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Aramis

O cinquentenário do Avenida (I)

Por uma coincidência que chega a ser até tragicamente irônica, na próxima segunda-feira, quando, à noite, em Los Angeles Music Center, no Pavilhão Dorothy Chandler, realiza-se a 51a . solenidade festiva de entrega dos Oscars - a maior festa do cinema-indústria (e que será acompanhados por cerca de 400 milhões, via televisão), em Curitiba, sem qualquer solenidade, transcorre o 50o . aniversário de inauguração daquele que é, hoje, o 2o .mais antigo cinema da cidade - é o último bastião da resistência da outrora fulgurante Cinelândia: o Avenida. A data, que poderia motivar uma série de eventos - ou ao menos o descerramento de uma placa comemorativa, não só passa em brancas nuvens ignorada até mesmo pelas pessoas mais diretamente ligadas a história da cidade - como é melancólica: o cine Avenida só está funcionando porque alguns dos inquilinos do outrora suntuoso Palácio Avenida - como o Sr. Sugismundo Mazurek, proprietário da Thai Lanches, os comerciantes Miguel Martins Corrêa e Olímpio Andrade, do café e restaurante Guairacá e, principalmente, a Fama Filmes, resistiram juridicamente a ação de despejo que há 5 anos o batalhão de advogados do grupos Bamerindus vem movendo sem tréguas - conseguindo, tal como numa batalha cruel e sangrenta, derrubando inquilino por inquilino. Primeiro foram os 30 ocupantes de apartamentos residências, sendo o último a sair o cartorário José Nociti. Os ocupantes dos pontos comerciais, por obvias razões, procuraram resistir mais longamente - mas também vem sendo abatidos por decisões judiciais - após esgotarem todos os recursos legais. Os comerciantes Miguel Martins Corrêa e Olímpio Andrade, proprietários há 10 anos da Guairacá - estabelecimento que faz parte do prédio desde sua inauguração, há meio século (iniciando como luxuosa casa de chá, do alemão William Winkel e passando por diferentes fases) acabaram aceitando a proposta do Bamerindus e por uma indenização de apenas Cr$ 1.500.000,00 - muito abaixo do que vale realmente aqueles dois excelentes pontos - terão que fechar as portas do bar-restaurante e café no próximo dia 1o . de maio. O comerciante Mazurek, instalado há poucos anos com a pequena lanchonete Thai Lanches, conseguiu algumas temporárias vitórias, mas não dispõe de munição legal para resistir por muito tempo. Em termos legais, só mesmo a Fama Filmes é que poderá evitar, no mínimo, por mais de um ano que o prédio seja demolido - e com isto desapareça totalmente um dos últimos pontos de animação da hoje esvaziada, depoliciada e triste Avenida Luiz Xavier - que, até o inicio dos anos 60 era o ponto mais elegante e movimentado de Curitiba, com os três melhores cinemas - Palácio, Ópera e Avenida lançando os filmes de maior público, cafés, restaurante, confeitarias e bares. O inexorável processo de ocupação dos melhores pontos da cidade por frias e impessoais, mais lucrativas incorporações financeiras, grandes lojas foi, pouco a pouco fechando tais estabelecimentos - provocando aquilo que denominamos de "A morte da Cinelândia curitibana"- tema, da série de 16 textos publicadas nesta coluna, no mês de janeiro, sintetizada em reportagem na revista "Atenção" (março/79) - e que longe de esgotar o assunto representou apenas um registro uma tentativa de alerta sobre a descaracterização da área mais central da cidade - ironicamente reservada ao tráfego de pedrestes, ponto de encontro da população e sede da mais original (e temida) das instituições curitibanas: a Boca Maldita, fundada e presidida adperpetum pelo advogado Anfrisio Fonseca Siqueira. *** Historicamente, não custa recordar os fatos: a 9 de abril de 1929 - ano que ficará para sempre ligado a história do craque da Bolsa de Nova Iorque - era inaugurado, pela manhã, o luxuoso cine-teatro Avenida, em solenidade que contou com a presença das mais altas autoridades do Estado, Affonso Alves de Camargo (1873-1959). A noite, ali estreava a companhia de teatro Tro-Lo-Ló, do Rio de Janeiro, contratada pelo primeiro arrendatário do teatro-cinema, o construtor Raphael Mazillo. Apreciador de