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Aramis

Marchioro apresenta o francês Boris Vian

Já em fase de ensaios no palco do Sesc da Esquina - onde estréia em 20 de março - a peça "Nenúfar", que Marcelo Marchioro escreveu e dirige, a partir da leitura dos livros do músico e intelectual francês Boris Vian (Ville d´Avrey, 10/3/1920 - Paris, 23/6/1959). Trinta anos após a sua morte - ocorrida durante a primeira projeção do filme inspirado em seu livro "Vou Cuspir no Seu Túmulo", Boris Vian é ainda um nome desconhecido no Brasil. Por isto, mais uma vez Marcelo Marchioro, hoje o diretor de maior voltagem do Paraná - e com trabalhos em escala nacional - parte para uma realização destinada a ter grande repercussão - e que está sendo feita, justamente com um grupo de jovens recém-formados pelo Curso de Artes Cênicas da FTG/Universidade Católica. *** Marcelo diz a respeito deste novo trabalho. - Boris Vian precisa ser descoberto. No Brasil, o acesso a sua obra é praticamente impossível: salvo três livros seus que foram aqui publicados (e sem nenhuma divulgação ou penetração adequadas), apenas alguns raros privilegiados é que conseguiram ter algum contato com algumas edições portuguesas ou com os originais em francês. Assim, ao desenvolver uma peça sobre a obra de Vian, Marcelo propõe esta "descoberta" do autor de "A Espuma dos Dias" (um de seus textos aqui lançados pela Brasiliense), um autor que, herdeiro do surrealismo e do teatro do absurdo, criou uma estética literária toda particular, mesclando uma utilização ímpar de linguagem (influenciado diretamente por Lewis Caroll e suas "palavras-valise") "com uma noção absolutamente precisa do amargo da vida e das relações humanas e do que elas também possam ter de prazer e magia", diz Marcelo, acrescentando. - Queremos fazer descobrir Vian, o homem multifacetado, prismático, mas angustiado e que previa a cada momento de sua obra o fim de sua vida. *** "Nenúfar" encerra uma trilogia que Marchioro vem realizando de textos sobre autores e suas obras. Iniciada com o estudo de Lewis Caroll (1832-1898), que resultou no espetáculo "Do Outro Lado da Paixão", escrita com João Marcelo Soares (considerado pela crítica como o melhor espetáculo paranaense de 1987); seguiu-se "Camões". Escrito com Bárbara Bruno (seis meses em cartaz no Teatro Paiol em São Paulo; temporada prevista para todo o ano de 1989), que apresenta a vida e a obra do poeta português, num espetáculo produzido para atender diretamente estudantes e estudiosos de Luiz Vaz de Camões. Há muitos anos que Marcelo é leitor de Boris Vian. Desde 1983 vem estudando sua importância na literatura francesa e tomando contato com sua vasta obra, objetivo de incansáveis pesquisas que incluíram uma viagem a Paris em 1986 para este fim. *** O texto parte da estrutura e dos personagens de "Espuma dos Dias", romance escrito por Vian em 1946 e considerado por Raymond Queneau "a história de amor mais pungente de nosso tempo". Inserido neste enredo básico, Boris Vian é colocado em cena (tal como foi realizado com Caroll e Camões), para modificar o curso da ação, apresentando outros personagens de obras suas, e colocando a si próprio como personagem, causa e conseqüência de suas criações e criaturas. O Nenúfar, flor maligna que nasce e cresce dentro do personagem de Chloé, apaixonada por Colin, vai aos poucos tomando conta da vida de todos os outros personagens e do próprio Vian, como uma metáfora de seus problemas cardíacos e pulmonares, que seriam causa de seu falecimento, tal como acontece com Chloé. *** A trilha sonora do "Nenúfar" será composta basicamente de temas e arranjos jazzísticos de Duke Ellington (1899-1974), paixão fundamental de Boris Vian e dos seis personagens de "A Espuma dos Dias". Boris Vian era apaixonado por jazz e apesar de, em 1942, formar-se em engenharia mecânica, desenvolveria um trabalho de trompetista na orquestra (amadora) de Claude Abadie, onde permaneceria até 1950 (existem algumas gravações de Vian, raríssimas). Em 1943, terminou seu primeiro romance, "Trouble dans les Andains" (que só seria publicado 23 anos depois). Em 1944 começou a publicar textos em jornais e revistas, com pseudônimos. Em 1945, com o nome de Bison Ravi publicou o livro "Vercoquin en le Plancton". 1946 foi um ano decisivo: publicou "Afnor", escreveu "L´écume des Jours" (sua obra mais importante) e conheceu Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, e, entre 20 de agosto a 3 de setembro, a pedido de um editor de obras policiais e eróticas, escreveu o violento "Vou Cuspir no seu Túmulo" (J´irais Cracher sur vos Tombes), sob o pseudônimo de Vernon Sullivan (obra já editada no Brasil). E, mostrando sua velocidade intelectual, de setembro a novembro escreveu "L´automne à Pekin" e fez ainda a primeira tradução ("Black Boy", de Richard Wright) atividade que desenvolveria até o fim da vida. *** Em 1947, a publicação de "Vou Cuspir no seu Túmulo" provocou protestos - mas fez o livro ser bem vendido. Boris tornou-se trompetista e animador de uma famosa boate de Saint-Germain-des-Près, a Le Tabou, freqüentada por intelectuais. Novos livros nos anos seguintes ("Vou Cuspir..." foi proibido em 1949), problemas diversos, ensaios, arranjos, complicações com as mulheres. Em 1953, por um novo livro ("Os Mortos Têm Todos a Mesma Pele") foi condenado a 15 dias de prisão. Em 1956 começou a participar de filmes, como ator, e, em 1957, escreveu sua obra-prima de teatro ("Os Construtores do Império"). Em 1959, poucos dias antes de morrer, atuou em algumas seqüências de "As Ligações Perigosas", de Roger Vadin (do romance de Chanderlos de Laclos, agora refilmado pelo inglês Stephen Frears e que abriu o Festival de Berlim, no último dia 10). A adaptação de "Vou Cuspir..." ao cinema o desagradou tanto que ao assistir sua primeira projeção, não resistiu: morreu vítima de um ataque cardíaco - ele que desde a infância tinha problemas de coração. *** Só em 1964, sua obra começou a ser valorizada na França. Agora com a peça de Marcelo Marchioro - em estréia nacional em Curitiba - se começará a falar em Boris Vian e, com isto, seus três livros traduzidos serão procurados nas livrarias do Chain e Curitiba.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
18/02/1989

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