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Aramis

No recital dos Caymmi a homenagem a Carmen Costa

Quando o ministro Jair Soares, da Previdência Social, citou o caso da aposentadoria da cantora Carmen Costa (Carmelina Madriaga) para "ilustrar" a corrupção do INPS, cometeu uma grande injustiça. Mesmo que o processo que daria à criadora de "O Jarro da Saudade" uma magra aposentadoria apresentasse irregularidades, de ordem burocrática, jamais uma artista da dimensão humana e profissional de Carmen Costa poderia ser colocada, via Embratel, como ligada à corrupção. Aos 60 anos, completados dia 5 de janeiro último, esta fluminense de Trajano de Morais, filha de um casal de meeiros da fazenda da Agulha, aos nove anos de idade começou a trabalhar na casa de uma família protestante, onde aprendeu cantar hinos religiosos. Em 1935 foi para o Rio e trabalhou como empregada na casa do cantor Francisco Alves (1898-1952), quando começou a freqüentar programas de calouros. Em termos artísticos, a partir de 1937, quando conheceu o compositor Henricão (Henrique Felipe da Costa, que a batizou com o nome artístico de Carmen Costa), formou uma dupla, que permaneceria até 1942, quando Carmen fez sua primeira gravação como solista ("Está Chegando a Hora", versão de [Henricão] e Rubens Camos, da valsa mexicana "Cielito Lindo", sugerida pela própria Carmen, e seu maior sucesso). Assim, sem considerar que dos seus 60 anos, há 51 Carmen vem trabalhando, só em termos profissionais, comprovados, ela tem 43 anos de atividades. E se a Previdência Social só nos últimos anos começou a se organizar, de forma que Carmen, como tantas dezenas de outros artistas brasileiros, tenham agora imensas dificuldades de provar "tempo de serviço", numa exigência que seria cômica se não fosse trágica, jamais se poderia acusá-la de corrupta. Se alguém foi enganado, roubado em seus direitos foi ela, que desde 1973 já mereceria uma tranqüila aposentadoria. Muito pelo contrário, Carmen tem tido uma vida das mais sofridas, vivendo muitos anos nos EUA onde foi cozinheira e faxineira (mas onde também chegou a cantar no histórico show da Bossa Nova, no Carnegie Hall, e gravar um Lp com Dyzzie Gillespie) e hoje, sexagenária, lutando para manter sua família. Há alguns meses, felizmente, o produtor Simon Khouri produziu um belo disco, lançado no mês passado pela Continental e, há 2 anos, Carmen, junto com Carlinhos Vergueiro, fez dupla no Projeto Pixinguinha, obtendo aplausos em todas as cidades que foi. Hoje, a única apresentação de "Dori, Nana e Danilo Caymmi em Concerto" (Teatro Guaíra, 21h30min., ingressos a partir de Cr$ 50,00) será uma homenagem a Carmen Costa, especialmente emocionante, quando, quase no final, Nana Caymmi cantar "Quase" (Mirabeau/Jorge Gonçalves), samba-canção que Carmen lançou em 1954, entre dois outros sucessos: "Eu sou a outra" (Ricardo Galeano, 53) e "Obsessão" (Mirabeau/Jorge Gonçalves, 56). No cartaz-programa do espetáculo, com arte de Loca (artista gráfico, autor da capa do Lp "O som brasileiro de Sarah Vaughn" e também do Lp independente do conjunto "Boca Livre"), há um pequeno texto de Hermínio Bello de Carvalho, que sintetiza a importância da homenagem que se presta a Carmen Costa: "Entenda-se por músico aquele que emite um som. Nana, por exemplo, traz um cello e uma viola d'amore na garganta. Os teclados e cordas de Danilo e Dori são visíveis ao coração. Por músico brasileiro entenda-se um operário geralmente mal remunerado que, equilibrista, vive na corda bamba da vida. Quando ganha notícia em jornal é porque sumiu misteriosamente num país amigo, igual a Tenorio Junior de saudosa memória, ou porque está em dívida para com o INPS". No texto, Hermínio lembra ainda duas outras "maravilhosas cantoras/operárias" iguais a Carmen Costa: Alberta Hunter e Clementina de Jesus e Albert Junter. De Clementina. 79 anos, não é necessário falar muito; fluminense de Valença, embora cantando desde os 5 anos de idade, foi em 1964, que Hermínio a ouviu num botequim e se apaixonou por sua voz. Após levá-la a alguns shows experimentais no Teatro Jovem, Clementina dividia com outra veterana, Araci Cortes (Zilda de Carvalho Espíndola, Rio, 74 anos) o histórico espetáculo "Rosa de Ouro", em 1965. Aos 63 anos, portanto, Clementina iniciava uma carreira que não mais parou: sua voz única, maternal e negra ternura, a faz uma das personalidades mais admiráveis por todos que reconhecem a grandeza da arte que vem do povo. Já Alberta Hunter foi cantora de jazz por muitos anos, mas há mais de 20 anos interrompeu a carreira, para se dedicar à sua mãe, paralítica. Tornou-se enfermeira e só em 1978, aos 81 anos, voltou a cantar, quase que por acaso. A idade somente fez com que sua voz se tornasse mais vigorosa, sensível e em pouco tempo era praticamente intimada a voltar aos melhores palcos e não só interpretava, mas como compunha alguns temas para "Remember My Name", filme estrelado por Tony Perkins, ainda sem data de lançamento no Brasil, mas cuja maravilhosa trilha sonora (um dos 10 melhores lançamentos internacionais de 1979), foi colocado no mercado nacional, graças a Arlindo Coutinho, diretor da área de jazz da CBS. xxx Curitiba tem sido privilegiada em termos de espetáculos musicais. Só nesta temporada temos as mais diferentes opções: hoje, o concerto dos irmãos Caymmi; segunda-feira a inesperada apresentação da grande orquestra de Paul Mauriat, no dia 24, a Gewadhaus Orchestr, regência do lendário Kurt Masur, entremeado do novo som do grupo paranaense "Blindagem" (22 e 23) e, já nos dias 28 e 29, um dos mais belos shows da MPB - "Zumbido", com Paulinho da Viola. São espetáculos diversos - entre balé ("Trocadeiro de Monte Carlo"), teatro, etc., numa programação das mais equilibradas - e que, mesmo considerando a inflação, o alto custo de produção e, muitas vezes, imposições de empresários egoístas, procura-se oferecer preços alternativos. No caso do concerto dos irmãos Dory, Danilo e Nana Caymmi, direção e roteiro de Hermínio Bello de Carvalho, e uma realização direta da Secretaria da Cultura e Esportes, através da FTG, tem ingressos a partir de Cr$ 50,00 (o que custa a entrada de um cinema). E para quem sabe da importância de se estimular e conhecer o que há de melhor em nossa música, o repertório diversificado do espetáculo de hoje à noite, onde Hermínio com assistência de Ligia Ferreira, e tendo os músicos Enio (baixo) e João Palma (bateria) de apoio, provará que nos Caymmi, o talento é de pai para filhos: Nana, Dori e Danilo, três personalidades explosivas e sensíveis, [inundarão] o Guairão com sons de uma noite inesquecível.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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19/04/1980

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