óperas, gostaria que o evento fosse marcado com a montagem de um clássico de Puccini ou Verdi, mas o custo de uma encenação de bel-canto, há 50 anos passados, como hoje, não permitia tais luxos. E assim, foi mesmo com uma revista intitulada "Rio-Paris", que o cine-teatro Avenida, com camarotes, frizas e platéia lotados por elegantes senhoras e circunspectos cavalheiros - foi aberta ao público, representando uma primeira grande concorrência ao "Palácio", na mesma, e que desde o inicio do século funcionava cojo espaço de recreação e entretenimento - alternando-se entre cinema e teatro para a cidade de menos de 100 mil habitantes, bondes nas ruas e realmente humana e comunicativa. *** Resumir 50 anos da história de um prédio como o Palácio é tarefa para muitos dias - o que já tentamos há 3 meses aqui fazemos e hoje só voltamos ao assunto devido a efermerídade, que, não deixa de ser melancólica para todos que amam a cidade, sua paisagem urbana, sua tradição. Evidentemente, há os argumentos que justificam (justificam?) que o centro urbano se transforme, construções como o Palácio Avenida, edificado entre 1927/29 por iniciativa do empresário Ferez Mehry (1874-1946) venham abaixo para darem lugar a um prédio de dois andares, para servir de sede para apenas mais um dos tentáculos - no caso a seguradora do poderoso grupo Bamerindus, adquiriu o imenso prédio por Cr$ 13.500.000,00. Razões, obviamente, não faltam para quem deseja ver isso como progresso, há mesmo até alguns arquitetos que alegam que o Palácio Avenida não apresenta esteticamente maior importância, que pouca falta fará na paisagem daquela avenida de uma quadra, conhecida como a mais curta do mundo. Mas, como diria Vinícius de Moraes num de seus mais deliciosos poemas-crônicas, onde tentava explicar a um bilionário americano, mr. Brown, porque, há 30 anos atrás, preferiu trocar o conforto e a civilização de Los Angeles (onde servia como diplomata) para retornar ao Rio de Janeiro, há certas coisas simples que pessoas ricas e presas apenas aos números não entendem. E estas razões - sentimentais, evidentemente, mas de grande profundidade - podem, tranqüilamente serem ajustadas a uma argumentação inteligente para provar de que se o grupo Bamerindus, com todo seu imenso poderio, pode construir a mais bela das sedes para sua seguradora em qualquer parte da cidade, se o Palácio Avenida for mesmo demolido, como até agora pretendem seus proprietários - e o que, legalmente, nada pode impedir - nem todo o dinheiro do País - tornará possível recuperar os que as picaretas destruíram em poucas horas. *** Quando, em janeiro último abordamos exaustivamente o tema em nossa coluna, havia poucas, pouquíssimas chances de que o grupo Bamerindus se sensibilizasse com os argumentos de quem defende a necessidade de que se estude qualquer fórmula capaz de preservar o Palácio Avenida, mesmo que reciclando-o em suas atividades - pois é indiscutível que 50 anos fazem com que qualquer prédio exija uma recauchutagem - como uma pessoa precisaria de uma atenção média. Mas assim como não é necessário matar ninguém por atingir o cinqüentenário- ao contrário, é motivo de festas e comemorações, o fato do Palácio Avenida completar dia 9 o seu 50o . ano, não é razão para apressar a sua destruição. Em janeiro, o prefeito de Curitiba era o engenheiro Saul Raiz, um bom mestre-de-obra, eficiente executivo, mas que até então poucos - ou quase nenhuma - preocupação mostrou pelo problema. Pelas voltas inesperadas que a política dá, Saul acabou preferindo o salário de Cr$ 350 mil , mas mordomias dignas de um monarca árabe para retornar ao grupo Klabin, no Rio de janeiro e com isso a cidade ganhou de presente, dois dias antes de seu aniversário, a volta do arquiteto Jaime Lerner a Prefeitura. E isto talvez faça com que "O Milagre"- filme em exibição há duas semanas na tela suja e empoeirada do velho Avenida não fique apenas na ficção. E se houver a minha compreensão, a cidade não perca o seu Palácio Avenida - e a nossa Cinelândia não morra de vez!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
07/04/1979

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