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Aramis

... e no fim de noite, João achou a sua musa Macunaíma

Há um mês, quando veio a Curitiba a convite do editor Faruk El Khatib, para a inauguração do salão Passarola e também assinar contrato para escrever adaptações em fotonovelas de romances brasileiros, o escritor João Antônio (Ferreira Filho), 41 anos, conheceu inicialmente os ambientes mais sofisticados da cidade. A vernissage foi na Fundação Cultural, o jantar no Kleciu's, na Sociedade Helvetia e Jão, a exemplo de outros convidados, ficou hospedado no recém-inaugurado Slaviero Palace Hotel. Mas para um jornalista acostumado a tratar de temas populares, autor de um clássico de nossa literatura "Malagueta, Perus e Bacanaço", que há 18 anos vem acumulando prêmios e edições internacionais e cuja ação se passa no bas-fond paulista. Curitiba não poderia ficar apenas em ambientes perfumados e elegantes. Assim, em companhia de um amigo de muitos anos, o também jornalista e escritor Wilson Bueno, João Antônio foi conhecer o Baixo Leblom da cidade - casas de samba, inferninhos, etc., na rua Visconde de Nacar, e terminou a noite no restaurante da madrugada que hoje tem o maior momento da cidade: o "Tata II", na Rua 24 de Maio. Anônimo como convém a um bom repórter, João Antônio ali gastou suas últimas horas de Curitiba, conversando com boêmios, mulheres da noite e os músicos que se apresentam - num ambiente descontraído e alegre, "que me fez lembrar a Londrina de 6 anos passados", como disse João Antonio - que integrou a equipe de Narciso Kalil, responsável pela experiência do jornal "Panorama". xxx Com resultado daquela noite no Tata II, João Antonio já construiu uma personagem - Magali Macunaíma", inspirado numa jovem que ali conheceu, que estará num de seus próximos contos, que começou a ser alinhavado ainda a bordo do avião da Varig, ao retorno ao Rio de Janeiro. João Antonio vai registrar, assim, num de seus textos, um pouco do folclore da madrugada curitibana, tão raquítico em suas estórias e ambientes - visto sempre como preconceito por muitos, quando mereceria ser analisado e registrado por quem tem sensibilidade para sentir os homens & as mulheres da madrugada, em sua solidão conduzida ao longo de um roteiro onde a música e o papo não escondem a ausência de encontros. O "Tata II", onde os irmãos Reinhardt - Amadeu, 38 anos, Francisco, 35 e José Tadeu, o "Tata", 28, garante uma comida de razoável qualidade, capaz de alimentar os vazios estômagos dos boêmios da cidade, corresponde hoje ao que já, foi num passado distante, o Palácio, na Rua Barão do Rio Branco, que reunia em épocas mais descontraídas as bailarinas das boites de Paulo Wendt e do velho Guimarães, em trajes de noite, ao lado de esfarpelados cavalheiros acompanhando "suas legítimas esposas". Com o tempo, o movimento familiar do Palácio, , levou os garçons Adriano, Isaltino e Mozart, cumprindo ordens do espanhol Manolo, a não servirem "senhoras desacompanhadas", que passaram a procurar outros endereços. Se Luis Renato Ribas, em suas crônias de "Ecos da Noite" - inicialmente na "Tribuna do Paraná", depois no "Correio do Paraná", deixou registrados os grandes shows que Curitiba aplaudiu nos anos 50, nas boites e night-clubes de então (Marrocos, Moulin Rouge, La Vie En Rose, Codiz, Manhattan, Las Vegas, etc), poucas notícias existem do Bar-Restaurante Paris, na Rua Riachuelo, que durante mais de uma década, foi o último ponto da noite curitibana - e que, de certa forma, inspirou a Antonio Carlos Kraide, uma das mais belas (e nostálgicas) cenas de seu documental e emotivo "Curitiba, Velha de Guerra", a melhor produção teatral encenada em Curitiba em 1979. O Paris também fechou, como fecharam tantos outros endereços de fim-de-noite, inclusive o restaurante Marrocos, que Paulo Wendt manteve por vários anos na Praça Osório, onde, posteriormente, o seu irmão, Ewaldo, abriria o "Stardust" - hoje pertencente a um jovem milionário japonês, disposta a se transformar no rei da noite curitibana. Outros dos redutos da madrugada, o folclórico "Bar do Luiz", no térreo do edifício Mauá - no espaço em que a TV-Paraná funcionou durante mais de 15 anos, também cerrou suas portas e no local está sendo instalada uma nova filial das Lojas Lorusso, a casa de sapatos que identificou por mais de 20 anos os programas da dupla Nho Belermino/Nha Gabriela, pelas ondas da Rádio Guairacá, a voz nativa da Terra dos Pinheirais. xxx O Tata II, com sua freguesia heterogênea, aberto apenas de noite, atendido por uma equipe de garçons que, antes de tudo, formam uma família, é um dos raros ambientes onde há música ao vivo. Ali todas as noites, se apresenta uma família musical - Bené e seu grupo, liderado pelo veterano Benê (Benedito Onofre Villas-Boas), paranaense de São Jerônimo da Serra 51 anos, que junto com sua esposa, a cantora Mary (América Silva Villas Boas), Itajaí), 42 anos, apresenta um repertório internacional. Na guitarra e percussão, seus filhos - Marco Aurélio, 20 anos e Mário José, 15 anos. Duas filhas do casal - que durante muito tempo também ajudaram a família a fazer seus shows, estão hoje afastadas, cuidando de suas casas: Tânia Mara, baterista, é esposa de Luiz Alberto Gonçalves e Sandra Mara, 21 anos, casada com o sr. Pascoal Micelli, Mary e Benê, gente simples mas musical, há quase 25 anos vivem da música que fazem na noite, durante muitos anos em Londrina - onde João Antonio os conheceu. Assim, foi com emoção, que o autor de "Leão-de-Chácara", reencontrou-os na noite em que passou pelo "Tatá II" e ali achou não só a "Magali Macunaima", musa inspiradora de seu novo conto, mas um grupo que faz aquela música sem artifícios, simples e que os boêmios sabem apreciar. xxx Falando em restaurantes, uma dica para os que curtem a comida japonesa: desde ontem, o Tempô, a churrascaria especializada em pratos orientais, já está em novo endereço: rua 15 de Novembro, 29. Quando o sobrado que ocupava na Rua Marechal Deodoro, quase esquina com a praça Zacarias, foi adquirido (CR$ 60 milhões, a vista) pela C&A - que ali está construindo um prédio, os japoneses que por anos exploravam o restaurante, se transferiram para uma loja nos fundos da galeria Mild, na Rua Emiliano Perneta, há apenas 3 quadras. O movimento não foi satisfatório e agora o Tempô vai competir, vizinho ao restaurante árabe que há anos está instalado na primeira quadra da Rua das Flores. LEGENDA FOTO: João, no fim de noite do Tatá, a inspiração para novo conto: "Magali-Macunaima".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
6
03/12/1981

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