Login do usuário

Aramis

Na tela, o palco iluminado da vida

Duas visões dos bastidores do teatro tendo por cenário a II Guerra Mundial: a Paris ocupada em Ö Último Metrô"(Cinema I, somente hoje às 14, 16, 18 e 20 horas) e a Inglaterra bombardeia nazistas em "O fiel Camareiro"(Cine Astor, hoje e amanhã). Se "Le Dernier Metro", que François Truffaut realizou há quatro anos é um filme abrangente, sobre um grupo teatral da resistência que procurava sobreviver no período mais difícil da ocupação, em "The Dresser "o texto de Ronald Harwood mergulha no sentimento e tragédia de velhos tempos profissionais do teatro. Ambos, entretanto, têm em comum a qualidade, a emoção e a sinceridade. O relançamento de "O Último Metrô" - dentro de uma semana de reprises de filmes estrelados por Catherine Deneuve, motivada da visita da famosa atriz ao Brasil (quinta-feira estará em Curitiba) é a (feliz) oportunidade de resvaliar um dos filmes mais interessantes de Trauffaut. Cineasta dos sentimentos, normalmente distante de cenas de ação ou suspense, preferindo muito mais o universo das pessoas nas quais centra sua câmera, em "Le Dernier Metro" é construído todo um clima especial sobre a ação subterrânea de um membro da resistência, o diretor Lucar Steiner (Jean Poriet), que permanece escondido enquanto sua bela esposa, a atriz Marion (Catherine Deneuve) assume a realização de uma importante peça. O desenvolvimento da história vai tendo um crescimento proporcional ao envolvimento dos personagens - entre si "o relacionamento de Marion e Bernard, interpretado por Gerard Depardieu) e também politicamente. A fotografia do mestre Nestor Almendros é perfeita, transmitindo as nuances psicológicas da trama, enquanto a música de George DeRue não poderia ser mais ajustada. Enfim uma pequena obra-prima, em exibição apenas hoje. Amanhã, teremos "Brindemos a Nós Dois"(A Nous Deux, 79, de Claude Lelouch) e dias 31, 1o. e 2 de setembro, "Hotel das Américas", de André Techine - dois filmes interpretados por Catherine, que passaram relativamente despercebidos em Curitiba. xxx Assistindo "O Fiel Camareiro", o espectador mais(bem) informado não deixa de se irritar com a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: como é o Oscar não foi concedido a nenhum dos dois atores principais desta fita magnífica, indicados à estatueta? Tom Courtnay e Albert Finney? Ainda mais considerando-se que o ator que acabou sendo premiado, Robert Duvall, dificilmente será apreciado por sua interpretação: "Tender Mercies", o filme em que atuou devido à sua temática regional (os problemas de um cantor country americano) não está previsto para exibição comercial no Brasil. Assim como "O Despertar de Rita"- que valeu a Michael Caine também indicação ao Oscar de melhor ator - este "The Dresser" tem origem teatral. Foi adaptado para a tela pelo próprio autor, Ronald Harwood (igualmente indicado ao Oscar, perdeu para James L: Brooks, de "Laços de Ternura"). A peça fez carreira em Londres e Nova Iorque e nos devolve um universo já visto em muitas obras cinematográficas e teatrais e teatrais: os bastidores do teatro. No próprio núcleo em que se cria e vivem emoções, transcorre o profundo drama do velho ator shakesperiano, Sir (Albert Finney) e seu camareiro, Norman (Courtnay). Um dos mais brilhantes críticos brasileiros, Rubem Ewald Filho, lembrou com precisão ("O Estado de São Paulo", 22/6/84), que "O Fiel Camareiro" é um filme especialmente "destinado" a quem gosta de teatro, fazendo recordar "A noite Americana", de Truffaut. Aquele filme era uma espécie de carta de amor ao cinema. Aqui, o amor é declarado ao teatro, ao fascinante mundo do palco, com sua mitologia, sua leis próprias, seus personagens inesquecíveis". O autor da peça, o inglês Ronald Harwood, foi camareiro do ator Sir Donald Wollfit, nos anos 50. Assim, tudo o que descreve parte de sua própria experiência. Harwood nos remete a um tempo e a um tipo de teatro que não existe mais. Era uma tradição na Inglaterra as excursões pelo Interior com peças shakespearianas estreladas por atores veteranos e consagrados, que adaptavam os textos à sua própria personalidade. Entretanto, "O Fiel Camareiro" não é apenas um filme de teatro. É uma dolorosa reflexão sobre a velhice, sobre o final da carreira de um marcante ator, mas que está velho e decadente. A velhice não veio acompanhada de uma previsível humildade, e ele continua conhecido apenas por Sir - título que dispensa maiores explicações para justificar seus inevitáveis arroubos de autoridade. O mesmo poder capaz de fascinar durante décadas o público ávido por tragédias shakespeareanas, Sir exerce tiranicamente dos bastidores e não hesita extrapolar para fora os domínios. Afinal, não será um simples maquinista com mania de pontualidade que ousará contrariar os desejos do Sir. Assim, na primeira (e uma das únicas) seqüência exterior, ao longo de uma estação ferroviária, um incontestável "Stop that train" (pare o trem) ecoa pela gare. Humilde, como observou Susana Schild, "esta fixado o modelo do comportamento de Sir em um dos melhores momentos de "O Fiel Camareiro". Pela sua própria origem teatral, "The Dresser" é um filme de interiores - o camarim e o palco, onde se representa "Rei Lear", de Shakespeare. A câmera utiliza bastante o recurso do close e primeiros planos, para demonstrar a velhice do personagem, a angústia de seu camareiro Norman, quando o velho ator esquece as falas do texto shakespereano. O público passa a exercer uma espécie de torcida para que a peça chegue ao fim. É um filme belo, lindo! Emocionante a todos que sabem ver a arte e a vida, numa obra marcante e interpretações antológicas. Finney e Courtneay mereceriam um prêmio especial (concorreu também ao melhor filme e direção, perdendo para "Laços de Ternura"). Os coadjuvantes compõe com perfeição o retrato dos bastidores: a jovem ambiciosa, a diretora de cena apaixonada pelo ator, o Iago tão eficiente que provoca ciúme. Finneu, apenas 47 anos, interpreta o setuagenário "Sir" para simbolizar a submissão de um pobre mortal a um monstro sagrado. Courtnay criou um afeminado e aparentemente frágil e submisso Norman que desenvolve porém um personagem fortíssimo, que conhece a fundo o Sir, suas manias e fraquezas. Sabe que ele está física e emocionalmente acabado, que mal agüenta subir ao palco e com enorme dificuldade lembra-se dos textos que repetiu 227 vezes. Mas assim como Sir, Norman tem o teatro nas veias e conseguir que Sir represente mais uma vez é desafio que enfrenta como se sua própria carreira estivesse em jogo. E no fundo está, como precisamente lembrou Susana Schild nas páginas do "Jornal do Brasil"(22/6/84).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
26/08/1984

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br