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Aramis

Mais uma vez, o bom exemplo dos gaúchos

Para comparar e refletir: a Secretaria da Cultura e Esportes (sic) está torrando mais alguns milhões de cruzeiros numa promoção destinada a estimular a música popular, através de festivais regionais realizados em cidades do Interior, abertos - saudavelmente, reconheça-se - especialmente a manifestações de música rural ou rurbana. Uma promoção que teria validade se não tivesse a característica Conceição: não há nenhuma programação de gravações das músicas selecionadas, qualquer esquema especial para divulgar os vencedores desta promoção e nem mesmo informações regulares a respeito são divulgadas na imprensa. Em Pato Branco, conforme aqui denunciamos, houve um festival de música popular que apesar das boas intenções, não teve qualquer repercussão fora dos limites da cidade. Um dos concorrentes - jovem compositor de Curitiba, Gerson Badep, classificado em 4º lugar, no dia seguinte à eliminatória procurou a Rádio Celenauta, co-patrocinadora do evento, interessado em ouvir a gravação da apresentação de sua música. Foi atendido por um cidadão que lhe informou: - Lamento, mas a fita do festival foi desmagnetizada para a gravação de um programa matinal. Ou seja: nem a rádio da cidade, que deveria preservar (ao menos por algum tempo) as músicas concorrentes, ficou com registro do Festival. Todo o esforço de dezenas de compositores, músicos e intérpretes, levando suas músicas ao Festival, acabou na hora em que o Festival encerrou. Nada, absolutamente nada, ficou de mais este Festival. No qual, obviamente, o governo do Estado acabou investindo alguns milhões. O deputado Nilzo Sguarezzi, presidente da Assembléia e político da região, está sorridente: para os seus fins pessoais o festival serviu aos objetivos. Em termos culturais, pouco importa... xxx Agora, vejam o que acontece no Rio Grande do Sul. O mais respeitado tradicionalista gaúcho, Antônio Augusto Fagundes, em sua coluna na "Zero Hora", de sábado, 25, publicou a seguinte notícia sobre o mais novo festival nativista a se realizar naquele Estado: "I Carijo da Canção Campeira, assim se chamará o grande festival gauchesco que será realizado em Palmeira das Missões na segunda quinzena de maio deste ano. "Carijo", como se sabe, é o jirau onde se sapeca primitiva e rusticamente a erva-mate, extraindo-lhe a unidade. Como a história de Palmeira das Missões se confunde com a própria história do chimarrão, nada mais natural que o seu festival levasse esse nome. O primeiro lugar vai ganhar 200 ORTN, o segundo 150 e o terceiro, 100, além de vários prêmios especiais. Cada canção (não interessa o nome dos autores) selecionada para as eliminatórias ganhará dois milhões (quem classificar três canções, por exemplo, tecnicamente pode ganhar seis milhões) e cada canção da finalíssima (12 estarão no disco) ganhará mais um milhão de adiantamento de direitos autorais, não interessa quantas canções o mesmo autor possa botar no disco. E desta vez se preparem: os nomes dos jurados serão inatacáveis, ao contrário de outros festivais que inventam credenciais para os integrantes da comissão julgadora. Já aceitaram integrar o júri Mozart Pereira Soares (poesia, história e folclore), Rose Maria Reis Garcia (folclore, música e instrumental) e Honeyde Bertussi (música - ritmos folclóricos, sobretudo - e instrumental). As incrições estarão abertas durante todo o mês de abril próximo futuro. Ritmos que não são do RS não serão aceitos - nem passam pela pré-seleção. A iniciativa do I Carijo é do dinâmico prefeito Lourenço Ardenghi Filho, gaúcho da melhor cepa." xxx Praticamente todos os festivais - e eles passam de 30 - realizados no Rio Grande do Sul são registrados em discos. Dezenas de compositores, intérpretes e instrumentistas (inclusive o gaiteiro Renato Borghetti, hoje sucesso nacional) saíram destes eventos e hoje fazem carreira solo, com discos e merecida promoção. Os lps com as finalistas dos festivais mais importantes - Seara da Canção (Carazinho), Musicanto (Santa Rosa) e Califórnia (Uruguaiana) são colocados nas lojas menos de duas semanas após o evento ser realizado. Todo o Estado toma conhecimento das músicas classificadas e, importante, havendo gravações, as rádios as divulgam, enquanto programas de televisão - especialmente o "Galpão Criolo", que Antônio Augusto Fagundes apresenta na TV RBS, dedicam imensos espaços aos artistas da terra. Em alguns eventos - como na Seara da Canção Nativista e na Califórnia da Canção - o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, dirigido por Paulo Xavier, Rose Maria Reis Garcia e Edson Otto, promove seminários, mesas redondas e mesmo cursos como eventos paralelos. Enfim, um trabalho efetivamente cultural - inteiramente custeado pela iniciativa privada, no máximo com pouca ajuda dos municípios (e sem recorrer às tetas do governo) é realizado, com grande repercussão. No Paraná, respondam rápido, qual foi até hoje o festival de música popular, entre tantos eventos - Conceição "promovidos" no Interior (ou mesmo em Curitiba) que obtiveram repercussão, disco e algum resultado expressivo? Não é por nada, não, mas os gaúchos podem ter orgulho de sua música e tradições. Quanto a nós, continuaremos a amargar os frutos da incompetência e da falta de iniciativa dos donos do poder.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
30/01/1986

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