísio voltaria a Brasília e esperava melhores dias para retomá-lo. - "Jamais imaginei que Paulo viria morrer tão jovem. Tinha esperanças de voltar a Curitiba e fazer mais algumas seqüências adicionais, para depois montar o filme usando também recursos do cinema de animação. A morte de Leminski, em abril, foi um choque terrível". Em Brasília, Pedro Anísio iniciou um filme patrocinado pelo Ministério da Cultura - "A Explosão Aborígene", que embora fosse um projeto apoiado pelo então ministro Aloísio Pimentel (agora vice na chapa de Afif Domingos) acabou não sendo concluído. Pedro filmou, entretanto, depoimentos com várias personalidades artísticas: Júlio Bressane (diretor de "Sermões", agora mostrado e premiado em Brasília), Macalé, o pianista Arthur Moreira Lima, escritora de livros infantis Ruth Rocha, poeta Chacal, Antônio Carlos Jobim, Radamés Gnatalli e o concretista Décio Pignatari. - "Um material excelente, que também está à espera de condições para ser concluído". Para compensar a frustração de ter os projetos do "A Destruição dos Brinquedos" e "A Explosão Aborígene" interrompidos, Pedro Anísio foi dos seis cineastas escolhidos para realizar "Brasília: a última utopia", um filme sobre os vários aspectos de Brasília, que também após muita dificuldade foi, finalmente, concluído e teve sua primeira exibição na terça-feira, 7, encerrando o XXII Festival de Cinema Brasileiro. O episódio de Pedro Anísio, "Além do cinema do além", sobre o misticismo no Distrito Federal (onde existem cerca de 3 mil seitas religiosas), com uma linguagem inovadora (o personagem "Spirit", de Will Eisner, interpretado pelo folclórico J. Pingo, brasiliense de múltiplas atividades, é quem conduz a narrativa) foi considerado, por muitos, como o melhor dos seis episódios. A propósito, em próxima coluna, falaremos com mais vagar de "Brasília: a última utopia". xxx Quando recebeu o projeto Perhaps Leminski, a professora Cassiana Carolo o fez "para evitar que o material de Leminski, especialmente originais, se perdessem", já que teve dificuldades até de encontrar certos livros editados (um deles, com tradução de um poema italiano, não foi possível localizar). Imaginava-se que haveria também muito material visual de Paulo, especialmente de suas intervenções na televisão, em Curitiba, e no período em que passou em São Paulo. Doce ilusão! Foi mínimo o material encontrado e assim a parte visual do projeto ficou restrita a poucos minutos, além do vídeo (deficiente tecnicamente, mas válido como documento) "Ervilha da Ilusão", de Werner Schulmann. O cartunista Solda, companheiro de etílicas noitadas de Paulo, também produziu um vídeo, com imagens do amigo intercaladas com citações e material de outras fontes, que teve algumas exibições no Centro de Criatividade durante o evento. Ninguém, entretanto, falou no filme que Pedro Anísio havia rodado - e que, se contatado, possivelmente teria se empenhado em fazer uma primeira montagem para aqui ser exibido. Jamil Snege, publicitário e que foi colega de Pedro Anísio na Secretaria da Comunicação, reconhece que não se lembrou de que o cineasta brasileiro, em sua passagem por Curitiba, tivesse feito estas filmagens, que agora representam fotogramas históricos. Jaime Brustolim, um realizador de cinema que se mantém distante da badalação oficial, trabalhando independentemente em sua produtora, talvez nem tenha sido consultado a respeito de sua ligação com Anísio. Com isto, o material está inédito e para ganhar a fora de curta-metragem - com condições de ser levado nacionalmente - só há necessidade de que o Banestado (tão generoso, por exemplo, ao dar NCz$ 200 mil a Leon Cakoff, para que alguns filmes estrangeiros viessem a cidade nestes dias) se disponha a com menos de 30% do que custou a produção atual, possibilite que se tenha ao menos um bom filme sobre Leminski. xxx De esquecimentos na obra de Leminski: ninguém se lembrou de que a melhor cantora do Rio Grande do Sul, Flora Oliveira, fez há quase dois anos um belíssimo disco independente, cuja canção-título inspirou-se num poema de Leminski (que ela não conheceu pessoalmente) - "Acordei bemol/tudo estava sustenido". A edição deste disco esgotou-se. Flora já fez shows em várias capitais, mas em Curitiba continua a ser totalmente desconhecida. Não custaria muito aos donos do poder cultural - que tanto têm procurado explorar a imagem de Leminski - dessem condições para que a cantora gaúcha, esplêndida, profissionalmente, e de grande prestígio em Porto Alegre, viesse a Curitiba para uma temporada. LEGENDA FOTO - Leminski: sete minutos, em 35mm, num filme inédito, a espera de ser concluído.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
12/11/1989

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