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Aramis

Nas reprises, o melhor da música ajustada às imagens

Apenas uma estréia nesta terceira semana de 1989: "Idolatrada", produção nacional de pouquíssimas referências, dirigida pelo desconhecido Paulo Augusto Gomes, com Denise Bandeira, Mário Lago e Eduardo Machado (Cine Groff, 5 sessões). No mais, a programação nas telas continua a mesma da semana passada - mas com opções interessantes. Especialmente filmes que se identificam por excelentes trilhas sonoras - que aqui são registrados. Por uma coincidência de programação, três reprises que fogem do esquemão de férias - sucessos de bilheteria/censura livre, para uma faixa (aparentemente), infanto-juvenil, coincidem em felizes encontros do cinema e da música americana. De longe, o mais significativo é a extraordinariamente humana visão que o francês Bertrand Tavernier fez sobre os jazzmen que se auto-exilaram na França dos anos 50 na obra-prima "Em Torno da Meia-noite" (Cine Luz, 4 sessões). Já os blues, sua mitologia e significado tem uma espécie de parábola no igualmente fascinante: "A Encruzilhada" (Cine Luz, 5 sessões), enquanto que, indiretamente, "A Cor Púrpura" (Cinema I, 20h30) também tem em sua antológica trilha sonora um dos pontos altos - não só pela criação de Quincy Jones, mas também na utilização de standards do jazz - com participações gravadas originais, de Coleman Hawkins (1904-1969) em "Body and Soul" ou de Louis Armstrong and His Hot Seven. Como se não bastasse esta conjunção musical excelente, uma das principais personagens, é a cantora de blues Shug Avery (Margaret Avery, em marcante atuação), fundamental dentro da história pela conscientização que traz a sofredora Celie (Whoopi Goldberg) de seus direitos e a sua elevação como criatura humana. A música é, dentro do cinema, uma área que vem merecendo cada vez mais atenção - haja visto o número crescente de edições de elepês (e agora CDs) com as trilhas sonoras que passam a ter cada vez maior número de cultores. Basta dizer que quase dois meses antes da Warner aqui lançar "Bird" (em cartaz desde ontem no eixo Rio-São Paulo), a trilha sonora cine-biografia do saxofonista e compositor Charlie "Bird" Parker (Kansas City, Missouri, 1920 - Nova Yorque, 1955) já chegava nas lojas, em versões convencional e CD, pela CBS . Assim como Herbie Hancock, compositor, arranjador (e também ator), em "Round Midnight" soube criar uma trilha sonora tão magnífica que, merecidamente levou o Oscar em 1988 (produzindo material de tamanha qualidade que justificou a edição do mesmo em dois álbuns, um pela CBS, outro pela Blue Note - EMI/Odeon), também Lennie Niehaus, convidado por Clint Eastwood realizou em "Bird" um trabalho que o torna um dos fortes candidatos a também ganhar o Oscar na categoria de trilha sonora adaptada. Em "Round About Midnight", a partir do próprio tema de Thelonious Monk, cujo título foi tomado o filme, Hancock reuniu alguns dos melhores jazzistas contemporâneos para, junto com o ator-saxofonista Dexter Gordon (indicado ao Oscar de melhor ator) criar todo um universo esplêndido. Inspirado na vida do pianista Bud Powell (1924-1966), que residiu por 4 anos em Paris (1959- 1962) numa fase dramática de sua vida, "Em Torno da Meia Noite" é acima de tudo, um filme sobre a amizade e a admiração que um desenhista francês, Francis Borier (François Cluzet) dedica a um personagem claramente inspirado em Powell - o saxofonista Dale Turner. Abandonado pela esposa, Sylvie (Christine Pascal), vivendo com sua filhinha, Berangere (Gabrielle Haker), Francis dedica-se a cuidar de Turner, acometido de sucessivas crises de alcoolismo. Como atores aparecem músicos - Herbie Hancock como Eddie Wayne. Bobby Hutcherson como Ace, a cantora Lonette McKeene, além de uma participação especial do cineasta Martin Scorcese (diretor de "A Última Tentação de Cristo") como o empresário americano Goodley, numa longa seqüência em Nova Iorque. Mas é na trilha sonora que brilham além de Hancock, Gordon e Hutcherson, nomes como John McLaughlin, Wayne Shorter, Ron Carter, Billy Higgins, Tony Willians, Freddie Hubbard, Cesar Walton, entre outros - fazendo de "Round Midnight" um filme para ser visto/revisto pelos fãs de jazz, que ainda tem as opções de adquirir os dois álbuns com sua trilha sonora - e, dispondo de Cz$ 60 mil, comprar agora o vídeo, recém lançado pela Warner - que já se encontra em algumas locadoras de qualidade (em Curitiba, a Disc Tape, a que melhor atende sua clientela). Outras trilhas/filmes - Robert Johnson (Clarksdale, Mississipi, 1913 - San Antonio, Texas, 1937) foi uma personagem mitológica do blues. Cantor e