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Aramis

"Network": uma denúncia visceral (II)

No mesmo ano em que Elia Kazan realizava "Um Rosto na Multidão" (A Face in the Crowd, 1957), Sidney Lumet (Filadélfia, 1924) estreava como diretor, levando ao cinema uma teleplay ("12 Homens e uma Sentença") que já havia montado na televisão CBS, onde trabalhou por sete anos, após uma curta experiência em teatro (1947/50). As aproximações, assim, entre o filme de Kazam-Schulberg de 20 anos passados, com "Rede de Intrigas" (cine Bristol, 5 sessões diárias). Da dupla Lumet-Paddy Chayefsky, são inevitáveis e é pena que não exista uma cópia de "Um Rosto na Multidão" a disposição para reprise que seria das mais oportunas - em termos de análise cinematográfica. Pois, perante uma obra tão corajosa, sincera e bem realizada como "Network", exige-se, por parte do espectador, mais do que uma simples atitude contemplativa - mas, sim, uma posição crítica, pois o filme de Lumet foi realizado, propositadamente, com a finalidade de provocar debates. A simultaneidade de lançamentos (e premiações com os Oscars) com "Todos os Homens do Presidente" (cine Astor, 2ª semana) faz com que a aproximação com o filme de Alan J. Pakula, baseado no livro de Bob Woodward e Carl Bernstein, também seja inevitável. Mas se "All The President's Men" é uma reportagem enxuta, e da qual todos os homens razoavelmente bem informados acompanharam dia a dia, "Network" é um impacto - um soco no estômago, dos (tele)espectadores, comodamente refestelados diante de suas poltronas, na ilusão global da informação oferecida pelos tubos de imagens coloridas. Homens que conheceram profundamente a televisão americana, Lumet e Chayefsky, puderam analisar a mais notável forma de comunicação de massa com um rigor e uma profundidade raras. O impacto que "Network" causou nos EUA, no ano passado, não foi gratuito. Realmente, estava na hora de alguém gritar - e bem alto - contra o condicionamento imposto por multinacionais sobre a opinião pública, domadas (e dominadas) carneiramente, sem a menor reação. O tom de farsa e absurdo que caracteriza a história imaginada por Chayefsky, com alguns toques que chegam quase ao surrealismo, é proposital: afinal, o que há de mais maluco do que se imaginar que os nosso desejos, sonhos e planos são planificados nos departamentos de "marketing" e pesquisas das centrais de comunicação? "Network", como cinema, foi um feliz encontro de talentos: o diretor Lumet, em 20 anos de carreira tem freqüentado os diferentes gêneros, adaptando peças de teatro ("Orpheus Descending", 60, de Tennessee Williams; "Panorama Visto da Ponte" de Arthur Miller, 61; "Longa Jornada Dentro da Noite" de Eugene O'Neill, 62) ou de roteiros originais - da ficção científica ("Limite de Segurança", 63) ao jornalismo ("Um Dia de Cão", 1975), sem falar no admirável humanismo de "O Homem do Prego" (Pownbroker, 1964). Lumet sabe das coisas e, utilizando os recursos técnicos do cinema não esquece, entretanto, que o mais importante é contar a história de seres humanos. Por isso, os personagens de "Network" podem provocar tanta empatia - Max Schumacher (Wiliam Holden) ou Edward Ruddy (William Price), repulsa - Diana Cheristensen (Faye Dunaway), Frank Hackett (Robert Duvall), ou, mesmo compreensão - como Howard Beale, "o profeta maluco do vídeo" (Peter Finch, Oscar - Melhor ator, em seu último trabalho no cinema). Mesmo curtas intervenções - como de Beatrice Straight (Oscar-melhor coadjuvante 77), no papel de Louise, esposa de Max Schumacher, ou Ned Beatty, no todo poderoso Mr. Jensen, são marcantes, graças aos papéis inteligentes, bem dimensionados e, sobretudo, a apropriada linguagem empregada. Filmes como "Network" - assim como "A Honra Perdida de Uma Mulher", que aqui registramos, há algumas semanas ou "Todos os Homens do Presidente", mereceriam análises demoradas e, sobretudo, debates com os estudantes de comunicação social - tão preocupados em troca de opiniões e que podem encontrar nestes filmes material para amplos questionamentos. "Network" é um político-social da mais alta importância. Por sua coragem e sinceridade, vale a pena ser visto e revisto. Como um documento de nossos dias.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
4
07/04/1977

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