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Aramis

As marcas musicais de 1984

ENTRE os múltiplos aspectos retrospectivos de 1984, preferimos fazer 10 anotações sobre a área musical. De certa forma, complementam o grande ranking que tradicionalmente O ESTADO DO PARANÁ publica, a cada edição de fim de ano, e que hoje também está no suplemento CLÁUDIO (uma segunda parte, com o jazz poll, sairá na próxima semana). Na área de cinema, o levantamento dos melhores - na opinião de críticos e estudiosos e segundo as rendas - fornece uma síntese objetiva. 1984 foi um ano de prosperidade para a indústria editorial brasileira, mas que no Paraná teve poucos lançamentos - embora Paulo Leminski, tenha se consolidado como um escritor de grande voltagem e sucesso junto a faixa jovem, através de dois novos títulos incluídos na coleção "Encontro Radical" ("Matsuó Bashô" e "Jesus") e sua primeira novela ("Agora é Que São Elas"), já em terceira edição. No teatro, houve montagens de amadores esforçados e duas pretensiosas (e frustrantes) superproduções do TCP, a propósito das comemorações dos cem anos do Teatro Guaíra - "Zumbi" e "Colônia Cecilia". Na dança, o boom experimentado nos últimos anos começou a se reduzir - com uma seleção natural das escolas e academias de maior solidez. Nas artes plásticas, outro boom - de galerias se abrindo, muitas vernissages e, principalmente bons negócios acontecendo. No cinema, um documentário sobre Miguel Bakun obteve premiação na Jornada de Curtas-Metragens em Cachoeiro, Bashia, enquanto jovem e dedicados superartistas começaram a lançar-se na área do 35 mm e Frederico Fullgraff termina o ano com as filmagens de "O Veneno Nosso de Cada Dia", encerradas e, com auxílio do paranaense Mauro Alice, entrando, agora, na sala de montagem. Enfim, entre acertos e erros, boa vontade e interesse de cada um, ao ano cultural teve momentos de altos e baixos. Análises mais profundas ficam para o futuro. Vamos às anotações, na área específica da música. 1. MÚSICA DO PARANÁ - Produções independentes de bons discos registrando o vanguardista trabalho do duo Hélio Brandão (sax-flauta) e Francisco Oliveira Mello (violão); as belas vozes do grupo As Nynphas ("Tons & Batons"), a gravação de "Paixão Segundo Cristino" de Geraldo Vandré e os Frades Dominicanos, por Paulo César Botas/Marinho Gasllera/Coral de Curitiba (regência Geraldo Gorosito), com arranjos do maestro Gaya (lp produzido pela Fundação Cultural de Curitiba). Válidos também produções em compactos, com jovens artistas como Marios Galloti (Vox Audi) Paulo Chaves ("Piá Curitibano"), e Dino Almeida Jr. (este com distribuição nacional, via Polygran). Infelizmente, alguns discos produzidos no Paraná, gravados nos estúdios Sir e Audisom, não tiveram se quer divulgação em Curitiba - num trabalho tão independente que fica inédito mesmo em nossos veículos de divulgação. Um exemplo é o elepê do conjunto Gralha Azul, que feito em Curitiba, só foi vendido na região Norte do Estado. A destacar, também, a continuidade do trabalho desenvolvido por Ivan Graciano, que através da BG Gravações, tem se preocupado em registrar compositores e cantores populares. Num trabalho quase anônimo, de alcance ainda somente regional, Ivan é um dos raros produtores fonográficos a manter um catálogo e, dentro de suas possibilidades, abrindo as portas para intérpretes populares. 