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Aramis

A mistura certa nas músicas do Bendengó

BENDENGÓ, nome de um meteorito que caiu em 1888 no lugar hoje também denominado Bendengó, na região de Canudos, no alto sertão da Bahia. Perto dali está Monte Santo, região de romaria que se tornou depois quartel general das forças que foram combater Antônio Conselheiro e seus fanáticos seguidores. O meteorito caiu junto de um riacho num dia de tempestade e aquele "risco no céu" confundiu as pessoas simples da região que viam nele desde um deus caído do Céu ou um presente ou castigo. A palavra Bendengó vem do tupi e quer dizer "caído do céu". Bendengó foi o nome escolhido por Gereba, Capenga, Zeca, Raimundo e Djalma para o grupo que, há 13 anos, estreava com um primeiro elepê. Gereba é de Monte Santo, alto sertão da Bahia e Capenga é de Serrinha, cidades próximas. Influências comuns - modas de viola, desafios, pífaros, seresta, pagode, depois o rock - que se traduziram em músicas gravadas em discos feitos em 1973 (Polygram), 1976 ("Onde o Olhar Não Mira", Continental) e 1979 (CBS) - cada um com músicas de grande força e mostrando sempre as raízes nordestinas - mas também uma abertura a outros ritmos. Agora, após uma longa ausência, o Bendengó volta com aquele que pode ser considerado o melhor de suas gravações. Se do núcleo original só restaram mesmo Gereba e Capenga, desta vez, estreando numa bem cuidada produção de Moacyr Machado para a 3M/RCA, houve participações muito especiais - como das vozes de Vania Bastos e Alzira Espíndola, o percussionista Papete entre outros. Musicalmente, este lp ("La Nave Vá") traz músicas excelentes, em vários gêneros - na mistura que sempre foi a característica do grupo - capaz de juntar o som primitivo das raízes afro-baianas, a pureza intuitiva de mestres como Cartola ou Bororó ou o experimentalismo de Walter Smatak (o suiço-bahiano criador de mais de 300 instrumentos musicais). Gereba define bem o ecletismo procurado: - "Hoje a gente vive num Brasil que tem lugar pro luar do sertão e pro computador, o que, traduzido pra linguagem da música, faz com que a proposta do nosso trabalho busque sempre um casamento harmonioso entre um DX-7 e uma sanfona bem nordestina." Propositalmente, o disco tem uma proposta chamada "Coreto Eletrônico", "o que paulatinamente, vai transformando o Carnaval da Bahia num gigantesco forró, que eletriza o povo ao lado de todos os ritmos de origem afro ou não que existem por lá" diz Gereba. Esta multiplicidade de influências faz com que após uma abertura eletrificada ("Santa Menina Sensual do Metrô"), siga-se um suavíssimo samba ao estilo carioca (empregando inclusive a expressão "Arrebentou a boca do balão") - "Cores do Rio", parceria de Gereba com Carlos Pita. "A Fonte é Viver Você", de Kapenga/Patinhas, tem aquela suavidade da música dos anos 30 - incluindo a citação de "Chuá-Chuá" (Ari Pavão). "Xô, Xo Pataxó" (Gereba/Capinam) tem um refrão facilmente assimilável mas é na faixa título (Gereba-Capinam), que encontramos o melhor momento, com magníficos solos de cavaquinho e violão - que nos remetem a outra fonte de inspiração de Gereba: o choro carioca. No lado B, uma mistura mais vibrante, mas igualmente de extrema competência, com "Cuba" (outra parceria de Gereba com Carlos Pita), "Brilho do Amor" (ao qual somam-se a Kapenga e Gereba, o baiano Tuzé Abreu), "Dia de Mar Azul", "A Hora H do Agora", a "Big Valley" (uma country ao estilo do cowboy tirolês Bob Nelson, quem se lembra?) e, por último, "Pimentinha no Forró". "La Nave Vá" é como o filme de Fellini - cujo título inspirou a Gereba e Kapenga: um disco que propõe viagens pela imaginação. O melhor álbum feito pelo Bendengó e, sem favor, o mais importante lançamento da 3M em seus dois primeiros suplementos. Um disco indispensável de ser ouvido.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
4
09/11/1986

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