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E Linos em sua queixa fez alerta importante

No lado prático das sugestões levantadas no seminário Acorde Brasileiro esteve a formação do músico, tanto nas entidades oficiais como particulares. Em dois painéis, ao lado de exposições de profissionais ligados à área da educação musical - como o professor e crítico Ilmar de Carvalho, 60 anos, catarinense há 30 anos radicado no Rio de Janeiro; o professor Vicente Salles, paraense radicado em Brasília; e a professora Rose Marie Reis Garcia, ex-diretora do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, houve uma inesperada - mas altamente válida - contribuição jovem. Lindomar Linos Lerner, 18 anos, aluno do 3º grau da Escola Pasqualini, em Novo Hamburgo, RS, foi um dos poucos estudantes de música presentes no evento. Aluno do 3º grau de música e professor do segundo - na Escola São Sebastião, em sua cidade, Linos Lerner espelhou em sua participação a própria dificuldade do músico do Interior que, para sobreviver, é obrigado a estudar e repassar seus conhecimentos para um aluno de grau inferior. Mas o que ele mais desejava colocar em evidência no seminário, é que a clientela preferencial do mesmo, o objetivo maior do encontro, ficou defasado em função da ausência do jovem. Se o jovem, como ele, é o objetivo de todas as discussões - porque então não se procurou dar condições para que a moçada comparecesse ao encontro? - indagou. Estavam ali sendo discutidas matérias relativas à vida dos jovens, a preocupação com as distorções propostas pelos meios de comunicação. Ele mesmo, participando de um festival competitivo, certa vez, se viu acusado de, como co-parceiro de uma canção concorrente, ter apresentado uma canção com letra "subjetiva". Mas não era isso que o movia estar ali. Ele queria dizer que, para vir a um seminário como o Acorde Brasileiro, com pesquisadores, professores e estudiosos conhecidos, ele necessitaria de um apoio financeiro que, todo ano, ele mesmo pessoalmente busca junto à rede comercial de sua cidade. Nem sempre é bem recebido, nem ele, nem a turma que vai à cata desses auxílios que se destinam à hospedagem, alimentação e gastos mínimos com material didático. Eles querem, têm fome de saber. Mas como? Com que apoio contar? Linos Lerner, por exemplo, veio a Tramandaí graças à intervenção de um amigo que conheceu no I Seminário Brasileiro da Música Instrumental (Ouro Preto, agosto/86), e que interviu junto a Luiz Carlos Contursi, coordenador executivo do Acorde, garantindo sua hospedagem e alimentação. Para ele foi ótimo, mas e os companheiros que não tiveram esse acesso? - "Perderam uma oportunidade de ter uma verdadeira introdução a Música" - queixava-se. A intervenção de Linos Lerner, pelo seu sentido prático - e chamando atenção para que os jovens estejam mais presentes em eventos como estes - foi não só aplaudida como a mais comentada do dia seguinte. xxx Hermínio Bello de Carvalho, poeta, animador cultural, diretor da divisão de música popular da Funarte - uma das presenças vigorosas no Acorde Brasileiro, mostrava-se preocupado com a falta de renovação de participantes em eventos culturais. Por isto, após o depoimento de Linos Lerner, o aparteou fazendo uma colocação que merece ser registrada: - "Quero deixar bem claro que esse foi, para mim, o melhor depoimento deste seminário. Estou particularmente emocionado porque, tendo conhecido Linos em Ouro Preto e tendo ele relatado num depoimento conjunto com Clara Sverner e João Carlos Assis (pianista) as suas dificuldades me impressionou saber que nosso trabalho - o de animação cultural - não encontra escoamento para essa juventude, que é a nossa meta principal a atingir. Quando esteve logo em seguida no Rio fazendo mais um dos cursos dos muitos que procura anualmente, Linos pediu-me que fizesse uma fita sobre Villa-Lobos, e elegi o "Choros 10", aquele que cita o "Rasga Coração", de Anacleto de Medeiros. Depois, fragmentadamente, coloquei células rítmicas utilizadas por Villa naquela obra, evidentemente com exemplos de hoje: Clementina, Naná Vasconcelos, etc. E coloquei, depois, a gravação do modinheiro Paulo Tapajós cantando o "Rasga Coração" com letra de Catullo. Acho que esse é um dos papéis do animador cultural do Estado nesses seminários: criar suportes de instrumentalização para que os muitos Linos que estão por aí, os muitos Linos que, espalhados pelo Brasil, poderiam nos ensinar, como ele nos fez, a direcionar melhor nossos trabalhos. Temos que, a exemplo de Ouro Preto, repensar esses encontros. Senão daqui a 20 anos, estaremos discutindo as mesmas coisas em circuito fechado, sem falar para o nosso público mais emergencial que está aí, exemplificado pelo Linos." xxx Se Linos Lerner veio de Novo Hamburgo para participar do Acorde, o cantor e compositor Eugênio Leandro Costa, 28 anos, fez uma viagem ainda maior. Cearense de Fortaleza, tão logo soube da realização do seminário em defesa da MPB, quebrou lanças para conseguir junto à Universidade Federal do Ceará, uma passagem para poder acompanhar o evento. Advogado da turma de 1983 que preferiu trocar as leis pelo violão e composição, Eugênio Leandro já fez um disco independente ("Além das Frentes"), no qual teve a participação de instrumentistas do nível de Mauro Senise (flauta), Paulo Strinberg (viola) e Jacques Morelembaum (violoncelo). Preocupado com uma integração maior dos músicos jovens - especialmente os que se lançam à produção independente, Eugênio Leandro viu em Tramandaí, RS, oportunidade de sentir a extensão dos problemas ligados a quem se volta a fazer uma música de raízes no Brasil. Voltou para Fortaleza, na terça-feira, entusiasmado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
17/12/1986

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