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Aramis

Navalhada social em consciências mortas

A temporada de "Navalha na Carne" em Curitiba (até domingo, Guairinha) coloca, mesmo que se não se queira, em discussão a validade e a importância do teatro de Plinio Marcos. Espécie de "enfant terrible" saído das camadas mais humildes da população, colocando com garra raiva e muita contestação o que observou em sua infância adolescência e juventude nas zonas mais pobres de Santos e São Paulo, Plínio Marcos se tornou um "maldito" nos anos mais duros da repressão. Suas peças abordando problemas sociais prostituição, homossexualismo, desemprego, violencia e tortura policial etc. o colocaram em pouco tempo no "index" e Plínio passou também a ser ceifado na imprensa e mesmo tentativas de lhe dar proteção em órgãos consolidados (exemplo: Mino Cartana "Veja") acabaram sendo podadas por " ordens superiores". Acesas as primeiras luzes no final do túnel, abrindo-se a fresta da abertura por onde começam a sair as peças que durante a longa noite da inquisição permaneceram nas gavetas medievais da censura. Plínio Marcos a exemplo do que enfrentam(ram) tantos exilados (de Glauber Rocha a Luis Carlos Prestes) passa a ser contestado e criticado e mesmo negado. Quando Emílio Di Biase, após as experiências como diretor em "O Contestado", de Romário Martins em Curitiba e de "Vejo um Vulto na Janela, me acudam que sou donzela", de Leilah Assunção, em São Paulo, conseguiu a liberação de "Navalha na Carne", que estava proibida há 8 anos, muitos não entenderam a razão da escolha. Lembro que Emílio, na época, entre outras justificativas disse que considerando a época da proibição (1971) havia uma nova geração de jovens interessados em teatro, que não conheciam o texto tão polêmico quanto atual. Realmente, o sucesso obtido tanto na temporada no Teatro da Aliança Francesa, como em cidades do Interior paulista parece atestar o interesse do público pela peça. Tanto é que com o afastamento de Emilio Di Biasi, do grupo Aquarius e no término daquela produção, a atriz Glória Menezes, uma das mais bem pagas "superstars" da Rede Globo de Televisão, decidiu voltar ao palco após uma ausência de muitos anos (só interrompida com a temporada caça-niquel de "Tudo Bem No Ano Que Vem", de Bernarde Slade), propondo uma remontagem. Odilon Wagner, competente ator e experiente produtor, passou da interpretação do personagem Wado, para a direção chamando o para substituí-lo outro ator da "aldeia global". Roberto Bonfim (também há muito tempo sem pisar nos palcos). No papel de "Veludo", continuou Edgar Gurgel Aranha, aliás um veterano nesta criação: na última montagem profissional de "Navalha na Carne", em São Paulo, com Odavlas Petti e Ruthinéia de Moraes, direção coletiva, já interpretava o mesmo personagem. O resultado está no palco do Guaíra, onde "Navalha na Carne" estreou na noite de terça-feira, com bom público (renda de Cr$ 30 mil, superior ao que faturou "Na Carrera do Divino", em uma semana) atraído em sua maior parte, mais pela presença de Glória e Bonfim do que pelo texto de Plínio. Na próxima semana, a peça estréia no Teatro Vanucchi no Shopping Center da Gavea no Rio de Janeiro para uma temporada mínima de 60 dias. Descontados os erros técnicos nervosismos de Glória e Roberto Bonfim desacostumados com o espaço cênico, já que ambos vêm se dedicando à televisão o espetáculo cumpre a sua função de informar a um público que ainda não conhecia o texto a proposta de Plínio Marcos. Tendo em mãos uma personagem fascinante, a prostituta Norma Sueli que encontoru em Tônia Carrero (na montagem carioca, 1970, direção e interpretação de Nelson Xavier, com Emiliano Queiroz como "Veludo") e Ruthinéia de Moraes, atrizes que marcaram profundamente sem dúvida Glória Menezes, vinda de papéis de pouco conteúdo telenovelas da Globo, sabe da responsabilidade que a espera. Sua estreia nervosa, frouxa, sem o vigor e dramaticidade que o papel exige, na terça-feira, não seria perdoada por uma crítica mais rigorosa, não digo da Broadway, mas mesmo no Rio ou São Paulo. Igualmente Roberto Bonfim não extraiu do personagem Wado toda aspereza de seu (mau) caráter, sem chegar ao exagero de Jece Valadão (que o interpretou na versào cinematográfica, direção de Braz Chediak, ao lado de Glaude Rocha), mas também com um pouco mais de vigor e menos "chantilly". Profissionais conscientes, sabedores da responsabilidade que enfrentam. Glória e Bonfim se dispuseram a repassar os ensaios, nesta pré estréia curitibana para chegarem ao Rio mais seguros e fortes. Já Edgar G. Aranha não tem problemas: está calejado no personagem "roubando", ao menos por enquanto as cenas em que participa. O que, aliás, na noite de estréia não foi nada difícil. Com ação concentrada num quarto de pensão de terceira categoria, entre uma prostituta (Norma Sueli), um cafetão/gigolô (Wado) e um serviçal/homossexual (Veludo). "Navalha na Carne" chocou imensas faixas de público quando de sua estréia. Em