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Aramis

Memória

José Silas Xavier, mineiro radicado em Brasília, funcionário há muitos anos do banco do Brasil S/A, pesquisador apaixonado pela música brasileira, teve uma idéia das mais felizes no início de 1979: aproveitando o estímulo que o ex-presidente do BB, Karlos Rischbieter, deu à edição de discos-brindes, com músicas de alto nível, financiados pelo Banco do Brasil, propõs que a Federação Nacional de Associações Atléticas do banco do Brasil fizesse o mesmo. Assim, conseguindo recursos, levou a Brasília o maior técnico de gravação portátil do Brasil, Franck Justo Acker, que nos dias 2 e 3 de junho de 1979 registrou as interpretações que a flautista Odette Ernest Dias e a pianista Elza Karuko Gushikem deram a 11 preciosos temas brasileiros, cuidadosamente pesquisados por Silas e Vicente Salles, com auxilio de Claver Filho (Professor de música da Universidade de Brasília e autor da premiada monografia sobre Waldemar Henrique, o maravilhoso compositor paraense). O álbum foi lançado no Natal do ano passado, inicialmente apenas para distribuição através da Fenab, mas pela sua importância cultura não poderia ficar restrito a este circuito. Assim, Aluisio Falcão, personalidade da maior importância para a MPB, que vem fazendo do Estúdio Eldorado um dos melhores selos do Brasil, negociou e teipe e com cuidadosa apresentação - capa dupla, mantendo o diatico texto de Vicente Salles - lança agora << Sarau Brasilêncio >>, em nosso entender um dos mais importante discos do ano, em termos de memória da música brasileira. Independente dos méritos da flautista Odette Ernest Dias e da pianista Elza Gushikem, o disco é importantíssimo por trazer dados sobre a autoria de uma das mais belas músicas do cancioneiro brasileiro, << A Casinha Pequenina >>, durante décadas atribuída exclusivamente a Catulo da Paixão Cearense (São Luiz, MA-31/1/1886-Rio de Janeiro, 10/05/1946), Vicente Salles, professor, pesquisador, escritor, integrante do escritório da Funarte em Brasília, nascido em Belém do Pará, há muitos anos vem estudando a música brasileira, assunto que conhece com uma imensa profundidade. Assim, localizou a mais antiga partitura impressa da modinha << A Casinha Pequenina >>, que se deve ao editor paraense José Mendes Leite. A edição situa-se em torno de 1902, mas a modinha já era conhecida em Belém desde o final do século passado. Salles reconhece, porém que << esta edição confusa é, ao mesmo tempo, o desastre do autor: surgiu anônima, embora contendo no mesmo exemplar impresso, a pista que nos conduz diretamente ao nome de Bernardino Belém de Souza através da nota << do mesmo autor: tango << No Cavaquinho >>, << Minha Terra >>, ambos impressos com o nome do autor. Esses tangos são a prova documental que resistiu a Bernardinho Belém de Souza a autoria da célebre modinha, divulgada como xótis, uma das fórmulas rítmicas adotadas no passado, por esse tipo de canção seresteira >>. O autor, modesto carteiro, deixou outras publicadas no Pará e sua << Casinha Pequenina >>, gravada em 1908, por Mário Pinheiro (1880-1923), em disco da Casa Edison, seria retocada por Catulo da Paixão Cearense e publicada no mesmo ano (<< coletânea Lyra Brasileira, Livraria Quaresma, páginas 133/4) e, posteriormente, teria gravações << eruditas >> de Julieta Teles de Menezes (1928) e Bidu Sayão, esquecendo-se de seu verdadeiro autor. Mas o sentido de documentação de << Sarau Brasileiro >> não fica apenas em << Casinha Pequenina >>. Por exemplo, ainda citando Vicente Salles, quem negará, por exemplo, que a valsa << Minha Esperança >>, do flautista Ernesto Antônio Dias (Belém, 1857-1908) não é outra significativa da reformulação do modelo europeu operado pelo artista brasileiro. E Clemente Ferreira Júnior (Belém, 1864-1917), pianista e compositor da classe de um Ernesto Nazareth, mas que nunca saiu do Grão-Pará, comparece com duas peças das mais significativas: uma valsa, << Noites veladas >>, em solo de Elza Kazuko Gushiken e uma polca. << Na maromba >>, em duo de flauta e piano. São peças demonstrativas da alta qualidade do compositor, que escreveu principalmente para piano. A preciosidade documental de << Sarau Brasileiro >> vai a todas as peças. No lado A, temos em duo flauta-piano, o << Lundu Característico >> de Joaquim Antônio da Silva Callado (1848-1880) e << L`Amoureuz >>, de Sigismund Neukomm, fantasia sobre << La Melancolie >>, modinha de Joaquim Manuel de Câmara, só com Elza ao piano. No lado B, além das músicas citadas, encontramos duas modinhas anônimas e um lundu mineiro, localizado em arquivos de Mariana, MG, pela pesquisadora Conceição Rezende, no duo-flauta e violão - e a participação especial do violonista Jaime Ernest Dias; << Porto Arthur >>, tango de Carlos Tobias e << No Cavaquinho >> de Bernardino Belém de Souza, completam este lado. Muito já se gastou em brindes. Mesmo em gravações nem sempre se aplica bem o dinheiro. Mas raras vezes houve um investimento tão acertado como o que fez a Federação Nacional de Associações Atléticas do BB a confiar a competência de Silas Xavier, ajustado por Vicente Salles e Claver Filho - e com o talento de Odette e Elza, para realizar um álbum maravilhoso, antológico - e que graças a Aluísio Falcão, do Estúdio Eldorado, chega agora a todos os interessados. Quem a Fenab confie a Silas Xavier recursos para novos empreendimentos semelhantes. FOTO LEGENDA - Laran Brasileiro Odette Ernest Lias
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Jornal da Música
1
06/07/1980

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