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Aramis

Nick, caçador de nipos, debaixo da Chuva Negra

"Chuva Negra" (lançamento nacional hoje; em Curitiba, Cine Condor, 5 sessões) é daqueles filmes que oferecem um puzzle em sua apreciação. Apesar da história ser relativamente linear - e até acadêmica, na estrutura básica do roteiro de Craig Bolotin e Warren Lewis - este filme chega precedido de grande expectativa. Já com algumas prévias indicações há premiações importantes - e, com certeza, chances de receber nominations ao Oscar-90 dentro de algumas semanas - tem o carisma de dois (novos) golden boys da indústria cinematográfica deste final de século: o ator Michael Douglas, no primeiro papel que fez após "Atração Fatal" (87, de Adrian Lynne) como ator (e interessado na produção) e o diretor Riddley Scott, elevado à condição de cineasta-cult, após seu "Blade Runner - Caçador de Andróides" (1981) ter se tornado o filme da década, cada vez mais cultuado em suas constantes reapreciações - seja na tela ampla, televisão ou vídeo. "Chuva Negra" pode conquistar o grande público que gosta de ação, violência e ainda curte um happy end. Afinal, o detetive Nick (Michael Douglas) passa o tempo todo correndo atrás de perigosos assassinos japoneses - no início em Nova Iorque, depois em Osaka, em dupla com seu companheiro Charlie (Andy Garcia), depois substituído pelo japonês Masahito (Ken Tanakura). Há seqüências dignas do melhor Rambo - com tiroteios de metralhadoras, explosões de veículos e crueldade - como cortes de veias jugulares, dedos e adagas afiadíssimas nos pescoços e mãos dos japoneses. Tudo bem! Estes requintes de marketing-violência, cada vez mais explorados no cinema comercial, oferecem em "Black Rain" aspectos para que uma faixa ampla de espectadores seja atingida. Só que compará-lo a "Rambo" seria injusto. Pois Riddley Scott é, no mínimo, um esteta inteligente e isto está provado ao longo de uma curta mas enxuta filmografia - iniciada com o barroco "Os Duelistas" (1977) e que passou pela science-fiction ("Alien, O Oitavo Passageiro", 79; "Blade Runner", 81), teve um intermezzo lírico-infantil com "A Lenda" (85) e momentos de suspense num thrilling sofisticadíssimo ("Perigo na Noite", 87). Portanto, "Chuva Negra" - lançado nos Estados Unidos em setembro e que só estreou em Paris no último dia 6 de dezembro, chegando agora em cuidadosa estréia nacional nesta quinta-feira - não poderia se esgotar numa simples condição de policial - mesmo que extraordinariamente bem realizado. Portanto, é natural que as primeiras críticas - ainda americanas (e até o irritado Paulo Francis, em seu comentário do "Jornal Nacional" na primeira semana de 90, reconheceu isto), salientem que o filme toca num ponto importante e atualíssimo nestes nossos dias: as relações Estados Unidos-Japão. Há quem já tenha acusado o filme de racista, como a apressadinha Maria Silvia Camargo, redatora do "Caderno de Domingo", do Jornal do Brasil, que em um rápido registro publicado no último domingo, lembra "Atração Fatal" - "no qual Michael Douglas personifica todos os maridos do mundo" - e que agora, "é o cidadão americano ofendido pela ameaça do poderio japonês, que parte para o outro lado do mundo só para destratar japoneses". Riddley é acusado de tratar os japoneses como brutais, idiotas e canalhas. Talvez seja forçar a barra, querer ver nos conflitos do detetive Nick, envolvido num processo de corrupção com traficantes novaiorquinos e que, por acaso, presencia um assassinato de líderes da Yakuza (a máfia japonesa) num restaurante (italiano) em Nova Iorque, ao relacionar-se com autoridades policiais japonesas como vingador do capitalismo americano cada vez mais ameaçado pelo Império do Sol Nascente (hoje dono da Columbia, CBS, Rockfeller Center etc. etc.). Ao contrário, dentro de uma tradição dos policiais solitários, Nick é um homem com problemas familiares (divorciado, 2 filhos, com dívidas) que, ao tentar uma remissão conduzindo o perigoso assassino japonês a Osaka, é enganado no aeroporto: ao invés da polícia, entrega à própria Yakuza (disfarçada de policiais) o preso. Começa então a sua decisão de herói solitário: contra todos - a partir do antipático superintendente da polícia japonesa - e as circunstâncias mais adversas, quer prender o assassino Sato (Yakuzu Matsuda) envolvido numa guerra entre quadrilhas. Não importa a que preço isto seja conseguido. Entre correrias, tiroteios e explosões, Riddley Scott esbanja aquilo que sabe fazer: o delíro visual de um cineasta formado na escola do filme publicitário. Como em "Blade Runner", Osaka é filtrada em cores de uma magia de cidade dos anos 2000, com muito neon, galerias moderníssimas e fantásticas e multidões nas ruas - são claras as intenções de lembrar as primeiras seqüências de "Blade Runner" com a Los Angeles do futuro, também superpovoada. A forma da dupla de detetives, que vem sendo explorada à exaustão nos últimos anos, repete-se. No início, Nick e Charlie. Depois, mesmo que improvisadamente, com o japonês Masahiro - numa aproximação de culturas diferentes. Há 3 anos, Walter Hill já unia um durão detetive russo, Ivan Danko (Arnold Schwarzenegger) e um tira novaiorquino, Art Ridzik (James Belushi), em "Inferno Vermelho" (Red Heat) para prenderem em Chicago um traficante de drogas, o russo Viktor Rosvilili (Ed o'Ross). A química funcionou em termos de bilheteria mas o filme já foi esquecido - assim como vários outros na fusão de dois policiais em ação (até mesmo a dupla de "Someone to Watch Over Me", do próprio Riddley). As pretensões com "Chuva Negra" são maiores - a partir do próprio título, só explicado num dos diálogos de maior profundidade - quando um dos chefões da Yakuza, lembras as explosões de Hiroshima e Nagazaki, há 45 anos passados - e a chuva negra (atômica) que se seguiu. Os Estados Unidos impuseram seus conceitos, valores, vícios e violência nos EUA por várias décadas. "Agora estamos dando o troco", diz o godfather nipônico, na justificativa de uma organização criminosa japonesa ter tentáculos tão poderosos, "pois, como em tudo que fazemos, fazemos bem". Quem quiser ver "Chuva Negra" apenas como entretenimento, de muita ação, não se arrependerá. Há o policial, a mocinha simpática - a loira Joyce (Kate Capshaw, de "Indiana Jones e o Templo da Perdição"), uma americana de Chicago capturada no jogo japonês, a dualidade honra x desonestidade (e um final bem irônico). Mas há também outras leituras propostas para que "Chuva Negra" mereça atenção. Esteticamente, um deslumbramento visual com a fotografia de Jan de Bont, que é tão bonita em certos instantes que dilue a dramaticidade do enredo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/01/1990

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