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Aramis

Música Popular

A riqueza da música popular brasileira, em seu eixo nordestino, desloca-se da Bahia para outros Estados da região, com representavos artistas - desde nomes consagrados - Luiz Gonzaga, de velha geração só recentemente revalorizado, Gerando Vendré, de volta ao lar após alguns anos de Europa - ou jovens como os rapazes da Banda de Pau e Corda ou Marcus Vinícius. Nestes quatro discos -todos lança dos recentemente, um pouco da rica música do Nordeste, que teve no trabalho do publicitário Marcus Pereira, de São Paulo, a melhor produção de 1973 - prensada inicialmente para uma tiragem limitada aos clientes de sua agência, mas que pela repercussão obtida - inclusive o troféu Estácio de As, do Museu da Imagem e do Som - justificou uma nova edição, desta vez distribuída às lojas, através da RCA-Victor, juntamente com os outros discos anteriormente produzidos por Marcus Pereira, também originalmente destinados exclusivamente "a seus clientes e amigos". Mas vamos por parte... GERALDO VANDRÉ Teatro um "disc revivew" jovem e libera, como Júlio Hungria até dezembro no Jornal do Brasil", como um radical conversador, J. Ramos Tinhorão - que o substituto no "B", foram unanimes em reconhecer a importância do lp "Das Terras de Benvirá" (Philips, 6349094, dezembro-73), gravado em Paris, em novembro de 1970 mas só lançado no Brasil nos últimos dias do ano passado - o que inclusive tornou difícil a sua inclusão entre os melhores de 73. Escrevendo sobre este aguardado lp de Vandré, Hungria disse: "Aparentemente, a música de Vandré não mudou desde a última vez que o ouvimos ( à faixa que abre o disco e uma garantia insinuante como a de 63 e diz coisas como "Não viemos por teu pranto-Nem viemos pra horar"). Na medida em que se vai descobrindo no entanto, o restante do LP, a primeira impressão se destas: Vandré já não é mais o mesmo. É verdade que agora o encontramos um cantor quase impecável (como nunca foi antes), a voz aberta em sons como jamais ele havia tentado; é verdade que ele ainda é um compositor de sabor amargo e contrário, talvez agora mais brasileiro (pela visão adquirida no longo período de afastamento) - ao lado da palavra solidão, nome próprio como Valdomiro ou Virgulino, meu capitão, denunciam, entre outros, próprios ou mesmo comuns, uma ligação ainda mais profunda com a terra natal". Também Tinhorão, tão contido em seus elogios, analisando "Das Terras de Benvirá" no JB de 22-1-74, lembrou que "na verdade, é admira que um artista criador como Geraldo Vandré, tendo Deixado o Brasil em 1968 em condições tão adversas, tenha conseguido vencer todos os ressentimentos políticos e ideológicos, e na hora mais amarga da sua existência ainda haja podido monstrar que, acima dos homens e das paixões, está o amor do artista à sua terra e ao seu povo. Ao contrário de outros compositores que na mesma situação, entregaram-se à ilusão boboca da integração a um "som universal", abdicando de sua cultura em exibições públicas algumas vezes subvencionadas, inclusive, por instituições estrangeiras (caso de Gilberto Gil em Nova Iorque), Geraldo Vandré - teimosamente nordestino e brasileiro - cantou em Paris sua nostalgia e suas esperanças ("De longe eu ouço agora/As coisas que vão voltar") com um som e uma linguagem que valiam por uma afirmação orgulhosamente nacional. Quando se ouve agora este lp "Das Terras de Benvirá", fica-se mesmo a imaginar que impressão terá causado aos técnicos de estúdios franceses aquele brasileiro de aparência ascética, que aboiava sua dor em gritos da mais pura sonoridade nordestina: "Eu canto o canto/Eu brigo a briga/Porque sou forte/E tenho razão" ("Vem, Vem", faixa