Curitiba, numa temporada no auditório Salvador de Ferrante, apesar de ter o prestigio de Tônia Carrero na frente do elenco, a temporada teve que ser cancelada, sob as desculpas de "reparos técnicos no teatro". É que a pressão de áreas conservadoras (e mesmo de segurança) contra o governo foi tanta, que não houve condições de manter a peça tinha sua encenação proibida em todo o País. Para quem se horroriza com a linguagem crua, a aspereza das situações, acho que é perfeita a colocação que a crítica Ilka Zaniotto, d'O Estado de São Paulo", fez pessoalmente num debate com um grupo de teatro amador do Interior de Santa Catarina, num festival realizado em Fortaleza, em 1976. Os rapazes, que haviam encenado um anacrônico texto do autor inglês A .J. Cronin justificavam a escolha da superada peça inglesa, "para não cair em textos imorais como "Navalha na Carne" ou outras aberrações de Plínio Marcos". Ilka uma dama elegante e inteligente poupando os jovens de uma vaia que se iniciava fez a seguinte colocação: "Entendo a preocupação mas gostaria de lembrar que o imoral não são os dialogos ou as situações dos textos de Plinio e outros dramaturgos. O imoral é que em nossa sociedade, apesar de todo o decantado progresso e desenvolvimento situações como a de "Navalha na Carne" continuem a existir. Isso que é imoral aos que pensam e raciocinam". Fez-se silêncio e os jovens catarinenses refizeram seu juízo a respeito de Plínio Marcos. Passados alguns anos, as mesmas acusações continuam a ser feitas a Plínio Marcos e o argumento de Ilka continua atualíssimo. Realmente, Plínio Marcos é válido como um fotógrafo de uma realidade quotidiana, corajoso e que não procurou glamourizar o que sua câmara (máquina de escrever) fixou. Ao invés de filtros de luzes e cores recursos de laboratórios preferiu como bom repórter a crueza das imagens ao longo de uma obra espalhada em textos como "Dois Perdidos Numa Noite Suja". "Quando as Máquinas Param" ou este "Navalha na Carne". Se lhe falta uma carpintaria teatral mais apurada como acusa o crítico e experto Marcelo Marchioro, hoje diretor de arte e programação da Fundação Teatro Guaíra, lhe sobra uma dose de realismo e sinceridade. Talvez pareçam demagógicas ou subversivas suas colocações, mas nada mais faz do que refletir no palco oferecer ao consumo de classes privilegiadas, cultural ou economicamente situações do dia a dia do Brasil e que só poderão melhorar se houver uma denúncia. Não é adotando a técnica da avestruz que se encontrará soluções aos problemas sociais. Questionando, brigando e discutindo se mantém em pauta os problemas necessários de serem vistos por todos. Isso pode irritar aos que sào insensíveis à questão social, preferindo o "status quo"- mas, sem duvida tornam válida uma peça como "Navalha na Carne". O cenário despojado, simples -criação de Valéria Silveira, esposa de Odilon e c0-produtora do espetáculo, reflete o universo de seus personagens. A trilha sonora, abrindo e fechando com um bolero ("Sabras que Te Quiero"), talvez em versão um pouco sofisticada para o ambiente da peça funciona discretamente. A direção de Odilon é inteligente e criativa mas para garantir uma melhor aceitação junto a espectadores mais rigorosos é indispensável que Glória Menezes e Roberto Bonfim viciados por anos de trabalho em estúdios de televisão sem terem que enfrentar o espaço cênico e podendo refazer as cenas até a mesma ficar razoável, se esforcem em dar mais vida e garra aos seus personagens. Com o que apresentaram na estréia não seriam aprovados nem pela mais condenscendente comissão examinadora de um curso de teatro amador. Mas como bons profissionais já devem ter melhorado e neste fim de semana oferecerão interpretações à altura do prestígio que desfrutam graças à força das imagens da televisão. Xxx Falando em teatro, uma dica indispensável: a temporada de "Baal", de Bertolt Brecht (miniauditório Glauco Flores de Sá Brito 21h30 min., ingressos a Cr$ 100,00) merece ser prestigiada. Os jovens do grupo Avelãz y Avestruz, desde 1976 balançando o coreto do conformismo no teatro baiano, apresentam uma encenação vibrante do primeiro texto escrito por Brecht. Compensando as limitações que o próprio autor reconhecia nesta obra de sua juventude pela inventidade e competencia de Marcio Meirelles e a integração com um grupo de jovens de garra e firmeza Fernando Fulco (no papel-título). Maria Eugenia, Hebe Alves, Milton Macedo, Sergio Carvalho, Sergio Guedes e Paulo Elcio o "Baal" merece ser visto. E numa prova de que os talentos autênticos são reconhecidos, o novo diretor da Aliança Francesa que não conhecemos ainda, mas mostra ser uma pessoa sensível à cultura entusiasmou-se com a encenação e convidou o grupo Avelãz y Avestruz a voltar a Curitiba, em 1981, para aqui desenvolver um trabalho experimental com um texto de Maeterling. LEGENDA FOTO 1 - Fernando Fulco: "Baal".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
10
15/08/1980

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