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Aramis

Nas belas imagens, a Capital do 3º Milênio

O primeiro episódio, "A Paisagem Natural", praticamente não tem diálogos. A fotografia (perfeita) de Walter Carvalho captura toda a natureza exuberante do Planalto Central: cachoeiras, rios, chapadas, cavernas, bichos e a vegetação do cerrado. Traçando um círculo de 500 quilômetros ao redor do Palácio Alvorada, Wladimir de Carvalho procurou todos os cenários capazes de mostrar a terra em que com sua pequena equipe começou as filmagens, teve a idéia de "cobrir uma mega Brasília para além do entorno próximo, com seus riachos e cachoeirinhas domingueiras dos infectíveis pic-nics dos brasilienses". - Eu queria a vastidão do Planalto até os seus confins e até onde é chegado o espectro geopolítico de Brasília, numa licença poético-cinematográfica e num raio livre das peias dos meros limites territoriais. Ao mesmo tempo, num movimento circular voltar a cidade e mostrá-la invadida e permeada dessa natureza exuberante que não está só lá fora, mas forma com ela um continuum. E assim foi, deixando-me embalar pelo canto aliciante da natureza agarrado ao tripé da câmara". Com imagens belíssimas - cenas captando todas as nuanças do céu de Brasília, com nuvens em imagens que parecem saídas dos estúdios de efeitos especiais de George Lucas, em contraste com detalhes do cerrado - e pouquíssimas intervenções do homem (numa delas, o depoimento de um caçador de onças), faz com que "A Paisagem Natural" valha como uma pequena jóia visual. Em seguida, vem o episódio "O Sinal da Cruz". O cearense Pedro Jorge de Castro, 44 anos, também professor da UNB, que realizou há 5 anos o belo "Tigipió" e se prepara agora para o seu segundo longa-metragem, com início de filmagens previstas para dezembro, mostra a caminhada do homem brasileiro do Litoral ao Interior. Com três intérpretes centrais - os cearenses B. De Paiva (há anos radicado em Brasília), Regina Dourado e João Antônio, o curta de Castro "resgata o civilizatório Gilbertifreiriano incorporando sua meta-raça e vendo Brasília como um ciclo econômico da história do Brasil", como ele próprio explica. No início, apenas dois personagens, aos quais vão se somando outros - até chegar a Brasília-89, em seus símbolos do poder. Moacir de Oliveira, mineiro, antes de assumir a presidência da Embrafilme, realizou o episódio "Suíte Brasília", ilustrado como a música de Renato Vasconcelos - e mesclando depoimentos (infelizmente inaudíveis e que deveriam ser legendados) de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa - que falam sobre o conceito arquitetônico e urbanístico da cidade que JK construiu. Baiano, pioneiro do ciclo do novo cinema daquele Estado a partir de "Redenção", Roberto Pires fez de "A Volta do Chico Candango" o episódio mais político: focando um candango que ajudou a construir a cidade e que hoje, vivendo no Interior, tem suas terras ameaçadas, Pires compõe um painel social da luta pela terra, terminando com uma mensagem de otimismo pela reforma agrária. xxx Pedro Anísio, 32 anos, que durante três anos (1983/85) residiu em Curitiba (aqui filmando Paulo Leminski, para um curta, "A Destruição dos Brinquedos", que espera recursos para ser finalizado), teve um tema-desafio: sintetizar em 15 minutos o misticismo que caracteriza Brasília como a capital do terceiro milênio, sonhada por Dom Bosco e na qual existem mais de 3 mil seitas das mais diversas. Se o jornalista Celio Calmon, num documentário em vídeo recém-lançado ("Brasília, mistério e magia", produção da Hórus), partiu para o detalhamento das inúmeras seitas, Pedro Anísio utilizou a criatividade. Apaixonado pela linguagem dos quadrinhos, trouxe o personagem Spirit, de Will Eisner (numa interpretação de J. Pingo, irmão do ator Paulo Cesar Pereio) para, em Brasília, buscar o auxílio de Raul de Xangô e também no Vale do Amanhecer, a mística comunidade fundada por Tia Neiva (Zelaia, 1929-1985), uma caminhoneira que teve uma visão na estrada e criou uma comunidade que hoje com mais de 5 mil adeptos, se constitui em atração internacional a menos de 50 minutos do Plano Piloto. xxx No último episódio, "A Capital do Brasil", Geraldo Rocha Moraes, gaúcho de Santa Maria, 50 anos, desde 1964 professor na Universidade de Brasília - onde também dirige o Centro de Produção, buscou com as imagens de Walter de Carvalho, "a síntese racial/cultural do sotaque brasileiro vivenciado em Brasília". Assim, em imagens que mostram a Brasília noturna, os pontos de encontro das pessoas, entremeou depoimentos. O roqueiro Renato Russo, da Legião Urbana, explica o fenômeno de terem aparecido tantas bandas roqueiras no Distrito Federal. O psicanalista Umberto de Mello, expõe, com bom humor, a tese dos pioneiros e piootarios que caracterizam, folcloricamente, a formação humana do Distrito Federal. O arquiteto José Carlos Coutinho oferece uma visão da Brasília atual, que ficou longe daquela cidade, humanamente sonhada por Niemeyer - na qual o motorista seria vizinho do ministro e cuja população só alcançaria um milhão de habitantes, após o ano 2.000 (só uma das cidades-satélites, Ceilândia, já passou dos 800 mil habitantes). Assim como em "Suíte Brasília", também o episódio de Geraldo ressente-se de títulos identificando os depoimentos, falha que vai corrigir a partir da terceira cópia do filme.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
18/11/1989

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