A música da pele com o talento de Aragão
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de abril de 1987
Compositor de grandes méritos (que o digam as dezenas de sambas gravados por Beth Carvalho e outros(as) intérpretes do primeiro nível), o carioca Jorge Aragão também é bom cantor. Mostra isto em seu novo elepê - "Coisa De Pele", título de um dos mais bonitos sambas lançados no ano passado por Beth Carvalho e que dá título e abre seu novo elepê (RGE, março/87).
Aliás, Aragão é mais músico do que letrista, mas aqui a exemplo do que havia feito em "Raiz E Flor" (com Sombrinha) e em "Enredo Do Meu Samba" (com dona Ivone Lara), nesta primeira parceria com Acyr Marques, fez um samba de grande beleza e letra no qual há mesmo a justificativa de um movimento de conscientização de nossa música, através do pagode, hoje ultrapassando os preconceitos.
E a nossa canção
Pelas ruas e bares
Que nos traz a razão
Relembrando Palmares
Foi bom insistir, compor e ouvir
Resistir quem pode
A força de nossos pagodes.
Jorge Aragão não chega, obviamente, à dimensão de um Paulinho da Viola - ainda incomparável como sambista, nem a poesia de Cartola - mas tem o mérito de não só fazer bonitas canções - como "Pra Ser Minha Menina" (parceria com Adilson Victor) e "Ponta De Dor" (com Sombrinha), como escolher um repertório de autores inspirados. Por exemplo do ritmista Silvinho em parceria com João do Cavaco, temos "Retrato Falado", cujo tema é o fim de um grande amor, fazendo por desabar todos os sonhos. Do excelente baiano Nelson Rufino, que já emplacou inúmeros êxitos, temos "Amor E Paixão", que vem com o tempero baiano, um belo hino em forma de samba-lamento, também sobre o fim de uma relação amorosa e a promessa de começar de novo. O portelense Monarco está presente com "Baile No Jardim", onde fala de uma grande festa entre flores, e, caprichando no enredo e na melodia, em sua letra faz bailar cravos, margaridas, rosas e jasmins, reforçando uma de suas características musicais que é a presença de flores em suas letras.
Os sambistas são, antes de tudo, românticos e a prova está em "Mal Querer", em que Mauro Diniz e Ratinho falam da esperança de quem perde o grande amor, embora tenha uma sofrida cicatriz, espera encontrar um novo bem ("Por você vou passar sorrindo / sobrepujar este querer ruim / mal que me deixou profunda cicatriz").
E, encerrando o disco, temos "Amigos... Amantes" (Guilherme Nascimento / Roberto Serão), um samba de 82, outro hino ao amor - e cuja gravação teve o reforço do "Coral da Adega", composto por nove pagodeiros.
Jorge Aragão é um bom intérprete, a produção deste disco foi cuidadosa e ótimos instrumentistas - especialmente na percussão - oferecem o clima ajustado. Resultado: "Coisa De Pele" é um disco que fala à sensibilidade, à pele brasileira, a quem sabe apreciar gente simples cantando amor, separação, flores & esperanças.
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