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Aramis

Noilton e a busca do autor de "Os Sertões"

Noilton Nunes, fluminense da Campo, tinha pouco mais de 10 anos quando seu pai, Milton Rodrigues Nunes (1922-1972), um euclidineano fanático, o presenteou com uma edição de "Os Sertões". Em 1966, ele escreveria uma monografia sobre Euclides da Cunha que foi premiada em concurso do Ministério da Educação e Cultura. Nacia, então, o núcleo básico do roteiro que há pelo menos 10 anos tenta transpor ao cinema. O entusiamo pelo cinema o fez trocar uma carreira de professor de educação física (formou-se em 1967), por um curso prático no Museu de Arte Moderna. Em 1968, com "Neblina" realizava seu primeiro curta, premiado no Festival de Super 8 Jornal do Brasil e, a partir de então, não parou mais: 21 filmes como diretor - incuindo um longa ("O Rei da Vela"), e mais sete como produtor executivo. Em 1978, ainda, na ditadura, realizou o emocionante "Leucemia", reconstituindo um fato verídico: uma exilada política, gravemente doente, é obrigada a separar-se de sua filha, de 2 anos de idade. Com Dilma Loés, numa atuação notável, este curta foi exibido em Oberhausen, na Alemanha, premiado na Jornada de Documentários na Bahia e pela Federação de Cineclubes ("São Saru 2") e se inclui entre os mais importantes filmes-denúncia dos anos duros da repressão militar. Seria, entretanto, com "O Rei da Vela", a apartir das dezenas de horas que José Celso Martinez Correa havia rodado da peça que revolucionou o teatro brasileiro, que Noilton Nunes realizou seu trabalho mais polêmico. Assim como o material filmado por Celso Martinez percorreu milhares de quilômetros e teve uma saga para ganhar a forma final, também a sua liberação pela Censura foi outra batalha. Até hoje o filme continua inédito em São Paulo (o projeto de Martinez é lançá-lo quando o Oficina reabrir o que vem sendo outra batalha). Em Curitiba, cidade na qual Noilton Nunes já deu vários cursos de prática de cinema, "O Rei da Vela" teve lançamento nacional, em 1983, logo após ter sido premiado em Gramado (melhor trilha sonora, melhor montagem, prêmio especial do Júri), ganhando inclusive duas semanas de exibição no cine Groff. xxx No final de "O Rei da Vela", longo complexo, um delírio de imagens & idéias de uma intensa voltagem criativa, anunciava-se já a realização de "Fronteiras - A Saga de Euclides da Cunha". Entretanto, este projeto tem sido tão difícil e demorado como foi a transformação das imagens capturadas na montagem do oficina de "O Rei da Vela" para o filme - que 21 anos depois continua inédito na maioria das cidades brasileiras. De princípio, "Fronteira" fazia parte de um pacote de quatro projetos que há dez anos já se habilitaram a obter financiamento da Embrafilmes. "Gaijim", de Tizuki Iamazaki, "Guerra dos Orixás", de Marcos Altberg e "Parceiros da Aventura", de José Medeiros - acabaram ganhando os recursos. "Fronteiras" foi preterido. - "Eu não tinha padrinho para me ajudar. O projeto dançou." Hoje, dez anos mais amadurecido, Noilton admite que o adiamento foi positivo: - "Estudei mais a fundo tudo que se relaciona a Euclides da Cunha, mergulhei em seu mundo e acredito que o projeto engrandeceu". No ano passado, a partir de 20 de janeiro e, em agosto, durante 45 dias, a equipe esteve em São José do Rio Pardo, cidade na qual Euclides da Cunha, como engenheiro, construiu uma ponte e onde residiu no período em que escreveu "Os Sertões". Na época, já houve problemas de liberação de recursos para a produção, mas o mais grave aconteceria este ano, em fevereiro: utilizando um armazém da Companhia Docas do Rio de Janeiro, que havia sido cedido a Funarte, para possível transformação num centro cultural. Noilton e sua equipe foram despejados do local, devido a ignorância de um almirante da reserva, que assumindo a empresa, não respeitou os compromissos da diretoria anterior e desejava usar o depósito para guardar cereais. O caso ganhou a esfera policial e Noilton, o ator Breno Morini - que interpreta Euclides da Cunha - e outros elementos da produção, resistiram até o fim, saindo presos do local. Com este incidente, a produção sofreu nova interrupção. xxx Agora, com uma nova administração da Companhia Docas - o ex-deputado Marco Macedo e o empenho do secretário da Cultura do Rio de Janeiro, o ex-ministro Eduardo Portela, o armazém de 8 mil metros ("um local ideal para um grande centro de cinema, pois possibilita a montagem de dezenas de cenários diferentes") volta a ser ocupada pela equipe de Noilton. E ali, no dia 2 de julho - primeiro aniversário da lei Sarney e com a possível presença do próprio presidente da República, serão reiniciadas as filmagens com duas seqüências de estúdios. Uma, reproduz a redação do jornal "O Estado de São Paulo" - na qual Euclides publicou as reportagens sobre a campanha de Canudos (1896/97), movimento messiânico ocorrido no Nordeste da Bahia e que foi chefiado por Antonio Conselheiro (Antonio Vicente Mendes Maciel, 1828-1897). O outro cenário reproduzirá o Cinematógrapho Rio Branco, uma das primeiras salas de exibição no Brasil, e na qual, possivelmente a 10 de agosto de 1908, ao lado de seus amigos, os escritores Coelho Neto e Goulart de Andrade, assistiu a um filme no qual um marido ultrajado assassinava o amante de sua mulher. Euclides que atravessava uma séria crise conjugal - sua esposa, Ana Solon, havia o abandonado para viver com um militar, Dilermando. Assis, sentiria, naquele momento o ímpeto de vingar a sua honra. Cinco dias depois, em Piedade-subúrbio do Rio, ao enfrentar seu rival, foi por ele morto (a tragédia teria uma segunda parte, anos depois, quando um dos filhos de Euclides, procurando vingá-lo também foi morto pelo sedutor de sua mãe). Noilton analisa o detalhe de que Euclides se emocionou com a visão de um filme sobre um caso de traição - e que isto o teria estimulado a procurar a vingança. - "É uma proposta que colocarei no filme: a sua morte foi provocada pelo cinema". A esposa de Noilton, antropóloga e professora Regina Abreu, que com ele trabalha há anos neste projeto, está empenhada em descobrir qual teria sido o filme que Euclides assistiu naquela trágica tarde de 10 de agosto de 1908. De qualquer forma, as imagens que serão projetadas na tela da tela, reconstituindo o momento, serão de um minifilme que Noilton vai rodar a parte - e que já tem a atriz escolhida: Fernanda Montenegro. LEGENDA FOTO - Noilton Nunes (à direita) dirige uma seqüência de "Fronteiras - A Saga de Euclides da Cunha", com Breno Moroni (ao fundo) como o autor de "Os Sertões" e a atriz argentina Katja Alemann como Ana, sua adúltera esposa.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
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14/06/1987
Aloooo!!! O Fsstival de 1968 do Jornal do Brasil era de 16 ml e não de Super 8 que apesar de ter chegado no Brasil (ou ter sido desenvolvido em 1965) ainda não era usado para áudio-Apenas o 16 mm-. Eu sei disto pois fui aluno e amigo) do Noilton, e tenho a única versão do filme NEBLINA, no qual também participei como um ator (amador), mas atuante. Abraços KL

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