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Aramis

MT, um pesquisador

Numa bela crônica que começou a escrever no avião que o trouxe de Campo Grande na semana passada, José Octávio Guizzo recorda os seus anos de Curitiba, onde chegou em 1959 para estudar Direito - curso que inexistia então em sua cidade natal. No emotivo texto - que promete enviar para ser publicado aqui no "Almanaque" - Guizzo recorda seus verdes anos de Curitiba, morando em pensões - depois num apartamento na Rua Westphalen, 640, dividido com dois colegas de faculdade - o Faxinal (Antônio Sêga, hoje promotor aposentado) e Werner Jahnkee (hoje assessor jurídico da Paraná Equipamentos). Uma época de indagações intelectuais, em que a Bossa Nova e o Cinema Novo começavam a aparecer e que nas etílicas reuniões se declamava "O Operário em Construção" e nascia uma paixão pela obra de Vinícius de Moraes e Drummond - ao som de João Gilberto e do jazz - do Modern Jazz Quartet a Louis Armstrong, com orientação de Carlos Arruda, goiano, apaixonado por jazz. Airto Guimorvan era baterista no King's Club e na orquestra de Osval e Raulzinho, irritado pela desatenção da freguesia da boite Tropical (hoje Pasquale, no Passeio Público), terminava as madrugadas fazendo serenatas de jazz, com seu trombone, para os búfalos - o que o levaria anos depois, ao gravar seu primeiro elepê nos EUA (onde reside há mais de 15 anos) a incluir uma faixa chamada "Water Bufalo". Aliás, foi escrevendo sobre Raulzinho e o jazz curitibano que José Octávio Guizzo venceu um concurso de reportagens para universitários idealizado por Fernando Vellozo e Ennio Marques Ferreira, então no Departamento de Cultura - e cujo valor foi devidamente bebemorado com caipirinhas na saudosa Guairacá, vizinha do então Cine Avenida. Mas ao lado do intelectual e boêmio cultural, havia o MT (sigla afetuosa com que seus amigos o chamavam) político, integrante do Partido Acadêmico Renovador desde seus tempos de calouro em que chegou a vice-presidência do Centro Acadêmico Hugo Simas, quando Antônio Lopes de Noronha - hoje secretário da Segurança Pública - era eleito presidente. O CAHS - ainda hoje existente, mas num prédio que está sendo destruído pelo tempo, na Rua Marechal Floriano - era um centro cultural e social, com intensas realizações (durante anos promovia um importante festival de teatro amador, que tinha em Edésio Passos - então muito mais intelectual do que o político que viria a se revelar nas hostes petistas - o seu grande coordenador). Naquela época, Guizzo já mostrava seu lado de pesquisador, um dos primeiros a entender e valorizar a Bossa Nova, e que levaria a produzir um programa chamado "Jazz e Bossa Nova", na rádio Ouro Verde - graças a sensibilidade de Didie Bettega, sempre de antenas sintonizadas com o que há de melhor na música. Formado em Direito em 1963, vendo seu amigo Otto Luiz Sponhols (hoje desembargador) assumir a presidência do CAHS, Guizzo voltou para Campo Grande, para ajudar sua família. Mas ali não se deixou mediocrizar pelas limitações do Direito: nestas duas décadas e meia vem realizando sempre um trabalho cultural, que o levou a ser convocado pelo seu amigo Wilson Barbosa Martins, quando eleito governador do Estado, a implantar a Fundação Cultural. Um dos fundadores da Associação de Pesquisadores da MPB, Guizzo publicou "Moderna Música Popular de Mato Grosso", único (até agora) estudo sobre a MPB naquela região. Apaixonado também por cinema, foi o primeiro pesquisador a dedicar todo um livro a único filme - "Alma do Brasil", que foi realizado em 1930 em Campo Grande pelos cineastas amazonenses Libero Luxardo e Alexandre Wulffes. Durante todo este período, porém, vinha trabalhando na biografia de sua conterrânea Glauce Rocha - que, ironicamente, só viu à distância uma única vez, quando ela fez uma de suas raras apresentações em Campo Grande com a peça "Os Pais Abstratos", de Pedro Bloch. Portanto, o livro que agora conclui, é a sua obra mais pessoal e exaustiva. Não decidiu ainda de que forma vai editá-la e embora exista possibilidade do próprio Inacem - que desenvolveu um bom programa editorial - bancar seu lançamento, Guizzo espera, com razão, uma perspectiva que o ressarça no mínimo das despesas e trabalho que teve para sua elaboração. - "Foram 17 anos de viagens, pesquisas, telefonemas e sobretudo muito trabalho para um livro que procura ser o mais honesto possível". Márcia Almeida, a polêmica roteirista de "Pagu" - e que ficou conhecida por sua briga com a diretora Norma Bengell - já lhe telefonou, interessada em fazer um filme sobre Glauce, tendo por base o seu trabalho. Afetivamente, Guizzo também vê com simpatia o interesse de Joel Pazzini, 25 anos, seu ex-assessor na Fundação Cultural de Mato Grosso, em também dar forma visual ao seu trabalho. Pazzini realizou - com a ajuda do Bamerindus - um belíssimo curta-metragem inspirado no universo poético de Manoel de Barros ("Caramujo Flor"), que obteve os principais prêmios na categoria curta, 35mm, no XXI Festival do Cinema Brasileiro de Brasília, em outubro último. Agora, concluída a biografia de Glauce, Guizzo anima-se a fazer aquilo que seus amigos há muito insistem: dedicar-se à ficção. Boas histórias, um deliciosos texto e "um pouco de nostalgia" podem resultar em uma obra muito importante.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
6
25/12/1988

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