compositor, surgiu nos anos 30 com a força extraordinária, gravando (em condições precaríssimas, muitas vezes em quartos de hotéis de terceira classe), blues que ficariam para a história - e que, em três elepês, a CBS editou recentemente no Brasil. Andarilho, boêmio, morreu assassinado ainda jovem, possivelmente devido aos ciúmes de um marido traído. Personalidade tão fascinante, merecedor em si de ser tema de um filme específico, Johnson é, indiretamente, o fio condutor de "A Encruzilhada", na qual um jovem músico, Eugene Martone (Raph Macchio) abandona escola e família para, libertando um velho bluesman que estava preso num hospital para idosos em Nova Yorque, o simpático Willie Brown (Joe Seneca), empreender uma viagem pelos caminhos do "old south", na busca de uma canção perdida que o velho bluesman lhe promete revelar. No caminho muitas aventuras, o encontro com uma hippie atraente, francesa (Jami Gertz) e um final simbólico, com toques fantásticos - tudo emoldurado por blues do melhor nível na trilha sonora que Ry Cooder ("A Baía do Ódio", "Paris Texas") montou para a obra de Walter Hill, diretor de carreira desigual. A trilha sonora de "Crossroads" (A Encruzilhada) saiu há quase dois anos no Brasil pela WEA e o vídeo (pirata) era um dos mais procurados até há pouco. Willow e Rabbit - Dois outros filmes em cartaz na cidade também trazem trilhas interessantes, ambas editadas pelas BMG/Ariola (ex-RCA), que parece estar acreditando no potencial deste filão do mercado. "Willow - na Terra da Magia" de Ron Howard (o mesmo diretor de "Splash - Uma Sereia em Minha Vida" e "Cocoon") - mas antes de tudo um filme de produção (George Lucas, o mago dos efeitos especiais) tem sua trilha sonora garantida pela competência de James Horner, cujo conceito cresceu nestes últimos anos, pelas sound tracks que realizou para "O Nome da Rosa", "Um Conto Americano" e "Alliens" (todas editadas no Brasil). Filme-fábula, repleto de efeitos especiais criados por John Richardson (Oscar por "Allien"), a música de "Willow" desenvolve-se dentro do clima de magia de uma história ambientada em algum lugar (muito distante) no passado (mais ainda) - capturado em cenários fantásticos da Nova Zelândia e País de Gales - uma das razões que explicam o sucesso deste filme que continua em exibição no Cine Condor. Já a trilha sonora que Alan Silvester produziu para "Uma Cilada para Roger Rabbit" (Cines Astor/ Bristol) é tão inovadora quanto a técnica que esta produção nascida da união de Steven Spielberg/estúdios Disney, trouxe para o cinema ao fazer, com a máxima perfeição, a junção de intérpretes (Bo Hoskins, Christopher Lloyd, Joanna Cassidy etc.) com personagens desenhados (Rabbit, Jessica etc.). "Who Framed Roger Rabbit", com toda razão, o acontecimento cinematográfico da temporada (e que em julho estará disponível em vídeo) é o renascer do cinema de animação com uma tecnologia que torna aquilo com que Disney, falecido há 22 anos sonhava, realidade. Os 16 temas de "Roger Rabbit" foram gravados com a participação da London Symphony Orchestra, com solos de Jerry Hey (pistão), Tom Scott (saxofone), Randy Waldman e Chet Swiatkowski (piano) e Harvey Mason (bateria). A cantriz Amy Irving, esposa de Spielberg, faz o vocal no belo "Why Don't You Do Right?" - uma trilha sonora tão agradável e fascinante quanto o filme. E que você já pode levar para casa. Outras atrações - "Beetlejuice - Os Fantasmas se Divertem", uma das comédias de melhor bilheteria de 1988 - e que por isto mesmo logo será relançada no Bristol - também tem sua interessantíssima trilha sonora, criada por Danny Effman, editada pela WEA - e como curiosidade há duas faixas com Harry Belafonte, 62 anos, nome hoje esquecido mas que nos anos 50 fez o mundo cantar o calipso com "Matilde", enquanto aparecia como ator em vários filmes. Ainda em forma - e com sucesso na Europa e EUA (no Brasil há anos não aparecia nenhum de seus álbuns), Bellafonte canta os temas "Day-O" e "Jump In Line". Para quem prefere a música minimalista de Philip Glass, a trilha que fez para "Koyaanisqatsi" - e que aliás praticamente o revelou no Brasil - acaba de ser reeditada (anteriormente havia saído em edição dirigida, pelo Museu do Disco/CBS, pela WEA). Outros filmes, com trilhas marcantes - como "Good Morning, Vietnã" (Polygram) e "Buster", que foi criada por Phil Collins - também - ator e interpretadas por uma nova cantriz, Anne Dudley, também estão chegando antecipadamente aos filmes, ou seja, já valem como trailler sonoro das próximas atrações nas telas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
13/01/1989

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