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Aramis

Milton & Djavan, para muito ouvir e refletir

Final de ano, temporada dos discos mais importantes - em termos comerciais e artísticos. "Francisco", o novo álbum de Chico Buarque, agora na RCA, está saindo em seqüência aos lps de Martinho da Vila e Alcione, outros campeões de vendagem - afora Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga e Beth Carvalho. A Polygram vem de "Caetano", enquanto a CBS tem o creme-do-creme com o aguardadíssimo álbum de estréia de Milton Nascimento ("Yauaruetê") e Djavan ("Não é Azul Mas é Mar"), com mais algumas jóias de ourives sonoro que este alagoano é mestre. Depois de uma (frustrante) parceria com o ex-RPM - que teve um excelente lançamento mercadológico - Milton Nascimento retoma aquela linha tão sua, tão nossa e brasileiro-universal de falar das coisas que mais o preocupam - o amor, a amizade, a lealdade, as pessoas e, hoje, menos tímido e mais assumido publicamente, a política, com a dilacerante "Carta à República", cuja letra do amigo e parceiro Fernando Brant é o grande protesto sonoro do ano, síntese das frustrações de milhões de brasileiros que, como Milton, acreditaram em mudanças políticas nesta Nova República e amargam, hoje, frustrações. A obra de Milton há muito que transcende ao simples registro jornalístico. Pela sua densidade e coerência, pela universalidade musical que consegue na voz-harmonia - e o seu reconhecimento internacional não é gratuito - o faz um artista que sem nunca deixar de ser essencialmente regional (pode existir alguém mais mineiro que ele, ironicamente nascido no Rio de Janeiro?) obter aquilo que se chama de som universal - tão buscado pelas multinacionais do entretenimento. Qualquer uma das faixas deste seu "Yauaruetê" - e o título-imagem da onça, forte, orgulhosa e independente como o próprio Milton - comporta análises profundas, pois além de sua extraordinária musicalidade, Milton sempre soube, inteligentemente, buscar as melhores parcerias em letras/idéias - em primeiro lugar com Brant (presente em "Planeta Blue", "O Vendedor de Sonhos", "Yauaruetê", "Meu Mestre Coração", "Carta a República" e "Canções e Momentos"), mas também sendo o grande poeta - como já fazia há 22 anos em "Morro Velho" (que regravou, com nova leitura) ou "Cidade Encantada" parceria com o tecladista Nelson Ayres, também o arranjador deste novo canto-cartão postal, no qual fala de "Essas pedras/teus sobrados/São visões que já vivi/Numa história do passado". Mas há outros parceiros - como Ronaldo Bastos ("Eldorado") e Márcio Borges ("Mountain", neste com a participação de Cat Stevens). Gravado em estúdios do Rio e EUA, arregimentando sempre mais do que músicos excelentes - amigos que com ele se identificam em idéias & poesia - nesta produção internacional, Milton teve a participação de Herbie Hancock - ("O Vendedor de Sonhos"), Wayne Shorter ("Mountain"), Paul Simon ("O Vendedor e Sonhos"), arranjadores como Quincy Jones - só para citar alguns nomes, pois o registro de um novo álbum de Milton - e especialmente deste - exigiria espaços de muitas páginas, tarefa aliás para os ensaístas que devem se debruçar em sua obra - o que já não é sem tempo. Em termos práticos, liberte as emoções e voe pelo mundo sonoro ouvindo Milton. xxx Também na rota internacional, gravando em Los Angeles, Djavan procura segurar a peteca de brasilidade fazendo aquela música para chegar a outras geografias: "Não é Azul mas é Mar", a exemplo do disco de Milton também tem a participação de músicos americanos como George Duke, Greg Phillinganes (um dos tecladistas preferidos de Michael Jackson), o baixista Nathan East, Larry Willians, entre outros. Ourives das canções, as quais trabalha exaustivamente em busca da forma perfeita, Djavan é daqueles intérpretes que exige uma audição atenta, para se absorver toda sua extraordinária musicalidade. Por exemplo em "Bouquet" temos o vocal/violão mais o piano acústico de George Duke apoiados pelos desenhos de cordas de Del Barrio. "Me Leve" revela as imagens de "Tudo que era azul ficou down, que mau não ter você ali", com Greg solando os teclados. Violão/baixo/bateria/teclados/percussão fazem o clima para "Dou Não Dou": "E a gente faz amor/quando tiver que acontecer". "Florir" tem a súplica "Você tem o sol na mão, ilumina aqui ou eu sinto medo", enquanto "Carnaval no Rio" traz bom humor: "Desista de vez de me conquistar; o dono do meu coração é puro e alemão, cismou de passar o carnaval no Rio". Outra canção inédita, "Navio", tem parceria familiar: Djavan e os filhos Flávio e Max. O amor em tons vermelhos vem claro em "Maçã", com Ronnie e um time de brasileiros - Da Costa, Téo e Sizão: "Te amei desfiladeiro abaixo/encalacrei no lodo/na lama/na areia movediça da carícia humana". E vem solto e leve como criança em "Real" (letra de Djavan, música de Tetsuo Sakurai, do grupo japonês Casiope): "Penso em você, na ilusão de te encontrar, louco por me procurar: só no amor tudo é real". O Djavan político está presente em "Soweto", onde Djavan diz: "O negro que lute pra poder sonhar em mudar isso aqui (...) Deus salve Soweto, carícia e calor nos guetos de cada canto do mundo". Tanto Milton como Djavan permitem muitas leituras musicais e poéticas. Este é apenas um registro rápido, mas para que não fique sem recomendação a presença destes dois esplêndidos álbuns.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
14
06/12/1987

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