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Aramis

O canto brasileiro de Viáfora, um compositor para ser ouvido

Só não ouve, porque não deixam: há uma geração de talentos maravilhosos, compositores-intérpretes que fazem música brasileiríssima do melhor nível e que são vítimas da ditadura da indústria cultural, cada vez mais selvagemente capitalista na imposição do lixo (nacional e internacional) em detrimento do que temos de melhor. Quando um destes talentos autênticos consegue chegar ao disco, geralmente feito com [muitas] dificuldades, inicia outra batalha: conseguir uma brecha de divulgação, pois na imbecilidade de 99% dos "donos" das programações AM/FMs, a qualidade continua a ser preterida pela imposição das regras de marketing que impõe o mais [supérfluo], descartável e colonizador pop internacional. Celso Viafora, paulistano, tem sido neste últimos anos, um dos ratões de festivais - ao lado dos semi-curitibanos Jean e Paul Garfunkel, que tem acumulado premiações em dezenas de festivais realizados em Cascavel, Avaré (84/85), São José do Rio Pardo (84/85/88), Limeira (84/85), Marília (84), Boa Esperança (84), [Sorocaba] (84), entre outros. Autor de trilhas sonoras para peças de teatro ("Trinta e Nove", dirigida por Flávio Rangel; "Bent", em parceria com Amilson Godoy; "Aldeia Antigona"), Viafora tem mais de 13 anos de estrada, pois em 1979 já era finalista no I Festival Universitário da TV Cultura de São Paulo (com "Dia a Dia"), fez shows ("Terra Morena", Sala Funarte - RJ, teatro Dulcina; Virada Paulista; entre outros projetos) e animador cultural, dos mais intensos, coordenado o projeto Som das 12h30 para a Secretaria da Cultura de São Paulo e, ao lado de outro admirável guerrilheiro musical, Helton Altman, programa as séries "Compositores" e "Instrumento" no bar Vou Vivendo - o melhor endereço musical de São Paulo. No final do ano passado, foi um dos 32 compositores convocados por Altman para o projeto "Parceiros do Tieste", onde foram criadas em parcerias, 16 músicas que fizeram parte do espetáculo Sinfonia das Águas, no Anhembi (novembro/91). Em parceria com Itamar Assumpção, compôs "Rio Que Passarinho Não Bebe". xxx Enquanto dezenas de medíocres compositores-intérpretes, vem tendo gravações, Celso Viáfora permanecia praticamente inédito fora dos circuitos de festivais e dos shows ao vivo. Embora, em 1985, duas de suas canções ("Mariana" e "Serra do Mar") tenham sido incluídas no lp "Relação Natural", mas poucos a conhecem, já que foi uma produção patrocinada pelo SESC, de circulação dirigida. No ano seguinte, Altmann conseguiu incluir na coleção "Bom Tempo", produzida para os discos Copacabana, um elepe ("Trocando figuras"), reunindo Brunetti e os irmãos Garfunkel. Um disco explendido, que colocamos entre os melhores daquele ano mas que, infelizmente , poucos tomaram conhecimento. Outro batalhador independente, o compositor paranaense Nilson Chaves levou Viafora ao seu Estado para muitos [shows] e gravou duas de suas músicas - "Não Vou Sair" (lp "Sabor", 1979) e "Olhando [Belém]" ("Amazônia", 1990). Agora, através de uma etiqueta da qual é um dos sócios, Outros Brasis, Chaves dá ao amigo Celso a oportunidade que ele há muito mereceria: mostrar num disco todo o seu imenso talento. O resultado é que este álbum - infelizmente difícil de ser encontrado em nossas lojas (como sempre dominadas apenas pelos produtos comerciais e sem maior critério artístico" - se afigura o primeiro grande disco do ano. Da primeira a última faixa, Celso Viafora esbanja sensibilidade, emoção e toques de ironia num repertório de um compositor estradeiro, que tem percorrido este Brasil de Norte a Sul, convivido com o povo, acumulado emoções e, exercitado cada vez mais sua poesia. Cada composição de Celso - acumulando sempre letra e verso - possibilitaria toda uma longa digressão, pois ele coloca substância e, sobretudo harmonia naquilo que admira dentro da MPB - de patativa do Assaré a João Gilberto em "Altares". Em seguida, "Não Vou Sair", é um canto de protesto, lembrando os que ficaram no Brasil durante os anos duros da repressão ("A geração da gente/não teve muita chance/ de se afirmar/de arrasar/de ser feliz/Sem nada pela frente/pintou aquele lance/de se mudar/de se mandar/deste país"). Uma canção tão significativa como foi "O Bêbado e a Equilibrista" (Blanc/Bosco) na década de 70, mas que, infelizmente até agora não teve a menor divulgação nas rádios. "Algodão Doce", em seguida, é um canto amoroso-ecológico, falando em pássaros e frutas, enquanto "Mil Maravilhas" traz numa longa letra uma [ironica] estoria de uma jovem travessa e seu ingênuo apaixonado. A melhor faixa do disco, em termos românticos, é "Algo Assim de Lua", somente com o vocal de Celso e os teclados de Amilton Godoy, responsável por todos os excelentes arranjos deste álbum nota dez. O lado dois abre com "Arte", que disputou o I Festival Carrefour de MPB. Uma ironia sátira a ditadura de certa espécie de críticos da grande imprensa em relação aos nossos compositores. Vítima já de incompreensão e injustiças em festivais (por exemplo, tanto esta faixa como "Sol da Preguiça", que disputou o Novo Festival Record, mereceriam terem sido premiadas), Celso faz um lúcido (e lógico) protesto: Pelo direito daquele que tem que criar com aquela fome de quem não comeu no jantar enquanto rádios e vídeos escolhem o que presta. Aos que se deram poderes de escolher pra mim Sou milionário e Zé Rico cantando em Pequim. A melhor parte da área não mora na testa. "Olhando Belém" - nascida de uma temporada na capital do Pará - [tem] um sentido nostálgico, com citação das "Seções de Interlúdio" de Alberto Caieiro (heterônimo de Fernando Pessoa). "Fatalidade " volta a uma linha de suave ironia enquanto "Fruta Menina" tem uma abrangência ecológica. Finalmente, "Fica, Vá", minimalista em sua estrutura, enriquece-se com a presença de outro talento maravilhoso - e também até hoje pouco valorizada: a suave cantora Vânia Bastos. Para a perfeição deste magnífico álbum, Celso contou não só com arranjos e teclados de Amilson Godoy, mas da competência de amigos muito especiais, que deram o melhor de si por reconhecerem o talento deste compositor da maior grandeza. Assim Eduardo Gudin (violão) e Olmir Stockker (Alemão) estão no violão em "Altares"; Arismar do Espírito Santo empresta seu magnífico baixo em quase todas as faixas, Paulo Garfunkel faz o sax alto em "Mil Maravilhas", André Geraissati marca ao violão em "Fatalidade", as vozes de Vilma Faggioli, Eliane Sobrinho, e Astrid Maria Rossi comparecem em "Olhando Belém" e "Mil Maravilha". Outros bons músicos - entre [percussionistas], guitarristas, também harmonizam-se numa produção exemplar, digna da maior atenção. Completando a competência desta produção, uma belíssima capa criada pelo paranaense Elifas Andreato - talento maior que, infelizmente, pouco tem podido produzir para enriquecer visualmente a fonografia brasileira.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
15/03/1992

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