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Aramis

O canto do Paraná (final)

Quando Leontomar Valverde e Roberto de Oliveira, no palco do Guaíra, já no início da madrugada de segunda-feira, bisavam a grande vencedora do I Festival Paranaense de MPB - "Sete Quedas", uma terna atração extra: Fábio Alexandre, um garotinho loiro de um ano e meio, filho de Leontomar e Jossué de Fátima Corninck, corria ao redor de seu pai e o aplaudia. Foi a cantora Célia, do júri, entusiasmada ao ver a animação que a criança mostrava no colo da mãe, que a colocou no palco. Um momento de ternura frente a uma intensa vibração - onde o público referendou a escolha do júri formado por 40 pessoas, entre nomes famosos da MPB, jornalistas, produtores fonográficos, etc. Se um festival sempre corre o risco de cometer injustiças, no caso de "Todos os Cantos", a margem foi mínima: aplausos do público, raras vaias, mostraram que, ao contrário de tantas vezes, houve consenso na premiação. Leontomar Valverde, 33 anos, escrivão de polícia e acadêmico de direito, há 5 anos vem fazendo músicas com Roberto de Oliveira, 29 anos, administrador de empresas e funcionário da Copel. Juntos, venceram em 1977 o festival promovido pelo DCE - UCP, no Colégio Estadual, com o animado "Ainda Bem Que Tem Samba" e, neste ano, numa mostra de compositores universitários, em Londrina, classificaram duas belas músicas: "Como Antigamente" e "Protesto Número Um". Juntos com Jossué de Fátima, 27 anos, paranaense de Ponta Grossa, formada em letras pela UCP e esposa de Leontomar, fizeram "Sete Quedas" - que desde sua pré-qualificação, na etapa de Maringá, pintou como uma das favoritas. Uma belíssima harmonia e letra das mais felizes - tendo justamente por tema um aspecto do Paraná, necessário de ser lembrado, denunciado e alertado: o desaparecimento das Sete Quedas devido às obras de Itaipu. Leontomar e Jossué começaram a trabalhar na música há alguns meses, com a ajuda do parceiro Roberto, este um excelente executante de violão e cavaquinho - cujo solo na estrutura da música contribuiu para lhe dar ainda mais sonoridade. "Moço, nossa estória é fácil contar/ Somos de onde a terra sumiu/ virou mar, inundou todo o lugar/ A vida que era a roça e a tapera crianças sadias no banho do rio/ a escutar a cachoeira do lugar Canta canta cachoeira teu derradeiro cantar/ Canta canta cachoeira do interior do Paraná Canta canta cachoeira que vontade de chorar/ misturar as minhas lágrimas com as águas do lugar Lembrando o trem que trouxe a gente para cá/ da alma a tristeza começa a brotar/ e lembrar das belezas do lugar E nós na favela a nos favelar/ os filhos nas ruas a esmolar/ no peito a cachoeira do lugar E quando o homem necessitar/ vai encontrá-la sufocada lá dentro daquele mar. xxx Mário Lago, 69 anos, nome que dispensa maiores apresentações pelo muito que já fez em favor da vida cultural brasileira, ao ouvir a apresentação de "Sertão Só" comentou: "Esta menina tem tudo para ser uma grande cantora nacional". No final, houve quase unanimidade: Giseli Lopes de Oliveira, 19 anos, aluna do Camões e que deseja estudar Belas Artes, foi escolhida a melhor intérprete, enquanto a música do trio Marcos Rocha (17 anos), Carlos Oliva (22) e Paulo Fernandes (20 anos) ficou em terceiro lugar. Uma canção de imensa força e muita harmonia que também vinha já impressionando em todas as suas apresentações. O grupo "Composição", que defendeu "Fenix" (Walter Wanderley Martins) - quarta classificada, também foi lembrada por alguns jurados como destaque em interpretação. Afinado, parecendo o MPB-4 dos anos 60, será lamentável que este grupo formado por jovens de Londrina não tenha uma continuidade em seu trabalho. A letra de "Fenix" é longa, de difícil assimilação, mas impressionou ao júri e mereceu aplausos demorados do público, encerrando com um verso marcante: "E todo esse remédio que não cura/ Que é feito um gosto azedo de ressaca/Curtida numa estranha sala escura/Me deixa como um nós desfeito a faca". José Eduardo Dequech, 24 anos, engenheiro florestal, em parceria com Thais de Andrade (pseudônimo de um amigo, cuja identidade não quis revelar) conseguiu ver o seu "Um Bem Comum" - defendida vocalmente por Rosa Passos, do grupo As Nymphas, em segundo lugar. Uma colocação de certa forma surpreendente, pois mesmo bem votada anteriormente, não se imaginaria que ficaria em segundo lugar. O ritmo de baião e a simplicidade de alguns versos contaram muito para a comunicação desta música que teve torcidas das maiores ("Como a serra que azulou/no horizonte de um baião/ de repente escorre no ar/ mais estranha sensação/ Se sustenta o coração/pousa o olhar num bem qualquer/e deixa doer, de vez") Para Carlos Lyra, "Amigão Violão" (Carlos A. Ribeiro/Celso Teixeira) foi a melhor música de todo o festival por sua simplicidade e harmonia. Defendida por Celso Teixeira, com um arranjo simples, esta canção apontava como uma das favoritas e, no final, ficou em quinto lugar. Mas, por certo, do disco a ser gravado na Audisom em janeiro, tem condições de ser uma das mais divulgadas - por sua harmonia moderna, singeleza na letra e brasilidade do tema - unindo uma ode ao violão com um canto de amor despedaçado: "Olha, amigo violão, eu nunca serei só/Seremos sempre os dois, dizendo uma canção/ Falando dessas coisas, que vem do coração/ Sabe, amigo violão, um dia ela partiu/ E a porta nem fechou/ A felicidade então, por lá também saiu/ Saudade aqui ficou / Meu amigo violão, perdoa se eu chorar / São lágrimas de amor, não posso controlar / Mas vão lhe dizer tudo, que eu não sei contar". xxx Uma preocupação externada pelo violonista e compositor Sebastião Tapajós, um dos jurados que acompanharam todas as fases do festival, era de que os premiados tivessem uma obra capaz de sustentar uma carreira profissional que deve ter início. É sempre bom lembrar que Alberto Land, autor de uma das mais belas músicas dos anos 60, "Helena, Helena, Helena", vencedora de um festival universitário promovido pela TV-Tupi, ficou apenas nesta música. Outros exemplos poderiam ser lembrados. Para justificar o investimento feito pela Secretaria da Cultura e do Esporte em "Todos os Cantos", deve ser elaborado um projeto para fazer com que não só os cinco premiados do evento - mas todos os intérpretes-autores de talento, tenham condições de disputar um espaço profissional.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
8
16/12/1980

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