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Aramis

No humor (sem muita graça) do rock, vale mais é o marketing

"Me diga por favor o que é Que eu tenho que fazer Eu faço qualquer coisa Só pra dormir com você" (Marcelo Nova/Robério Santana) Irreverência, apelação, oportunismo. A mesma fórmula continua a funcionar - entre muito ruído e pouca harmonia - na música de consumo que se produz (e vende) para o público adolescente. Numa posição radical poderia se invocar o tribuno Cícero e clamar - quosque tanden abutere patientia nostra - em relação a fórmulas tão pouco imaginativas (e repetitivas) de exploração musical. Liberalmente, buscando entender a cabeça da geração nascida nos anos 70, pode-se até procurar encontrar méritos no chamado rock anos 90, versão tupiniquim, que ad nausea tem sido imposto, num vértice ao contrário, para o consumo brasileiro. Com (muita) boa vontade é possível achar algumas trilhas de inteligência ou, ao menos admirar a habilidade de marketing que faz com que entre tantas centenas de grupos de rock (ou qualquer outra designação que prefiram, entre tantas etiquetas comerciais), alguns consigam se destacar e transformarem-se em Ídolos (sic) dos adolescentes - como foram os Blitz no início desta década e, atualmente acontece com o R.P.M. - este chegando à glória de ter até uma edição em compact-disc, prensada pela CBS no Japão. Falando em Blitz, o irreverente grupo que trazendo o humor de "Você Não Soube Me Amar" acabou, mas dois de seus integrantes partiram para a carreira solo: o bem sucedido Evandro Mesquita e o guitarrista Ricardo Barreto, com seus primeiros lps na praça, edições da Polygram e EMI-Odeon, respectivamente. Inteligente, boa base de teatro descontraído - herança de seus tempos no demolidor Asdrubal Trouxe o Trombone e o sucesso de "Trate-me Leão", Evandro está numa boa: fez um comercial para a Pepsi nos EUA e para assinar com a Polygram recebeu US$ 250 mil, o que é dinheiro para roqueiro nenhum botar defeito. Ao lançar seu primeiro lp, Evandro o classificou como "trabalho coletivo", com isto mantendo a descontração e irresponsabilidade do "clima de praia" - a turma, a gangue, a tribo, como tão bem observou Olympio Barbanti Jr. ("Folha de São Paulo", 25/11/86). Assim, reunindo amigos dos tempos do Asdrubal - como Hamilton Vaz e Patrícia Travassos mantém o clima e parte para uma alquimia em suas letras, sempre com o toque de ironia e da brincadeira, embora segurando firme os vocais e com alguns momentos de bons arranjos instrumentais, nos arranjos igualmente coletivos. Numa geléia geral de sons & ritmos, "Acorda Pascoal" é um funk com pretensões de tocar em escolas de samba e "Assim Falou Sapaim" é uma referência à pajelança ao naturalista Augusto Ruschi, até com a participação da música dos índios: Jeremias (Xavante), Matheus (Terena) e o próprio Sapaim (pajé Canaiura), numa percussão primitiva (que diferença da visão respeitosa que Gismonti teve anos atrás com a música do Xingu). Mas Evandro, autor de 10 faixas - sempre com parceiros de sua turma - abre uma exceção para, apropriadamente, (re)utilizar o humor de Noel Rosa (1910-1937) numa gravação de "Gago Apaixonado", com um bom resultado. Se Evandro, com graça e malícia, pode ser entendido como uma presença agradável, em relação ao seu companheiro Ricardo Barreto ("Prisioneiros do Ar") tem que se ter uma dose extra de tolerância e paciência - ou então uma juventude que justifique apenas letras totalmente imbecis e pouco ritmo - apesar de Ricardo ser um guitarrista que se melhor orientado pode talvez até render. Mas num óbvio corriqueiro de "É melhor ter inimigos/do que falsos amigos", é dose pra Leão (a não ser que seja surdo, aguentar). O engraçado, porém, é que Ricardo também traz a mistura rock-samba, mostrando assim que o Blitz - em sua fase inicial tinha raízes até legítimas, entre tanta brincadeira e marketing de consumo descartável estilo Ipanema. Ricardo convocou para este seu primeiro disco-solo (será que haverá um segundo?) vozes agudas de Márcia e Fernanda, ex-companheiras da banda. Fernandinha, aliás, participa do videoclip da música "Greg e sua Gang", de Evandro, que foi apresentado há algum tempo na televisão. O rock de Brasília - Em Tramandaí, RS, durante o seminário "Acorde Brasileiro" (8 a 13 de novembro/86), entre discussões sobre o colonialismo cultural, foi lembrada a