três do lado um). Aliás - e muito ao contrário do que afirmou o comentarista de discos do "Jornal da Tarde", de São Paulo, Poeatcutreíerbaä-c,- hfvholos. Maurício Kubrusly - o lp de Geraldo Vandré, pela busca de um estilo brasileiro, capaz de essimilar vozes regionais, ainda é um disco para ser ouvido e discutido com atualidade três anos depois de gravado, apesar das recentes contribuições de Sérgio Ricardo, de Hermeto Pascoal e do Quinteto Violado". Fora do catálogo das gravadoras nacionais em seus melhores lps "Hora de Lutar" e "Canto Geral" - "Das Terras de Benvirá" e sem dúvida um disco que há muito era aguardado pelo público apreciador da nordestina música de Vandré, que com "Disparada", em 1967, dividia o prêmio do Festival da Record, ao lado da "Banda" do então garoto Chico Buarque de Hollanda. E Vandré, já no ano anterior, havia vencido outro festival de MPB (o da Excelsior) com Fernando Lona (um de nossos melhores compositores, hoje na Bahia) defendida por ele e Tuca (hoje em Paris). Toda a obra de Vandré sempre foi de uma música iminentemente brasileira, sempre foi de uma música eminentemente brasileira, sem concessões Gravado em Paris, com acompanhamento dos músicos Marcelo Mello na Viola e guitarra (que voltaria ao Brasil em 1971 e integraria o Quinteto Violado), Kiko de Carinho (harmônica) e Murilo Alencar (guitarra) este novo (antigo) disco de Vandré necessita ser ouvido com o máximo de atenção. Como a gravadora, geralmente cuidadosa, não imprimiu as letras, é necessário ouvir várias vezes cada faixa para entender o exato sentido das palavras pronunciadas por Vandré, em sua dicção forte e rude de sertanejo que a sociedade de consumo não modificou no asfalto e no cinema armado. O disco trás oito temas de grande energia, fortalecidos pelo violão harmonicamente restrito, mas que equilibra as palavras - que é o fundamental - de cada verso: "Na terra como no céu", "Das Terras de Benvirá" "Vem, Vem", Canção Primeira", "De América", "Sara-banca" (A Festa do Lobisomem), "Ma ria Memória da Minha Canção" e "Bandeira Branca" (não confundir com o último sucesso de Dalva de Oliveira). Um disco bonito e brasileiro, digno e vigoroso, este "Das Terra de Benvirá", que em boa hora, finalmente, a phonogram lança no Brasil. MARCUS VINICIUS/ANAH Já na primeira frase do vanguardista texto de contracapa, o compositor-cantor explica "este disco chega mesmo com alguns anos de atraso/não por culpa minha, mas porque está mesmo difícil fazer um bom disco hoje em dia, principalmente quando a intenção é dizer alguma coisa/o certo é que este disco, trazendo canções escritas entre 1968/71, é uma espécie de compromisso com um trabalho que não vi como deixar de registrar - apesar de minha percepção atual já estar interessada em outras opções musicais, diante das quais o meu próprio sentimento não se colocou ainda totalmente à vontade". Marcus Vinícius, baiano do Carauaru, há alguns anos na Guanabara, ex-professor no instituto Villas Lobos e pesquisador no laboratório de música do MAM, GB, de um grupo musical de excelente formação Sidney Miller, Paulinho da Viola (a quem dedica o lp), Reginaldo Carvalho e outros - não só oferece em "Dédalus" (Continental, SLP 10181, janeiroy 74), um excelente punhado de composições como também demonstra boa voz e traz a revelação de uma jovem cantora chamada Anah. "Dédalus" é um disco de idéias musicais plenamente realizado, inteligente e criativo em cada faixa, que faz com que Marcus Vinícius mereça o máximo de atenção de quem se interessa pela contemporânea MPB e nos faz lamentar, mais uma vez, que as rádios divulguem tão poucos os trabalhos de maior profundidade como esta produção de Walter Silva. Usando uma solida (in)formação musical/literária, Marcus Vinícius produz versos como o que dá titulo ao álbum: "Carretel desenroladoyno labirinto do lábio/Na boca desse embolada/Dedo dédula, de nada..."Todas as músicas são extraordinariamente criativas e a valorização vocal dada por Anah, jovem e boa cantora, é das mais importantes, pois como reconhece o próprio cantor, "conhecendo há muito o meu trabalho, ela se projeta dentro dele como se fosse seu, participando de minhas intenções e muitas vezes recriando-a". Das composições apresentadas, "Pra santidade" é a mais recente (1971/72) ë já insinua minha preocupação atual com a melódica contemporânea, existente também em "palhaço lunar". As outras composições concentram os sons mais diversos, tirados das orquestras de frevo, bandas de pifano, jazz, música impressionista, ritmos impares numa fusão de herança cultural nordestina a informação recebida dos mestres contemporâneos - do alemão Stockhausen ao também nordestino Marlos Nobre - hoje o mais importante músico ( de formação erucita) contemporâneo do Brasil. "Ledulas" e a primeira grande revelação para o Brasil do talento de Marcus Vinícius, há anos desenvolvendo um trabalho séria na GB, mas que só agora pode ser melhor conhecido. Ouçam o moço e vejam se não temos razão! LUIZ - GONZAGA há um ano, na noite do aniversário de Curitiba, 29 de março, graças ao patrocínio do empresário Rubens Teig (Lojas Universal), o compositor-cantor Luiz Gonzaga vinha a Curitiba para cantar na concha acústica da Praça Afonso Botelho. Sem muita publicidade, tempo instável como sempre, o veterano artista nordestino, levou o maior público já reunido naquela nova praça: mais de 6 mil pessoas vindos dos mais diferentes pontos da cidade, ali foram aplaudir este pernambucano de 62, que há mais de 40 é um dos mais legítimos representantes da música brasileira - adorado pelos mais analfabetos jagunços do Nordeste as mais sofisticadas e bem informadas elites musicais - a tal ponto de que até os Beatles, em seu apogeu (1964-66) se interessaram em gravar algumas de suas composições. Criador de clássicos como "Asa Branca", "Galo Garnizé" e tantos outros, Gonzaga voltou a ser valorizado na década de 60, com constantes gravações, motivando a produção de documentários sobre sua obra e "especiais" de televisão. Agora, quando volta aos noticiários dos jornais a ser anunciada sua próxima (definitiva?) aposentadoria, voltando a Exu, cidade famosa pela violência política - que ele há anos tenta apaziguar - a Odeon, gravadora para a qual passou após várias décadas na RCA, lança um novo disco, produzido com imensa capricho pelo maestro Milton Miranda. Nas faixas apenas um trabalho individual de Luiz Gonzaga ("Choromingó") que em várias outras recorreu a novos (?) parceiros, como Luiz Ramalho ( "Retrato de um Foró" e "Daquele jeito"), Janduò Finizola ("Cavalo Crioulo") e Onildo Almeida ("E Sem Querer). "Daquele Jeito..." é um álbum que terá uma grande vendagem em todo o Nordeste, será consumido pelas parcelas mais populares da população mas, intrisicamente, contem valores artísticos que o fazem mais um disco válido na já respeitabilissima fonografia deste grande brasileiros e artistas que é Luiz Gonzaga. BANDA DE PAU E CORDA Em nossa coluna diária, no 2.o caderno de O ESTADO, já nos referimos ao lançamento do lp "Vivência" (Victor 103.0086, dezembro/73) revelando a Banda de Pau e Corda, grupo pernambucano que desenvolve um trabalho na mesma (e válido) linha do Quinteto Violado. Seus integrantes, estudantes jovens interessados numa arte nacional - Sérgio, 18 anos, Valtinho, o compositor da maioria das musicas; Paulinho, 19 anos; Paulo Fernando, 24 anos; Roberto Andrade, lider do conjunto e