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Aramis

O cinema (muito) falado de Caetano

Horas após assistirmos, em sua estréia mundial, ao filme "O Cinema Falado", em exibição hors concours durante o III FestRio (novembro/86), e relatando em O Estado do Paraná a polêmica que se seguiu, provocada pelas (justas) vaias que o cineasta Arthur Omar ("Tristes Trópicos", "O Som") estimulou durante a projeção na Sala Glauber Rocha (Hotel Nacional, RJ), escrevíamos que este seria o filme que mais discussões provocaria e ganharia os melhores espaços na imprensa nacional. E não deu outra! Afinal, Caetano Veloso e seu empresário-produtor, o gordo e simpático Guilherme Araújo, 51 anos, conhecem as regras do marketing autobadalativo. E ao escolherem o FestRio para fazer uma única sessão, quase às 2 horas da madrugada, sabiam que era o momento certo para provocar discussões (em 1985, Caetano já havia sido a "estrela" na festa de abertura ao protestar, em altos brados, contra a proibição de "Je Vous Salue, Marie", de Godard, que deveria ter inaugurado o II FestRio). Irritando grande parte do público - mas aplaudido pela tietagem de Caetano, "O Cinema Falado" vem sendo exibido, com bom público, em várias capitais. No Rio e São Paulo foi lançado ainda em 1986, num tratamento prioritário da Embrafilmes, o que desagradou outros cineastas que, há meses aguardam oportunidade para verem seus filmes comercializados. Agora, "O Cinema Falado" está em exibição em Curitiba (Cine Luz, 5 sessões). Apesar de toda badalação e tietagem a respeito, João Aracheski não quis arriscar a exibi-lo, cedendo-o para que Francisco Alves dos Santos o programasse no Luz, sala pequena, confortável (se, nos dias de calor, a gerência lembrar-se de ligar o ar condicionado) e no qual o filme de Caetano Veloso pode ficar semanas em cartaz. Se a garotada metida a intelectual valorizar o pretensioso filme e formar filas para assisti-lo. UM FILME CHATO - Sem meias palavras, 90% do público mais esclarecido - mesmo aquele que admira Caetano Veloso como compositor, tem definido "O Cinema Falado" como um filme chato. Se cinema é imagem, na concepção do autor de "Alegria, Alegria", o cinema é papo - e quase sempre furado. Assim, do início ao fim, o filme é um blá-blá interminável, parecendo mais uma reunião de amigos, da patota de Caetano (aliás, a primeira cena já é uma festinha intelectual, com um desfile de caras conhecidas). Há, entretanto, méritos no filme de Caetano. A fotografia (Pedro Farkas) é excelente e existem pelo menos três sequências marcantes. A mais bonita é quando ele, defronte a matriz de Santo Amaro, recorda seus tempos de adolescente, apaixonado por "Il Vitteloni" de Fellini e assovia o tema de Nino Rotta. Dona Canô, sua mãe, aparece cantando, afinadíssima, "Último Desejo" (Noel Rosa/Vadico), em outro momento marcante. E Regina Casé, hilariante, imitando Fidel Castro na entrevista a Roberto D'Ávilla em "Conexão Internacional". A platéia morre de rir. Houve críticos que também gostaram do filme. Pola Vartuck, a mais respeitada crítica paulista, de "O Estado de São Paulo", dedicou uma página de reflexões ao filme ("Herético e antropofágico explícito", Caderno Dois, 20/12/86), onde começa dizendo que "independentemente do fato de gostar ou não do filme - eu, particularmente, faço parte da numerosa patota que o aplaude - 'O Cinema Falado', de Caetano Veloso é um acontecimento. Um dos mais importantes acontecimentos do cinema brasileiro desde a eclosão do Cinema Novo - de cujas premissas básicas ele é, sob vários pontos de vista, uma antítese. É um filme que poderá tornar-se um divisor de águas, tal como ocorreu com a Tropicália. Em 1967/68, Caetano e Gilberto Gil infringiram regras, quebraram tabus e cometeram uma heresia ao incorporarem à música popular brasileira o som estrangeiro das guitarras e dos conjuntos de rock. Foram vaiados, combatidos, mas revolucionaram a MPB". LEGENDA FOTO - Um blá-blá entre amigos: "O Cinema Falado", de Caetano Veloso está em exibição no Cine Luz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
14
13/03/1987

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