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Aramis

O absurdo nosso de cada dia

No programa distribuído (gratuitamente) na entrada do teatro, Marcelo Marchioro esclarece: "Este não é um texto explicativo sobre o espetáculo. Nem pretende ser nada semelhante a isto. Afinal, como todos já disseram, a obra que precisa ser explicada, não é completa em sua existência". De certa forma, isto situa "A Cantora Careca" (Teatro da Classe, 21 horas, hoje e amanhã) como um espetáculo especial. É uma peça que não pode ser explicada. Aliás, o absurdo que caracteriza a obra de Eugene Ionesco (Slatina, Romênia, 1912) não fica apenas em seus personagens estranhos e incríveis situações imaginadas. Olhando-se (e sentindo-se) bem, está em nosso quotidiano. Até mesmo nesta produção da Cooperativa de Produtores de Teatro, que não pode, oficialmente, ter o nome de Marcelo Marchioro como diretor. Isto porque apesar de Marcelo ser um dos mais preparados (em termos teóricos ao menos) homens do teatro do Paraná, com uma cultura específica que poucos profissionais no Brasil apresentam, não tem o registro profissional de diretor. E apesar de algumas direções de espetáculos feitas antes no seu trabalho como diretor de arte e programação na Fundação Teatro Guaíra - não conseguiu o registro junto ao Sindicato dos Profissionais de Teatros e Espetáculos no Paraná. "A Cantora Careca" é o que se pode chamar de obra aberta. Cada espectador que consegue penetrar no seu mundo, extrai o significado e o simbolismo que desejar. Da irritação ao aplauso, o comportamento é individual. A peça pode ser vista como um manancial de símbolos, interpretações e humor refinado e inteligente. Só o fato de ser um texto que permanece há anos em cartaz nas grandes metrópoles e ter merecido interpretações das mais profundas, faz com que não se proponha agora o texto a discussão. Ao contrário, é um meio para que se examine situações de um tempo em que a lógica nem, sempre funciona. No caso da encenação, que há quase um mês está em cartaz, surpreendentemente atraindo uma platéia jovem e interessada, deve-se louvar o bom trabalho de equipe. Mesmo sem poder assinar o trabalho - impedido pelo Sindicato - Marcelo merece os cumprimentos. Conseguiu colocar no palco, em cenários pobres e propositalmente desagradáveis, todo um mundo de absurdo de sentimentos e reações. Criou uma trilha sonora das mais funcionais, numa sonoplastia que oferece, em backgroud, uma linha condutora ao espetáculo. Mas foi na direção do elenco que Marcelo conseguiu os melhores resultados. Jane Martins, mais de 25 anos de vida artística (infelizmente há muito tempo afastada dos palcos) retorna em grande forma, numa composição perfeita ao personagem. Gilda Elisa é uma atriz sensível, capaz de compor excelentes personagens, de extrema versatilidade mas sempre explorada em seu aspecto humorístico (e gaiatice), tem, afinal uma presença que mesmo sem deixar de usar o seu charme simpático e alegre, não vai ao exagero. A surpresa maior, entretanto, pra José Basso - que se despindo de um tipo comum e repetitivo em tantos encenações comerciais que, para sobreviver, tem sido obrigado a fazer nestes anos de estrada teatral, dá mostras de talento. Enfim, numa peça em que o absurdo compõe toda a temática - as interpretações destes atores e atrizes se constituem no ponto alto. Não se pode classificar "A Cantora "Careca" de uma peça fácil, indicada ao público que busca o teatro como diversão e entretenimento. Entretanto é uma montagem honesta, caprichada e que por sua linguagem (e temática) estranha, consegue chegar mais facilmente a um público menos informado - mas sensível (perceptível) a este incrível e louco mundo em que vivemos - do que as platéias tradicionais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
20
08/12/1984

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