2. BIBLIOGRAFIA - A publicação da aguardada "Bibliografia da Música Popular Brasileira", trabalho de pesquisa de dez anos do professor Alceu Schwab, relacionando em 80 páginas os 471 livros publicados no Brasil sobre a nossa MPB. O levantamento do professor Schwab cobre até o segundo semestre de 1984. A publicação de importantes títulos relacionados a música popular prosseguiu este ano com contribuições de pesquisadores como José Octavio Guizzo ("A Moderna Música Popular Urbana de Mato Grosso do Sul"), Marília Barboza da Silva e Arthur de Oliveira Filho ("Cartola, Os Tempos Idos"), Rui Ribeiro ("Orlando Silva, cantor número um das multidões"), Mário Goulart ("Lupicínio Rodrigues", Tchê Edições); Alice Campos/Dulcineia Gomes/Francisco Duarte Silva/Nelson Mattos ("Um Certo Geraldo Pereira"). A registrar, também, a autobiografia da dupla Tonico e Tinoco (João e José Perez) em "Da Beira da Tuia ao Teatro Municipal" (Editora Ática) e a biografia que o radialista Foguinho fez do compositor e cantor Dirceu Glaeser. Como informação, importante o novo livro do curitibano Roberto Muggiatti sobre música internacional: "Rock: do Sonho ao Pesadelo" (L&PM), 210 páginas, dezembro/1984). 3. ATIVIDADES DO INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA - Particularmente importante a continuidade das atividades do INM, dirigido por Edino Krieger, tanto no setor de música erudita como na área da música popular, neste com coordenação de incansável Hermínio Bello de Carvalho (merecidamente escolhido "Personalidade do Ano" no Juri Playboy da MPB). Publicações de monografias e edições de importantes discos em homenagem a Carola e comemorativos aos 80 anos de Aracy Cortes (produção marcante de Jairo Severiano) e Capiba (produção do próprio Hermínio e Maurício Carrilho); o belo elepe com Bebel e Pedrinho Rodrigues interpretando composições de Geraldo Pereira (1918-1955); o elepe com vários intérpretes mostrando as músicas de Patapio Silva (1881-1907); o lançamento da segunda coleção de MPB, destinada a divulgação no Exterior (projeto Ary Barroso); promoções de shows especiais, lançamentos de partituras - enfim, todo um trabalho de valorização da música brasileira fazem com que o INM mereça aplausos. 4. FESTIVAIS - A reativação da Fercapo, em Cascavel, após uma paralisação no ano passado, foi significativo. Mesmo ainda não assumido a característica cultural que já se justificaria por seus 14 anos de existência, esta promoção do Clube Tuiuti, é o evento competitivo mais importante do Estado. Outros festivais aconteceram neste ano, mas sem maior tradição e todos - inclusive o Fercapo - pecando pela ausência de gravações, o que inviabiliza a preservação e divulgação das músicas concorrentes e premiadas. Já no Rio Grande do Sul, o vigoroso movimento nativista teve prosseguimento com a consolidação do Musicanto, em Santa Rosa, organizado por Luíz Carlos Borges, que em sua segunda edição (9 a 15 de outubro de 1984), ultrapassou, inclusive, a Califórnia da Canção, de Uruguaiana, que este ano sua 14a edição. Todos os festivais de música nativista realizados no Rio Grande do Sul - e passam dos trinta - são registrados em documentais elepês - produzidos principalmente pelo incansável Airton dos Anjos (ex-Polygram, agora Sigla/Som Livre) e são acompanhados de seminários, debates, mesas redondas etc. Um exemplo que deveria ser seguido em outros Estados, inclusive o Paraná. 5. PRODUÇÃO INDEPENDENTE - A produção fonográfica independente continuou a crescer em 1984. Pela segunda vez a Associação que agrupa os produtores independ3entes, presidida pelo pioneiro Antonio Adolfo, promoveu a entrega do troféu Chiquinha Gonzaga, destinado a premiar os dez melhores elepes realizados no período 1983/84. Em vários Estados, surgiram discos de qualidade, num movimento vigoroso e que apesar da crise econômica, mostra o surgimento de talentos fora do domínio das grandes gravadoras. O único problema com os independentes continua a ser a divulgação e comercialização, com discos praticamente restritos as cidades em que residem os seus produtores. 