questão do boom do rock - de resultados tão vigorosos em termos econômicos para a indústria fonográfica. E o caso de Brasília foi especialmente enfocado: em nenhuma outra cidade surgiu, em tão pouco espaço de tempo, um núcleo tão intenso de rock tupiniquim. Dezenas - ou centenas - de bandas que se formaram e se projetaram nacionalmente, em termos de consumo. A falta de identidade cultural de uma cidade artificial, sem maior tradição - e portanto desprovida de raízes com a música brasileira, é uma das razões pelas quais uma juventude crescida nos anos 70 tenha se identificado ao som internacional - oco, vazio, colonizado. E, dentro do rock, na falta de um melhor conteúdo, o humor e a irreverência predominam - a partir do próprio nome dos grupos. Exemplo disto é o Camisa de Vênus, chegando agora ao seu quarto lp ("Correndo o Risco", WEA). Arthur Veríssimo, num release da gravadora diz que este grupo formado por Marcelo Nova (vocais), Gustavo Mullen (guitarra-solo), Karl Hummel (guitarra), Rogério Santana (baixo) e Aldo Machado ((bateria) "não têm papas na língua, ejaculam uma linguagem clara, objetiva e de efeito instantâneo, representando o avesso das bandas do pop (brega) brasileiro, endeusadas pela crítica e cultuadas pelo público que estupidificam as novas gerações com performances e letras açucaradas" (sic). Irreverência não pode faltar nas letras das músicas dos Camiseiros de Vênus mas, entretanto, nada há de especial - embora vão do rock automobilístico ("Simca Chambord") a mais um hino do onanismo ("Mão Caótica", proibido para divulgação pública). Curiosamente, a faixa mais interessante é "Ouro de Tolo", que, no período mais duro da repressão, soava como uma ingênua canção de protesto de Raul Seixas. Produção sofisticada, o Camisa de Vênus chega a usar até uma orquestra, com cordas, metais e coral em "A Ferro e Fogo", criação coletiva, enquanto que em "Simca Chambord" e "Deus me dê Grana", convocaram para participação especial o velho Manito, dos Incríveis - da pré-história do rock tupiniquim. Também irreverentes e descartáveis, Kid Vinil e os Heróis do Brasil estréia agora na 3M, em produção do experiente Roberto de Carvalho - responsável por muitos grupos pop. Quarentão, longe de qualquer desculpa adolescente, Kid Vinil surgiu como o boy dos tempos do Magazine, conjunto já devidamente sepultado. Agora, vem com Os Heróis do Brasil - formado por Kuky Stolarski (bateria), Nilton Leonardi (baixo), Ary Holland (teclado) e André Cristóvão (guitarra). Há quem veja maravilhas no grupo, como Pepe Escobar, que no release diz que "quando estes cinco delinqüentes apaixonados cozinham seu caldeirão de bourbon, sorrisos suicidas, carne de pescoço, rockabilly, power pop, blues, gatas e libidinagem desenfreada... o que é que eles fazem mesmo: Ora, entram no seu Maverick V8 e atropelam tudo que estiver pela frente - de ouvintes desatentos e supostos 'conjuntinhos de rock'". Descontado o entusiasmo, Kid Vinil e Os Heróis do Brasil repetem a mesmice de tantos grupos de rock, com letras oportunistas - embora aparentemente bem humoradas, como "Sem Whisky & Sem My Baby", "Conta da Light", "Carne de Pescoço", "Independência ou Morte" e, especialmente, a composição de Cristóvão que dá bem a dimensão deste tipo de rock: "Fútil Rock'n'Roll". Frente a tanta bobagem roqueira, Lulu Santos, já com um público seguro e bom marketing, chega até a ser interessante em suas músicas, como as que vieram em seu último lp (RCA, 1986). A capa, criação de Tadeu Valério, lembra o símbolo de um herói de histórias policiais dos anos 50 ("O Santo") - obviamente desconhecido do público deste artista. Lulu tem um bom esquema promocional, é cuidadoso na escolha dos músicos para as gravações e consegue já há alguns anos sobreviver aos modismos. Coisa que, muitos outros roqueiros dificilmente obterão, já que pela própria mobilidade do mercado flutuam num terreno movediço e que suga para as entranhas da terra o sucesso de hoje. Ainda bem, numa lei de seleção natural daquilo que deve permanecer e do (muito) que deve ser rapidamente esquecido. LEGENDA FOTO 1 - Lulu Santos (foto Maurício Valadares) LEGENDA FOTO 2 - Ricardo Barreto, ex-Blitz, em LP-solo pela Odeon LEGENDA FOTO 3 - Camisa de Vênus, rock brasiliense
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
25/01/1987

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