Matias, flauta, 26 anos - começaram exibindo-se no palco de uma pequena casa de espetáculo batizado com o nome de "Olho Nu", em Recife. E foi lá, conta J. Tinhorão, que o produtor José Milton, da RCA Victor, os foi descobrir, enviando ao Rio a fita responsável por este lançamento da música dos jovens pernambucanos para conhecimento de todo o Brasil. Na mesma linha regional de Edu Lobo e, é claro, com uma natural influência do Quinteto Violado, a Banda de Pau e Corda demonstra muita garra e personalidade, e assim já na primeira faixa do disco (JB, 25-1-74), a composição "Vivência" (que dá título ao lp), retorna a preocupação de Ariano Suassuna de redescoberta das origens bar rocas da música nordestina. "Pai de Barro" é uma homenagem ao artista popular Vitalino (Pereira da Silva, 1909/1963); há dois frevos notáveis- "Alegoria"(Roberto Andrade/Waltinho) e "Voltei Recife" do conhecido Luiz Bandeira. A seriedade do lançamento deste novo grupo instrumental-vocal vai no texto de contracapa, assinado pelo respeitabilissimo Gilberto Freyre - o mais famoso sociologo-escritor do Nordeste, que escreve alguma coisa que merece ser transcrita: "A poesia escrita no Brasil nasceu no Nordeste: em Pernambuco" foi isto no século XVI. O poeta, Bento Teixeira. Talvez tocasse viola, como os jovens que morreram em Alcacer-Kibir. Mas mesmo antes da escrita, deve ter madrugado a poesia cantada. As que primeiro cantou no Brasil o azul de umas águas, o verde de umas matas, o moreno de umas mulheres diferentes das européias. De modo que o novo e admirável grupo de jovens ao Recife que contam sua poesia acompanhada música - os jovens da acompanhada música - os jovens da "Banda de Pau e Corda" - cantam pelo Nordeste de sempre. É novo é de sempre". MUSICA POPULAR DO NORDESTE Já nos referimos aqui várias vezes sobre a importância do álbum (4 lps "musica Popular do Nordeste" produzido pelo publicitário Marcus Pereira e distribuído inicialmente aos seus clientes e amigos. Mas como, atendendo as centenas de sugestões, o notável publicitário decidiu reeditar a coleção, distribuindo-a (via RCA) as lojas, aqui fica a dica: trata-se do mais completa pesquisa já feita sobre a música do Nordeste, num trabalho de vários meses aos quais se somaram aos trabalhos do planejamento e coordenação de Hermilo Borba Filho, a pesquisa, tratamento e execução do Quinteto Violado, com a participação especial da cantora Zélia Barbosa e do instrumentista Deda. Lançada em 4 lps independentes - mas que juntos formam uma unidade - a coleção traz faces de cada disco dedicadas a Frevo, Violeiros e Cirandas, Bunba Meu Boi, Samba de Roda, Coco, Bambêlo, Emboladas e Banda de Pifanos. Profundos e didáticos textos de Euriclides Formiga, Renato Carneiro Campos, Aluizio Falcão, Hermilio Borda Filho, padre Jaime C. Diniz (da Academia Brasileira de Música), Ariano Suassuna e Paolo Cavalcanti completam o sentido cultural desta coleção da maior importância e que deveria ter apoio oficial do Ministério da Educação e Cultura. Uma coleção que nenhum brasileiro interessado em nossa cultura popular pode deixar de possuir. Marcus Pereira lançou também no mercado suas outras produções de MPB - "Álbum de Família" com Renato Teixeira, "A Música de Carlos Paraná", "Bom é o Juca"(composições de Carlos Magno), Paulo Venõolini ("Onze sambas e uma capoeira") , Marenhão/Renato Teixeira" e "Brasil, Flauta, Cavaquinho e Violão", todas produzidas entre 1967/72, mas cujo mentário mais detalhado fica para outra ocasião.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
03/03/1974
Eu novamente, Aramis. Haveria uma forma de ter uma cópia escaneada deste artigo? abraço. Daniela

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