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Aramis

E o bom Edgardo retorna em tangos sem tragédias

A temporada de tango continua. Depois da ópera tango "Maria de Buenos Aires" e o magnífico concerto de Astor Piazzolla, na semana passada, vamos agora de "Tangos e Tragédias" (Auditório Salvador de Ferrante, hoje a domingo, 21 horas, ingressos a NCz$ 20,00). Sem a sofisticação de "Maria de Buenos Aires" - uma superprodução montada na Europa e de custo tão alto que nem chegou a ser levada a cidade-cenário (Buenos Aires), mas que veio a Curitiba graças a generosíssima subvenção de NCz$ 60 mil dada pelo Banco do Estado do Paraná, e do concerto de Piazzolla e seu Tango Novo (agora sexteto), temos uma brincadeira em torno da música portenha. Dois instrumentistas e show men gaúchos, Nico Nicolaiewsky (mais para polonês do que argentino) como o maestro Pletskaya e Hique Gomes, como o violinista Kranus Sang, fazem misérias em torno do tango e suas variantes, num espetáculo que deverá encantar "tangófilos" como Sérgio Mercer e Eduardo Fatuch - este um ex-cantor do gênero que marcou época na provinciana Curitiba dos anos 40/50, quebrando corações com as mais apaixonadas interpretações do repertório de seu ídolo, Carlos Gardel. Sérgio Mercer, 47 anos, hoje um próspero publicitário que prefere curtir clássicos do cinema italiano em vídeo do que etílicas e boêmias aventuras na (cada vez mais triste) noite curitibana, já chegou a compor deliciosas tangosátiras e até a produzir um compacto para o seu amigo Renê, um milongueiro que fez sucesso em Curitiba mas, cansado com o afastamento da madrugada dos fregueses mais generosos (como Mercer) fez suas malas e hoje vive em Londrina, cujas casas noturnas batem de dez a um as nossas. xxx "Tangos e Tragédias", na linha da música e humor, agradou aos cariocas, pois como garante o simpático Mozart Primo, responsável pela temporada do espetáculo em Curitiba, mais de cem mil pessoas já assistiram a "esta tragédia mais bem humorada que o teatro e a música já produziram". A crítica também elogiou a irreverência de Nico e Hique, que, pelo visto, tem condições de atingir uma faixa específica de público neste fim de semana. xxx Há mais de um mês, quando da estréia de "Maria de Buenos Aires", em breve registro sobre o tango em Curitiba, perguntávamos por aonde andariam os últimos dois moicanos deste gênero da noite curitibana: o violinista Leo Ignácio Paz, o "El Morocho" - desde os tempos da saudosa boite Cadiz e da Rádio Tinguí e, especialmente, o simpático Edgard Silva Fernandes. Do "El Morocho" não temos notícias. Mas sobre Edgardo, uma ótima notícia: após um ano de afastamento da música & noite, está voltando, cantando bonito como sempre, graças a esta incansável guerrilheira da madrugada, sempre preocupada em salvar endereços ociosos, que é a Soninha Gonçalves. Assumindo uma decadente pizzaria, a Scaramouche (Avenida Manoel Ribas, 1956), Soninha, em menos de duas semanas, conseguiu dar um novo astral a casa. Assim, com seu faro musical, convocou um grupo de instrumentistas e convenceu a Edgardo, que estava afastado da noite, a voltar a encantar seu público com um repertório que, por muitos anos, fez de algumas casas de Santa Felicidade (Bangalô, Status, Tangos & Boleros) terem uma freguesia fiel (e que se espalhou após a sua saída destes endereços). O ajustamento de Edgardo com o conjunto Scaramouche foi tão perfeito que, de primeira vez, já saiu um espetáculo inesquecível, há duas semanas e que teve, inclusive entre seus privilegiados ouvintes, o maestro Norton Morozowicz, numa descontraída circulada na noite: Norton, um erudito sem preconceitos, ex-jazzista, fez mais: animou-se e até sentou no piano, dando uma generosa canja - suficiente para estimular a Soninha a mostrar seus afinados gorjeios românticos. Um talento que, em sua longa quilometragem noturna, sempre havia escondido mesmo dos mais íntimos amigos. Surpresas da madrugada... xxx Edgardo Silva Fernandes, uruguaio de Montevidéu, 53 anos completados a 21 de fevereiro, desde princípios de 1969 em Curitiba - "e curitibano de coração, porque aqui nasceu minha filha, Adriane, hoje enfermeira formada, trabalhando no Uruguai" - afastou-se da noite por razões do coração. Há exatamente um ano, quando se preparava para uma sonhada viagem aos Estados Unidos - (através de uma querida amiga, havia sido indicado para trabalhar como artista num clube de funcionários da Westinghouse, em Pittisburgh) - sofreu um enfarte que o imobilizou por três meses. Com três pontes de safena e recomendação de repouso, voltou a Montevidéu mas, recuperando-se, "não consegui vencer o vírus curitibano". Assim é que retornou há dois meses, e, com sua simpatia, está cuidando durante o dia do bar do Clube do Golfinho. - "É um ambiente saudável, em contato com crianças, quase uma diversão!" A música, entretanto, fazia falta e por isto, há duas semanas, sempre às quartas-feiras, voltou a mostrar seu imenso repertório - dos melhores boleros de Armando Manzanero e preciosidades de Gardel, sem esquecer os clássicos de Piazzolla ("Balada para un Loco" é solicitação obrigatória em cada apresentação", comenta). Só lamenta a falta que faz o velho amigo e companheiro de noitadas musicais, Rolando Gavioli, falecido aos 72 anos, em 4 de fevereiro de 1986, "e que era o único bandoneonista no Paraná". Hoje, não há nenhum executante deste difícil instrumento entre nós - "e mesmo poucos no Brasil". Entretanto, uma compensação é a habilidade de Carlos César Carames, 48 anos, representante comercial durante o dia e músico apaixonado a noite. Com seu "Soprani", 120 baixos, Carames faz incríveis arranjos e dá uma emotiva interpretação a "Adios Nonino". Acompanhado por Julino no piano, Melão na bateria e Paulo no baixo, o quarteto começa a inundar de boa música o Scaramouche, que também tem em Carmen uma crooner afinada. Que desta vez, Soninha possa ver os frutos de seu trabalho prosperarem - e a cidade tenha uma opção de boa música. Especialmente, porque a voz do estimado Edgardo fazia falta em nossa cidade. LEGENDA FOTO - Nico & Hique: "Tangos e Tragédias", no Guaíra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
15/09/1989

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