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Lina

LINA Wertmuller, a cineasta mais polêmicas desta década, tem merecido muitas adjetivações, inclusive a de "Felline de saias", que é simplesmente ridícula. Embora tenha aprendido com o mestre Frederico muitos, na época em que foi sua assistente -e, algumas vezes, certas imagens de seus filmes tenham imagens com a poesia e sensibilidade de Fellini, Wertmuller é uma criadora de imensa voltagem, totalmente original e com uma preocupação social/política, que nem de longe marca a admirável obra do cineasta de "Amarcord". Ainda não encontramos a adjetivação capaz de traduzir o tipo de filme que Lina Wertmuller realiza: fazem rir, mas também fazem chorar, como diz a canção de Billy Blanco. Tem imagens de grande beleza e outras chocantes, como nos mais cruéis filmes de Passoline, por exemplo. E, acima de tudo, uma consciência política a flor da pele, em todos os poros. Tudo isso pode-se sentir assistindo a "Pasqualino Sete Belezas" (cine Astor, até quarta-feira em exibição), não só o melhor filme em cartaz na semana, mas seguramente um dos mais importantes do ano. Enaltecido pela crítica internacional há 3 anos, candidatos ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1976, "Pasqualino Sete Belezas" é daqueles filmes que atinge o espectador como um sôco em sua consciência. Impossível sair do cinema sem levar na retina as imagens brutais, chocantes, reais - embora emolduradas com um humor tipicamente latino e algumas seqüências de um lirismo amargo. Enfim, Lina Wertmuller não é apenas uma cineasta que coloca o dedo na ferida social. Ela vai mais além: tenta extrair o tumor com uma navalha, talvez em sempre convenientemente desinfetada. Uma história em dois planos, através do recurso do flash-black, permite a Lina fazer de "Pasqualino" um dos mais candentes estudos sobre o Nazismo - não só em sua ideologia, mas na relação do comportamento do homem, a consciência (e a falta de), até que ponto pode chegar uma pessoa pela sobrevivência. Bastam poucas frases ( como a do antifascista, companheiro de Pasqualino na prisão) para dar ao filme toda a visão política que sua realizadora que sua realização pretendeu. Muito mais do que em "Mimi, o Metalúrgico" (71, proibido no Brasil), "Filme de Amor e Anarquia" (73) e "Por Um Destino Insólito" (1974, um dos 10 melhores filmes lançados em Curitiba em 77), "Pasqualino Sete Belezas" apanha o espectador e o coloca num ring: cada imagem, cada seqüência, é uma sucessão de socos visuais em sua consciência e se, eventualmente, pode haver um sorriso (ou mesmo uma gargalhada), o sangramento é inevitável: a última seqüência, a última frase que Pasqualino, de volta ao lar, num aparente (e intensamente cruel) "happy ond" diz ("Sim, estou vivo"), acompanhado de um dilacerante canto, permanecerá, por muito tempo, na memória de qualquer espectador consciente. Aliás, o tratamento de choque que Lina Wertmuller oferece principia nos 7 primeiros minutos, com cenas documentais da II Guerra Mundial - explosões, mortes, fuzilamentos - que, na narração que os acompanha, fazem uma antecipação do que virá a seguir. Um humor amargo, dilacerante. Uma visão lúcido da realidade, talvez por isso mesmo tão pessimista, faz com que o filme de Lina Wertmuller incomode bastante. Mas o mundo evoluiu sempre graças aos loucos, poetas e corajosos que não aceitam o "status quo" e propõe novas idéias e insistem em renovar. Lina não é apenas demolidora: em todos seus filmes de (aparente) anarquismo há esperança. Só que ela não aparece dourada e iluminada. Ao contrário. Assistir "Pasqualino Sete Belezas" pode não significar duas horas de entretenimento e prazer. Mas é indispensável para quem sabe exigir algo de inteligente do cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
26/03/1978

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