6. NORTON MOROZOWICZ, primeiro flautista da Sinfônica Brasileira e regente da Orquestra de Câmara de Blumenau, foi um dos músicos eruditos brasileiros de maior destaque no ano. Participou da gravação de "Desafios", novo álbum com músicas de Marlos Nobre (Odeon), e, na regência da Orquestra de Blumenau, fez a mesma consolidar seu prestígio nacional em vários concertos no Rio, São Paulo e Salvador. Neste final de ano, com patrocínio de Denison, a Orquestra de Câmara de Blumenau lançou seu segundo elepe com o Concerto de Brandenburgo no 5, de Bach e a Sinfonia em Si Bemol Maior, no 5, de Schubert. Independente de suas atividades como maestro da OCB e flautista da OSB, Norton fez dezenas de concertos - dos quais, especificamente significativo, a sua participação na "Suíte Para Flauta e Jazz Piano", com o trio de jazz de Ileana Carneiro, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 7. PRODUÇÃO CLÁSSICA - A produção de música clássica continuou a crescer em 1984. Especialmente a Polygran, CBS e Barclay abasteceram o público de excelentes lançamentos mensais. Mauríci Quadrio, hoje na CBS, foi responsável pelos lançamentos de alguns dos melhores álbuns clássicos que saíram no Brasil neste ano. 8. ETIQUETAS ALTERNATIVAS - Paralelamente ao trabalho de independentes, consolidam-se também etiquetas alternativas - que mesmo estruturadas empresarialmente (e em alguns casos ligados a gravadoras maiores) buscam valorizar instrumentistas e novos compositores e intérpretes. A Carmo, criada em 1983, por Egberto Gismonti, fez novos (e bons) lançamentos neste ano, enquanto Belchior fundou também a sua própria etiqueta - Paraíso - pela qual já promoveu o lançamento de vários discos, inclusive do talentoso Bené Fonteneles ("Benedito"), de Mato Grosso. A Kuarup, de Mario Aratanha, deu seqüência a sua excelente produção - incluindo alguns dos melhores discos do ano ("Cantoria", "Encontro", "Xangai"), enquanto o pianista Arthur Moreira lima, através da L'Art, também está ingressando no esquema de etiqueta alternativa. Por último, o empresário Ary de Carvalho ("Última Hora/O Dia"), criou uma nova etiqueta, esta de finalidades bem comerciais - a Arca, com direção artística entregue a Hélcio do Carmo. Em Belo Horizonte, a Bemol, continuou a produzir discos de compositores e intérpretes daquele Estado - com a distribuição da Barclay. 9. ESFORÇOS - Os esquecidos e por isto mesmo admiráveis instrumentistas paranaenses continuaram em seu louvável esforço de profissionalização. Dos membros da Sinfônica da UFP e Camerata Antigua ( e seus grupos paralelos) aos anônimos integrantes de grupos que atuam em bailes, bares, boites, etc., em todo o Paraná, são centenas de pessoas que buscam melhores condições de trabalho. Anuncia-se, agora, a criação da Sinfônica da Fundação Teatro Guaíra. Vamos esperar para conferir a seriedade, já que se tratando de uma iniciativa oficial - tem que se ter um pé atrás, haja visto o descalabro no que depende da "iniciativa" da Secretaria da Cultura neste governo. 10. SAUDADE - Entre tantos nomes nacionais/internacionais que desapareceram durante 1984, três deles foram de artistas paranaenses. Pessoas simples, de reconhecimento apenas regional - deixaram, entretanto, uma grande saudade pela sinceridade e espontaneidade com que dedicaram suas vidas à música. Belarmino (Salvador Graciano), falecido aos 63 anos, no dia 21 de junho; Janguito do Rosário, falecido aos 61 anos no dia 17 de novembro e, o querido Chocolate (o verdadeiro "Senhor Samba" do Carnaval curitibano - foram artistas populares, que muito amaram a nossa cidade e o nosso Estado. Na saudade destas três grandes expressões da arte do povo, a nossa maior homenagem. LEGENDA FOTO1- Marinho e Paulo Cesar: o conto de Vandré. LEGENDA FOTO2 - Nynphas: o belo canto. LEGENDA FOTO3 - Helinho e Chico: um ótimo disco instrumental. LEGENDA FOTO4 - Belarmino: ficou a saudade. LEGENDA FOTO5 - Hermínio: o bom trabalho na Funarte. LEGENDA FOTO6 - Norton: orquestra nacional.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
26
30/12/1984

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