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Aramis

A livre catequese do Boca

Emocionante e saudável. Um canto de esperança de que nem tudo está perdido. Assim pode se definir a recepção que mais de 7 mil pessoas principalmente na faixa etária entre os 14/20 anos deram às três apresentações (uma extra) do Boca Livre, no fim-de-semana, no guiarão. O comentário de um dos guardas-de-segurança do grande auditório, no domingo à noite, sintetizava a diferença de comportamento do público: "Enquanto que com meia casa lotada para aplaudir a Cor do Som houve mais de 40 poltronas quebradas, as três sessões do Boca Livre não apresentaram nenhum estrago". Realmente, vendo-se a educação dos jovens que aplaudiram as belas atuações do Boca Livre fica-se a pensar na diferença do comportamento frente a grupos eletrificados, quando a violência, os berros, o tóxico substitui aos aplausos e a contemplação/audição do que realmente interessa: a música. O Boca Livre é hoje não apenas o melhor grupo vocal do País - referendado pela escolha da revista "Playboy" (setembro/80), mas também um caso muito especial; fazendo legítima música brasileira, da melhor qualidade, dispensando eletrificação e ruídos automatizados, está chegando junto a uma imensa faixa jovem "ocupando um espaço que se ressentia de um grupo desta natureza", como diz o jornalista Simão de Montalverne, o mais (com toda a razão) musical pai coruja do ano: seu primogênito, José Renato, 24 anos, é não só um dos integrantes do Boca Livre, como autor de várias das músicas que o grupo apresenta: "Toada", o grande sucesso do primeiro elepe (que já vendeu 85 mil cópias) e "Bicicleta", que dá título ao segundo álbum, recém-lançado e com 40 mil unidades colocadas. Formado com a junção de dois experientes compositores-vocalistas. David Tyguel e Maurício Maestro (ex-Momento "4"uatro), Zé Renato (ex-Cantares, ex-Éramos Felizes) e Lourenço Baeta (que substituiu a Cláudio Nucci, em maio último), o Viva Voz após um trabalho junto a Edu Lobo (quando, pela primeira vez, se apresentou no Guaíra) foi a grande explosão no chamado "Verão da abertura": lotou teatros no Rio e São Paulo e seu primeiro disco, produção independente, atingiu uma vendagem extraordinária superior a maioria dos discos produzidos por grandes fábricas. Conscientes e responsáveis, os integrantes do Viva Voz se organizaram para aproveitar o momento favorável: um repertório cuidadoso, boa estrutura empresarial e a ocupação de uma faixa que se ressentia de um novo grupo vocal. Os Titulares do Ritmo (organizado em 1941) e Os Demônios da garoa (organizado em 1943), os mais antigos grupos vocais do país, tem uma linguagem naturalmente conservadora. O MPB-4, criado há 18 anos e que durante a mais dura fase da repressão realizou um trabalho da mais absoluta coerência, mostra hoje um trabalho amadurecido mas chegando a uma faixa determinada, entre 28/40 anos, que, por certo estará aplaudindo suas apresentações (Guaíra, dias 20 e 30). Entretanto o Bocca Livre, pela juventude de seus integrantes todos com menos de 30 anos e uma música de um novo repertório, fundindo várias experiências, traz uma linguagem capaz de atingir as chamadas "cocotas" e "gatinhos", até agora submetidos a uma aliente dieta do mais supérfluo som pop. E o que é importante os pais de ouvidos limpos que acompanham os filhos adolescentes na audição do Boca Livre também se interessam pela sua musicalidade, pelo seu canto brasileiro que vai desde uma nova leitura do antológico "Correnteza" (Tom/Luís Bonfá) até o delicioso e terno erotismo de "Neném"( Maurício Maestro). O Boca Livre devolve a juventude à música brasileira, aproxima uma faixa imensa de consumidores de nossa MPB, num trabalho quase dialético: não adianta jogar pedras no som pop, proibir e atacar as multinacionais. A fórmula é a que o Boca encontrou: dar música de qualidade, na linguagem que a garotada quer.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
25/11/1980

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