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Nativismo faz a música gaúcha crescer bastante

Primeiro dos festivais nativistas do Rio Grande do Sul, criado há 16 anos passados, a Califórnia da Canção, realizada há três semanas, voltou este ano ao tradicionalismo radical - provocando, assim, pesadas críticas de quem, como os jornalistas Juarez Fonseca e Gilmar Eitelvein, da "Zero Hora", há tempos defendem uma abertura do movimento nativista. A questão é ampla e polêmica, capaz de por si só já suscitar todo um seminário - razão aliás, por que nem chegou a constar dos painéis do Acorde Brasileiro, em Tramandaí, na semana passada. Há um ano, a vitória de uma moderna música de Jerônimo Jardim - "Astroaragano" (no qual dava uma interpretação nova sobre a passagem do cometa Halley), provocou não apenas protestos do público, mas autor e júri só saíram do palco da cidade de lona, em Uruguaiana, com proteção policial. Jardim, compositor que, há 6 anos, já havia sentido o peso das vaias do maracanãzinho, quando Lucinha Lins foi a vencedora do I MPB-Shell, com seu "Purpurina", ficou tão chateado com a incompreensão do público de Uruguaiana, que há 5 meses anunciou sua decisão de não voltar mais a se apresentar em público - ele que é bom cantor também. Vai continuar compondo, mas para sobreviver retomou suas atividades de advogado e publicitário. xxx Nesta semana, chegam nas lojas do Sul os elepês de três festivais nativistas - a 6ª Seara da Canção Gaúcha (Carazinho), o 4ª Musicanto-Sul-Americano de Nativismo (Santa Rosa) e a Califórnia da Canção Nativa (Uruguaiana), produções de Ayrton dos Anjos, 38 anos, pela Continental. O mais ativo dos produtores fonográficos do Sul, responsável pela realização de quase 50% dos 820 elepês documentais da música gaúcha lançados a partir de 1980, Ayrton dos Anjos - o estimado "Patinete", tem sido um dos responsáveis pelo boom nativista, não só através da documentação dos festivais em elepês, como promovendo shows com os compositores, intérpretes e músicos dos festivais, levados inclusive ao Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, a partir de 1982. Agora, Patinete está interessado em ampliar as atividades para o Paraná. Neste mês, foi lançado o elepê com as 12 finalistas da 16º Fercapo da Canção Popular, em Cascavel, enquanto o Cante Terra, festival nativista realizado em Campo Mourão (setembro, 26 a 28) também teve suas 12 finalistas gravadas, para um álbum que sairá em breve. xxx Prosseguindo um pioneiro trabalho do pesquisador Paixão Cortes, que até 1980 havia levantado nada menos que 1,425 gravações de artistas gaúchos (entre 78rpm, compactos e lps), Cesar Praxedes, 34 anos, diretor do Departamento de Folclore Aplicado do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, já inventariou 820 gravações (dos quais apenas 80 compactos) que foram realizadas com artistas do Rio Grande do Sul nos últimos seis anos - ou seja, mais de 130 discos por ano. Um número impressionante, para um Estado que cultiva suas tradições musicais e que tem um movimento musical próprio, independente de outros centros, embora sua música chegue a todo o país, especialmente onde existem migrantes gaúchos - como o Oeste e Sudoeste do Paraná. Só em Cascavel, a loja Discolândia, do empresário Edgar Bueno (presidente da Associação Comercial local), tem nas vendas de música gaúcha mais de 70% de seu movimento - a tal ponto que já pensou em promover um festival nativista na cidade, já que o Fercapo tem, em sua formulação, uma proposta elitista, desprezando os compositores e intérpretes nativistas, existentes às dezenas, em nosso Estado. xxx Independentemente do interesse de gravadoras de porte nacional pelo mercado musical nativista - como a Continental, Sigla (que chegou a criar um selo especial, em conjunto com a RBS/Zero Hora, atualmente desativado), outras etiquetas locais produzem muitas gravações, sem preocupação de exportarem aos outros Estados. A Quero-Quero, de Gilberto Carvalho (produtor de programas de rádio, compositor, apresentador de shows), registra muitos festivais, enquanto a Pealo, de Porto Alegre e a ACIT, de Caxias do Sul, também tem seus catálogos. Este ano, um experiente homem de discos, Nilo Odone Sehn, 53 anos, 30 de fonografia, proprietário da cadeia "Discoteca", criou uma etiqueta que já lançou 30 álbuns, que somente no Rio Grande do Sul venderam mais de 100 mil exemplares - o campeão dos quais é o acordeonista Alex Hohenberger, líder do grupo Caverá. Só agora, quando prepara-se para colocar mais 20 títulos no mercado (a saírem, tão logo a RCA possa prensar o material), Nilo pensa em entrar em outros Estados. O primeiro mercado que o atrai é o do Paraná. xxx Os resultados da Califórnia, Edição-1986, ainda não foram digeridos pelos que querem uma maior abertura do movimento nativista. Embora os uruguaienses estejam felizes - já que a conservadora "Tropeiro do Futuro", vencedora da "Calhandra de Ouro" (o troféu de posse transitória dado ao grande campeão) é de dois autores daquela cidade, Adão Quintana Vieira e Armando Vasques, as críticas se sucedem. Juarez Fonseca, com sua autoridade de quem acompanha de perto o movimento nativista e prepara atualmente um livro a respeito diz que, este ano, a "Califórnia" conseguiu dar muitos passos atrás e contradizer sua história. Foi, desde o início, um jogo de cartas marcadas. Todas, literalmente todas as músicas que formulavam novas idéias no sentido do presente/futuro da música regional gaúcha receberam o sinal consagrado pelos antigos imperadores romanos, do polegar voltado para baixo, indicando morte. E assim pelo menos metade das músicas integrantes do disco (isto é: as finalistas), são inferiores as deixadas fora, em termos de qualidade". xxx Se a Califórnia-86 está sendo contestada em seus resultados, em relação ao 4º Musicanto - Festival Sul-Americano de Nativismo, realizado em Santa Rosa, houve senão unanimidade, ao menos um consenso: é hoje o segundo evento nativista do Rio Grande do Sul em importância artística e o primeiro em termos de organização. Realizado em outubro último, o elepê com as 12 finalistas também está saindo agora. As premiadas no Musicanto, organizado pelo acordeonista Luís Carlos Borges, foram "Brasiliana" (Robson Barenho/Talo Pereyra), interpretada por Neco Fagundes: "O Bombo da Noite" (Sérgio Jacaré/Vinícius Brum), interpretada por Leandro Cachoeira e Zé Caradipia e "Borboleta Negra" (Beto Barros/Marcos Ungaretti/Telmo Martins/Ricardo Farias), em interpretação coletiva. Vítor Hugo, uma das mais belas vozes do Sul - e que em 1987 gravará seu primeiro elepê solo - foi escolhido o melhor intérprete do Musicanto. Também saindo agora o disco com as 12 finalistas da 6ª Seara da Canção Gaúcha, em Carazinho, que teve como grande campeão "Faeneros e Changueadores" (Heitor Oliveira Silveira/Dante Ledesma). Nas categorias específicas, os campeões foram "Campo e Lágrima" (Mauro Sérgio Moraes) - contemporânea: "Vaneirinha" (Elton Saldanha) - categoria galpoeira e "Manhã de Maio" (categoria emoções gaúchas).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
21/12/1986

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