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Aramis

O boom fonográfico só prejudica os talentos

Muito mais complexa do que a escolha dos melhores filmes lançados durante o ano é a indicação dos discos mais importantes a cada doze meses. A própria diversificação de gêneros e estilos, multiplicidade de edições e falta de parâmetros que indiquem exatamente as edições faz com que toda indicação corra o risco de conter injustiças. Portanto, desde quando - em 1968 - passamos a coordenar uma espécie de music pool, temos procurado diversificar as escolhas, buscando sempre pessoas que, profissional ou apenas entusiasticamente, acompanham o ano musical. Em 1986, por diversas razões, reduziu-se o número de votantes, com lamentáveis omissões - inclusive da área de profissionais que atuam nas programações das emissoras de Curitiba, infelizmente cada vez mais uniformizadas (e pasteurizadas) em suas programações enlatadas - o que faz sentir-se saudades dos bons tempos em que pessoas da sensibilidade de Azor Silva, Euclides Cardoso e Jair de Brito (só para citar três exemplos) sabiam fazer programações que não fossem aquelas impostas pela ditadura do Ibope e dos interesses das gravadoras multinacionais. O mercado fonográfico teve o maior boom de sua história em 1986, o que entretanto não significou elevação da qualidade da produção. Ao contrário: como nunca se vendeu tanto, também nunca se prensou tanto material descartável, que não resiste ao menor juízo crítico - a começar pelo elepê da modelo e TV-woman Xuxa Meneghel, que ultrapassando as 2.800.000 cópias conseguiu até derrotar o "rei" Roberto Carlos, há 15 dias na praça com seu novo (e como sempre, repetitivo) lp, que, deverá passar da casa dos 3 milhões de cópias. O boom fonográfico que se traduziu em vendas impressionantes de alguns eleitos pelo gosto do público - do R.P.M. ao goiano Amado Batista - trouxe suas conseqüências: a) faltando matéria-prima e condições industriais, as gravadoras passaram a prensar apenas os discos dos intérpretes e conjuntos de vendagem certa, desativando assim qualquer produção menos comercial. Com isto praticamente cessaram as edições de discos de jazz e clássicos a partir de agosto; b) Também a produção independente sentiu os reflexos do boom industrial, já que pedidos abaixo de 50 mil unidades não são sequer considerados pelas grandes fábricas. Com isto, este ano se reduziram as produções alternativas - embora tenham aparecido alguns discos interessantes, merecedores aliás de futuros comentários específicos; c) Animada com os números impressionantes nas vendas, a Associação Brasileira dos Produtores Fonográficos decidiu reativar o Prêmio Nacional do Disco, após alguns anos de paralisação. Dividido em duas etapas - uma crítica, outra apenas considerando as vendas - esta promoção deverá trazer indicativos interessantes. xxx Indústria cultural de altíssimos lucros, a fonográfica tem suas próprias regras do mercado. O disco é (ainda) o melhor presente embora, nem sempre, se justifique a frase-promoção "disco é cultura", já que a qualidade não é sinônimo de êxito comercial. E os "gerentes de produtos" e "técnicos em marketing" que hoje substituíram os outroras sensíveis "diretores artísticos", não vêem mais os "artistas" mas sim "produtos" capazes de contabilizarem bons lucros. Apesar de tudo, o disco ainda tem o seu encanto - hoje na diversificação da fita e do laser - que fascina colecionadores e pesquisadores, justificando que, enquanto houver forças lutemos para falar do que há de mais interessante na área da música e seus criadores.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
2
04/01/1987

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